Entrevista. Alma Rivera: “Há preconceito sobre o que é ser comunista e intenção de impedir que se perceba o que defendemos e queremos construir”
Alma Rivera é a oitava entrevistada do projeto 0s 230, iniciativa que pretende dar a conhecer um pouco mais sobre todos os deputados da Assembleia da República e os partidos a que estão afiliados. A deputada do Partido Comunista Português (PCP) conversou com o fundador da iniciativa, Francisco Cordeiro de Araújo, e deixou clara a sua opinião sobre assuntos como a mobilidade e a habitação. Bem presente na sua visão, ficou a ideia de que a participação dos cidadãos na política não se pode traduzir apenas na possibilidade de votarem.
Com 29 anos de idade, a deputada do PCP é a mais nova do partido e recorda a infância nos Açores. “É um bom sítio para se crescer”, afirma, fazendo, nomeadamente, referência ao contacto com a natureza e com as pessoas. No entanto, Alma Rivera mostra-se descontente com algumas questões. “Não fossem algumas deficiências nos serviços públicos e nas oportunidades, seria o melhor sítio do mundo”, afirma.
Falando de um “sistema de emprego à base de estagiários”, Alma Rivera garante ser “muito difícil alguém conseguir um emprego para realmente se fixar e ter oportunidades” nos Açores. Por outro lado, ao nível dos serviços públicos, a deputada do PCP considera existirem “deficiências graves” em setores como a saúde e educação. “Nos Açores há muitas desigualdades e gritantes”, afirma.
Juventude, habitação e transportes: qual a opinião de Alma Rivera?
Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Alma Rivera não tem dúvidas de que este período enquanto estudante lhe deu a conhecer a “importância do envolvimento das pessoas e da juventude nas transformações sociais”. Nessa altura, Portugal ficou marcado pela ação da Troika, e a deputada do PCP recorda a movimentação por parte dos alunos, grande parte deles com dificuldades financeiras. “Todos nós estávamos a ter consequências diretas e a sentir na pele”, explica.
Acreditando que as gerações mais novas não tiveram acesso a esse espírito participativo que se sentiu a determinada altura, a comunista prevê uma grande diferença em relação ao futuro. “Só o facto de compreendermos de que a participação é algo que não pode ser encarada de quatro em quatro anos, mas que é uma atitude diária perante as questões, de nos posicionarmos e de nos pronunciarmos sobre aquilo que é justo e necessário em determinado momento… Só isso é uma lição que temo que a maior parte dos jovens hoje não tenha a oportunidade de experienciar, tendo em conta que esses passos não são fomentados ao longo do seu percurso”.
E, para a deputada que fez parte da Juventude do Partido Comunista, na altura em que os jovens tentam consolidar as suas vidas, mais dificilmente se organizam para defenderem os seus interesses. É neste sentido que Alma Rivera reforça que “o exercício do voto é importante, mas não é só isso”, considerando existir uma “conceção muito restrita do que é a democracia e a participação”. Por isso, chega mesmo a afirmar: “os jovens são chamados a participar, mas sempre dentro dos «quadrados», e, sempre que tentamos ir um pouco mais longe, já está fora do permitido e já não é assim tão aceitável”.
Alma Rivera admite, ainda, existir um preconceito em relação ao PCP, garantindo que, “para o sistema se perpetuar, com desigualdades tão gritantes e injustiça social, tem de haver uma forma de isolar e fazer com que as pessoas não compreendam o que os comunistas estão a dizer”. É neste sentido, que a deputada de 29 anos deixa claro o objetivo do PCP: “nós queremos construir uma sociedade que sirva o nosso povo, na base de justiça e distribuição”. Dando a conhecer um pouco mais sobre o PCP, Alma Rivera explica ainda que, na sua visão, um partido não está desligado de um movimento e de uma base social. “O PCP está onde está o povo, quem trabalha e quem precisa de mudanças”.
A habitação e os transportes foram alguns dos temas abordados durante a entrevista, com a deputada do PCP a deixar clara a sua opinião. “Com um salário médio de um jovem, a maior parte de nós não tem dinheiro para pagar a renda”, apontando um problema: não existir oferta pública. Por isso, defende que “não se justifica haver propriedade do estado abandonada que não está a ser aproveitada para habitação”, numa conversa onde faz também referência a habitações sociais.
Quanto à mobilidade, e para além da qualidade dos transportes e os horários, Alma Rivera destaca outra questão: a organização do território. “A maior parte das pessoas trabalha em cidades onde não lhes é permitido viver”, afirma, o que lhes obriga a perderem muito tempo em viagens.
“Verão Quente de 1975”: as escolhas da deputada do PCP
O que está a faltar para os jovens terem interesse pela política? Para Alma Rivera é necessário que sejam chamados a participar ao longo da sua vida sobre aspetos que os rodeiam, destacando também a importância de se juntarem a movimentos ou grupos. Desta forma, podem tomar posições mais instintivas. “Não podemos viver das apreciações mastigadas de outros”, considera, numa altura em que “a ideia da desonestidade e corrupção condicionam muito a vontade das pessoas se envolverem”.
Acreditando que o melhor Presidente da República ainda está por vir, fazendo referência ao deputado do PCP João Ferreira, entre Marx e Lenine, Alma Rivera opta pela segunda opção. Entre os vários dilemas apresentados à deputada, a comunista dá primazia à realidade e não ao sonho, e o mesmo se aplica ao campo, e não à cidade.
Quanto a uma figura histórica, Alma Rivera garante não conseguir escolher. “Nunca um homem sozinho conseguiu alterar nada se não tivesse sido acompanhado por uma força social”. “O povo é uma personalidade esquecida”, afirma. E Ary dos Santos seria a pessoa com quem a deputada escolheria almoçar se ainda estivesse vivo.
A propósito da palavra “vaidade”, a deputada do PCP refere que um cargo deve ser um cargo de representação de forças e de desejos. “Se a maior parte dos 230 deputados vivessem com alguém que recebesse o salário mínimo não teriam dúvidas em aumentar o salário mínimo, porque com ele simplesmente não dá para sobreviver”, afirma.
Concluindo com uma mensagem para os portugueses, Alma Rivera garante que é possível os cidadãos terem uma vida melhor. A deputada do PCP afirma que a inevitabilidade de questões como os cortes não existem, até porque, e dando um exemplo em concreto, “até 2015 era inevitável uma política de austeridade”. Por isso, considera que a união faz, de facto, a força.
Artigo escrito por Ana Filipa Duarte, colaboradora do projeto Os 230.