Efeito Kuleshov e a importância do ser cinematográfico
As grandes ideias vêm sempre da observação de pequenos pormenores e foi assim que Lev Kuleshov transformou perpetuamente a linguagem do cinema.
Kuleshov nasceu em Moscovo, no século XIX, mas foi nos princípios do século XX que algo se alterou. Tudo sofreu uma mudança, principalmente na forma como ele via e compreendia a mecânica psicológica da montagem dos filmes.
É até hoje considerado um cineasta brilhante e, principalmente, um grande pensador e teórico da linguagem do cinema. Foi pioneiro nos estudos do cinema, tendo fundado e ensinado na primeira escola de cinema do mundo, a Moscow Film School.
Sempre com um fascínio completo pelo mundo das artes, começa a estudar pintura, arquitectura e escultura aos 15 anos, desenvolvendo um grande gosto e sensibilidade pela parte técnica e artística em torno da arte. Mas só quando Kuleshov entrou para o Exército Bolchevique – desempenhando a função de documentador, com uma pequena equipa de imagem que fazia cobertura da Guerra Civil Russa – é que o seu interesse pela imagem em movimento se foi aprofundando e ampliando.
Regressado da guerra, Kuleshov colocou os seus longos pensamentos, acerca das imagens em movimento, em prática, já que para um cineasta a experimentação torna-se quase mais importante do que a própria alimentação. O cinema soviético estava na vanguarda da experimentação, era o mais avançado dos anos 20, com ideias e experiências de Dziga Vertov, Eisenstein e Kuleshov.
O cinema era uma nova arte, algo que não era perceptível na altura, uma arte filha da industrialização e do avanço tecnológico, neta da ciência e mais tarde uma grande matéria filosófica.
Kuleshov ficou conhecido por uma experimentação fílmica chamada “Efeito Kuleshov”, que consiste numa sequência tripartida onde é apresentado um plano com uma expressão neutra de um actor, unido seguidamente com um plano de um prato de sopa, uma criança morta e uma atraente mulher.
Verificou que, apesar da expressão facial neutra do actor não se modificar, o espectador acrescenta inconscientemente as suas impressões às expressões do actor, sentindo fome, tristeza/dor e atração, respectivamente a cada plano. Também se apercebeu que o espectador lê os planos justapostos como uma sequência, criando assim uma narrativa.
Através da observação deste pequeno pormenor, Kuleshov repara que é aqui que a metáfora narrativa é verdadeiramente criada – através da interacção entre dois planos. O segundo plano cria sempre uma significância, um contexto, ambienta-nos e por vezes sugere-nos um tema. A interacção entre estes dois planos, como vimos através da experimentação de Kuleshov, envia ao espectador a mensagem de que os dois planos estão relacionados e que interagem no mesmo espaço e no mesmo tempo.
As diferentes emoções no rosto do actor, apesar de a sua expressão se manter neutra, não tem que ver com o plano em si, mas com a sequência de planos. Por exemplo, na sequência de abertura do filme “Shame” de Steve McQueen podemos ver este efeito a acontecer:
A conclusão desta experimentação dá grande valor e reconhece que a alma do cinema, segundo Kuleshov, está na montagem. Este chegava mesmo a dizer que a representação em si e o actor, pouco ou nada importava, o que importava era o corte e onde este era feito. O significado é criado na conexão entre dois planos, mais do que num plano isolado.
Hitchcock foi um dos cineastas que usou bastante este efeito para criar significados nos seus filmes, ajudando o espectador a entender o que queria transmitir, principalmente ao nível emocional e espacial, como no filme “Rear Window” de 1954.
Kuleshov fixava-se mais na ideia de como os filmes e as ideias dentro dos filmes funcionavam, mas também na psicologia mecânica da montagem, que como podemos ver, ganhou um grande valor que perdura até hoje. A montagem torna-se algo poderoso e complexo, podendo mudar contextos, emoções e temas, conforme a sequência e a relação entre planos.
A partir daqui, a montagem começou a ganhar um grande reconhecimento, alterando não só a construção narrativa entre planos, mas também a relação entre o meio e a realidade.
Este fenómeno da mudança emocional proposta inconscientemente pelo espectador, torna-se um dos efeitos mais primários do cinema, sendo o espectador capaz de criar significados emotivos e conexões reflexivas associadas a contextos que ligam o que está dentro do filme com o que está fora do filme.
70 anos após a morte de Kuleshov, este efeito continua actual e é ainda hoje usado constantemente no cinema. É um efeito que levou também o cinema a ser considerado arte, já que a arte é a simbiose entre o ser humano e as suas emoções. Torna-se uma base da linguagem cinematográfica, importante para o cineasta e para o seu espectador, transcende o seu espaço e o seu tempo e sustenta-se no ser, como qualquer outra arte.
Para quem quiser saber mais sobre a História da Montagem deixamos aqui mais um link:
Comunidade de Cultura e Arte
Março, 2017