Entrevista. Ana Pinto Coelho: “É através da cultura que acreditamos que a promoção da saúde mental deve ser feita”
Este foi o ano em que o Festival Mental registou mais submissões e, também, filmes provindos de mais países. Para Ana Pinto Coelho, directora do festival, é sempre “importante ter esta internacionalização mais forte“, até pelo facto da mostra estar envolvida “em vários projetos internacionais com a União Europeia“, avisa. O festival já está, há sete anos, “a partir pedra, literalmente, para que isto seja feito“, avisa a directora. Acredita que é através da cultura “que a promoção da saúde mental deve ser feita” e é esse o espaço que o festival ocupa, o lado da prevenção e o aumento da literacia, escapando ao lado demasiado tecnicista e institucional que pode funcionar como um entrave para se passar a mensagem da prevenção. Este ano, os temas em destaque centram-se nas demências através da análise do filme O Pai, a primeira vez que um tema vai ser repetido; na saúde mental e trabalho, através da análise do filme Mais uma rodada e, também, saúde mental e desporto através do filme Girl, assim como a Inteligência Artificial.
Ana Pinto Coelho reafirma: “É aquilo que pretendemos que a nossa mostra seja, uma mostra de cinema profissional.” Para isso não se descura a qualidade do filme como um todo, para corresponder à exigência de passar no “São Jorge” e de outros auditórios do país. Essa exigência vai desde “o não haver erros ou falhas em termos científicos” até à qualidade do argumento, imagem, som ou interpretação. Foi o que a organizadora referiu em entrevista à Comunidade Cultura e Arte. O festival inicia dia 12 de Maio e segue até dia 26 de Maio. Pode consultar a programação aqui.
Os principais temas em foco, nesta edição do Festival Mental são as demências, Saúde Mental e trabalho e Saúde Mental e Desporto. Porquê o foco, nesta edição, destes temas em específico?
Sim, os temas deste ano vão ser Saúde Mental no Desporto, Saúde Mental no Trabalho e Demências, na parte das M Talks e dos filmes temáticos. A escolha destes temas é sempre um bocado aleatória, ou seja, é, geralmente, mais focada naquilo que sentimos ser mais necessário, em cada edição, estar na ordem do dia: os temas que são necessários trabalhar, falar, e para os quais se torna necessário aumentar a literacia das pessoas.
Nesse sentido, é a primeira vez que estamos, efectivamente, a repetir um tema no Festival Mental — nunca tínhamos feito antes. Estamos a repetir as demências, exactamente, porque parece ser um dos sectores dentro da Saúde Mental que não tem tido um upgrade. Ou seja, no sentido em que as coisas têm estado, talvez, até a piorar um passinho e, portanto, achámos bom voltar a olhar para esta problemática, tanto do ponto de vista da doença em si mas, também, do ponto de vista dos cuidadores e das famílias. Tem sido, realmente, um problema e é um flagelo que está a afectar, mesmo, muita gente, tanto da parte dos doentes como dos cuidadores.
Quanto ao resto — a Saúde Mental no Trabalho — segue na continuidade de não falarmos do Burnout, mas falarmos de saúde e de alguns problemas que podem acontecer no trabalho, à parte disso. O filme que, depois, vai estar subjacente a este tema vai ser o filme Druk [Mais uma rodada, de Thomas Vinterberg] e, no filme, focam-se alguns escapes para alguns desses problemas respeitantes ao cansaço no trabalho como o alcoolismo, de certa maneira ou, pelo menos, o aumento do consumo de álcool durante o trabalho. Há aqui, portanto, uma discussão que penso que pode ser muito mais interessante e abrangente sobre como um comportamento pode substituir, eventualmente, um maior cansaço ou um maior problema no trabalho. Vamos ver o que é que o nosso painel nos vai falar. Quanto ao desporto, é um tema que, há muito tempo, gostaria de trazer para o Mental.
Este foi o ano, simplesmente, porque o desporto tem sempre duas perspectivas: do ponto de vista da saúde mental e pode ser, também, doença mental. O desporto pode ser e é uma coisa saudável, por natureza, pelo menos assim é entendido de uma forma geral, mas é, também, um comportamento aditivo, se formos por aí. Trabalho na área das adições e, portanto, não tem a ver só com a alta competição ou atletas de alta competição. Vamos ter no nosso painel a Mariana Martins, da patinagem artística, e vamos ter o Nuno Gomes, do futebol, um campeão. Vamos ter, portanto, aqui duas pessoas que nos podem falar em termos de alta da competição, como é que isto tudo funciona mas, também, o psiquiatra Rui Correia que é capaz, junto com o psicólogo Pedro Almeida, de explicar às pessoas como é que o desporto pode ser um comportamento aditivo e aí, de facto, o desporto não é saudável.
Voltando à questão das demências que abordou na sua resposta, há dois problemas em perspectiva: o facto de Portugal ser dos países da OCDE com mais casos de demência e, também, a falta de uma resposta adequada. Neste sentido, qual será o foco do Festival Mental, tendo em conta estes problemas?
Portugal tem, sim, um elevado número de demências mas, onde há estatísticas, temos esse conhecimento e, obviamente, quando a população está mais envelhecida é mais propícia a esses casos. Como estava a dizer há bocado, vamos falar a partir dessa perspectiva: falar da perspectiva das famílias, da falta de resposta, sim, mas como estamos no Festival Mental, obviamente que a parte do filme é muito importante. O filme que vai ser exibido, o The Father [O Pai], para a temática das demências, vai trazer esta questão do início da doença, quando a pessoa não consegue, ainda, admitir que precisa de ajuda e as dificuldades inerentes. Vai-se focar esta fase, portanto, esta fase primária da doença e de tudo o que a envolve, em termos de saúde psicológica, para todas as pessoas que estão envolvidas.
Quanto ao desporto focou que, também, pode ter esse lado da adição, embora seja percepcionado como saudável. O desporto pode estar ligado ao desejo máximo de perfeição, à extenuação e ao lado menos saudável da competição, também. O filme que o festival escolheu, o Girl, de Lukas Dhont, aborda o outro lado, o lado do desporto feminino e a questão trans. Sendo o desporto considerado pela sociedade saudável [e é saudável], acha que ainda faltam abordar todas estas questões de forma mais clara?
Este debate vai ser moderado pela jornalista Paula Cardoso. Vamos ver por onde ela pega, se bem que, obviamente, a questão do género e do transgénero, aqui, é para ser focado, senão não teríamos escolhido o Girl. É um foco importante no festival também e ela, obviamente, que irá falar sobre isso, não só porque está na ordem do dia, está, mas porque há este sofrimento inerente a quem está a mudar de género e que, de facto, quer ser incluído dentro daquilo que ele realmente sente que é. Sabemos o que aconteceu nos Jogos Olímpicos, não permitem que haja essa integração e, de facto, é uma questão pela qual estou curiosa, eu própria, para ver como o painel vai falar sobre isto.
A questão trans é, no entanto, um tema que já queríamos, há muito tempo, falar no Festival Mental, daí este filme e daí começarmos pelo desporto, para fazer a ponte para a questão. Numa outra edição, eventualmente, iremos estar mais focados nesta questão porque, só por si, pelo sofrimento psicológico que ela traz consigo, é mesmo importante que seja falada e, claro, falada por quem lá está, por quem vive, por quem passa por isso. Nesta edição, será ainda através do desporto — porque, de facto, o filme combina de forma absolutamente brilhante estas duas situações, tanto a alta competição como o transgénero — que se abordará o cansaço e, claro, o conflito interno que há, para se conseguir fazer tudo aquilo que é espectável que a pessoa faça.
É um filme muito poderoso que aconselho a toda a gente mas, de preferência, que vejam depois de ouvir a M Talk para podermos ir mais elucidados sobre toda problemática, toda a situação e todo o problema mas, também, com o foco na solução, ou seja, como é que isto, efectivamente, se poderá resolver no futuro.
Vamos ter dois tipos de atletas de alta competição: uma atleta que trabalha em isolado, portanto, estamos a falar da patinagem artística que é um desporto individual e, por outro lado, vamos ter o Nuno Gomes que nos vai falar da parte do colectivo. No fundo, como é que é estar, exactamente, na mesma situação, mas num desporto que é de grupo, colectivo. Temos, exactamente, os dois tipos de experiência enquanto atletas de alta competição.
No dia 12 de Maio vão iniciar com a Tertúlia Literária que vai contar com os autores dos livros editados pelo Mental — João Gata, Martina Frattura, Paulo Vieira de Castro e Rita Tormenta — e vão destacar a literatura infanto-juvenil através da obra de Mariana Duarte Mangas como, também, através da editora “Curar com Livros”, de Alexandra Malugas. Trata-se de um foco interessante, uma vez que nem sempre é fácil ou podem surgir sempre dúvidas na forma como se aborda a saúde mental com o público infantil.
Costumamos, todos os anos, editar um livro. Então, este ano, decidimos não editar nenhum livro com a chancela do Mental e, antes, fazer uma tertúlia literária com todos os autores que já foram editados pelo Festival Mental. Teremos, portanto, os quatro autores juntos, em tertúlia, a falar como foi esta experiência de fazer um livro didáctico sobre saúde mental, no caso de Portugal. Achei que fazia falta porque recebemos, durante o ano inteiro, muita coisa de literatura desde poesia, livros infantis, editoras, contos e prosa normal. Recebemos muitos trabalhos mas, realmente, como fazemos nós próprios, normalmente, o convite para um escritor, autor, quando fazemos a edição geralmente o que fazemos é ler tudo aquilo que temos e vamos seleccionando aquilo que faz mais sentido ou que possa entrar numa eventual edição do Festival Mental.
Foi o que aconteceu este ano, já que vamos reunir e fazer uma tertúlia com os nossos autores. Acho que devemos dar palco, neste caso, a uma autora e uma editora de livros infanto-juvenis, porque é aquilo que, ainda, não fizemos enquanto editores do Festival Mental. Nunca editámos, ainda, nada do infanto-juvenil, daí o convite ter sido feito a estas duas pessoas, uma como autora, outra como editora, para poderem apresentar, uma o seu livro e, outra, a sua editora. Assim, poderemos juntar a nossa tertúlia e o infanto-juvenil com os outros livros do Festiva Mental. Quanto à pergunta específica que me está a fazer, se falta alguma coisa, acho que não falta nada. Por aquilo que temos e por aquilo que tenho recebido, temos projectos e livros muito bem-feitos, muito bem-feitos mesmo, com belíssimas ilustrações e com edições muito boas como este, por exemplo, que vamos mostrar da Mariana Duarte Mangas. O que acontece é que há muito pouca divulgação deles, portanto, daí estarmos obrigados, mas com muito gosto, a dar palco e o máximo possível de relevância a estes trabalhos que são tão bem feitos. Acho que é a obrigação do Festival Mental, com todo o bom trabalho que tem sido feito na literatura.
Mas a Saúde Mental até tem tido bastante destaque, actualmente, na comunicação social. Porque é que acha que, então, haverá pouca divulgação destes autores?
Geralmente, quando fazemos o ponto com a cultura, aí é que, entre aspas, a porca torce o rabo. Como misturamos conteúdo e estamos a falar de promoção da saúde mental e prevenção da doença, a comunicação social já não quer saber. Como disse, isto, em princípio, seria um tema que estaria em alta e, em princípio, estaria em alta, também, a comunicação do Festival Mental e a recepção por parte da comunicação social. Tal não está a acontecer, porquê? Porque fazemos a ponte com a cultura. Não interessa, portanto. O nosso foco está para ali porque promoção é prevenção, mas não é isso que está na ordem do dia, é o tema em si porque, agora, virou moda por algum motivo. Vai deixar de estar em algum momento.
E nós como continuamos, sempre, com o mesmo percurso, estamos aqui há sete anos a falar disto e havemos de continuar, se tudo correr bem, pelo menos pela nossa vontade. Já cá estamos há muito tempo, não estamos cá desde a pandemia nem desde ontem. Quanto a nós, portanto, não é agora que estamos a falar de saúde mental: estamos há sete anos a partir pedra, literalmente, para que isto seja feito. A comunicação social decidiu que agora, sim, vamos falar sobre saúde mental, como depois, daqui a um tempo, podem dizer, afinal, já que não. Solidamente, vamos continuando, fazendo sempre a ponte, porque é através da cultura que acreditamos que a promoção da Saúde Mental e a consequente prevenção da doença pode e deve ser feita, quando estamos a trabalhar para o grande público, quando estamos a falar da saúde e não da doença, quando estamos a querer criar literacia junto dos pequeninos, junto dos jovens, junto dos mais velhos, muito mais velhos, com toda a população, com programação própria para isso. Aí, por algum motivo, já não interessa à comunicação social. Fica a dúvida.
O Festival Mental alia a cultura, a manifestação artística e a arte. Há, também, o caso do filme português Borderline que reflecte a abordagem experimental íntima por parte da realizadora Leonor Rocha Oliveira, por exemplo. A cultura pode ser um vínculo, um aliado para a saúde mental. Ou de que forma precepciona esta ligação?
Há, obviamente, pessoas com doença mental que, depois, quando estão a ser ajudadas pela sua equipa clínica utilizam variadíssimas ferramentas artísticas como a dança, o coro, a música, o teatro, as artes plásticas, dinamizações ou animações, seja o que for. Há um número de coisas que podem ser feitas como tratamento terapêutico, ou seja, arte no sentido de ser terapêutica para ajudar a doença mental. O lado do Festival Mental não é, no entanto, trabalhar a doença é, antes, trabalhar a saúde, a promoção, a prevenção e a literacia. Nesse sentido, claro que sim, a cultura é, para nós, a plataforma mais importante para fazer esta promoção, claramente.
Para já, escolhemos sempre espaços, e é assim que deve ser, completamente normais, no sentido mesmo da palavra. Espaços onde acontecem outras manifestações culturais, onde há criações culturais durante todo o ano com outras coisas, com outros festivais, com outros filmes, com outros teatros, outras danças, música e concertos. A escolha dos espaços, para já, é fundamental que funcione como um reflexo dos sítios onde as pessoas geralmente já vão para ter informação de manifestações culturais e aí, portanto, temos sempre toda a nossa programação feita em espaços assim, onde as pessoas geralmente já vão. Nunca iríamos para sítios mais institucionais ou ligados à saúde mental porque perderia, completamente, o sentido.
Depois, a escolha de toda esta programação das temáticas e dos filmes, não é só o caso do Borderline, mas todos os filmes são escolhidos de acordo com a sua qualidade. Ou seja, todos eles têm a temática de saúde mental e são abordados das mais diversas formas, portanto, aí sim, é a expressão e a criatividade artística, mas não quer dizer, necessariamente, pelo contrário, que todos os filmes sejam realizados por pessoas com doença mental.
Em relação a tudo isto, se acreditamos que a cultura é plataforma, é exactamente por isso, porque é a maior manifestação, em termos de criatividade. Uma pessoa pode expressar as suas emoções de forma a poder comunicá-las a quem recebe essas emoções, também. Estamos a falar aqui, mais do que um emissor, de um receptor. Não deixa de ser, também, ao mesmo tempo, o contrário porque o artista, quando está a manifestar-se, está a dar de si, está a mostrar. Quem está a receber vai escolher, depois, a arte, o espectáculo que mais lhe agrada ver: seja o cinema, a dança, o teatro, seja a conversa e a música, dependendo, portanto, das expressões artísticas. Temos, depois, a parte, obviamente, mais de conversa, para troca de ideias e para uma literacia, de facto, mais específica das temáticas que são tratadas: o M Debate, por exemplo, que trata sempre, exclusivamente, saúde digital e que, este ano, vai falar de saúde digital e inteligência artificial.
É, também, outra aposta sempre muito forte do Festival Mental porque a saúde digital está, todos os anos, sempre presente no festival. De uma forma ou de outra, todos nós, nos tempos que correm e com a rapidez com que temos de andar, estamos sempre ligados ao digital seja no trabalho, seja no lazer, seja no que for. Por essa razão, é muito importante falarmos, todos os anos, sobre este tema e, mesmo assim, não chega para o todo que é a saúde digital e como a saúde mental é afectada. Este debate até é livre e gratuito, toda a gente pode ir e é no São Jorge, também.
É livre para que as pessoas possam fazer perguntas e debater. Podem intervir e há, até, um advogado para falar da própria privacidade ou da falta dela, em relação a todos os conteúdos que existem na internet, e a forma, também, como isso prejudica a saúde mental de cada um de nós. Este ano, especificamente, vamos falar da inteligência artificial e vai haver, até, uma pequena surpresa na abertura, mas isso eu não vou dizer.
Estava a pensar, aqui, em cultura como forma de comunicação, ou seja, como poderá funcionar, da melhor forma, para a passar a mensagem da prevenção da doença mental aos espectadores, sem ser, apenas, através de literacia médica ou institucionalizada, que pode ter a tendência de ser um pouco hermética ou fechada em si mesma.
Tanto a programação como o espaço onde esta tem lugar são pensados, exactamente, para que isso não aconteça. Até a minucia do facto das M talks terem, sempre, um jornalista a moderar é, exatamente, para que não aconteça nada disso, para que nenhuma das pessoas que são convidadas para a conversa incorram na tendência de um maior purismo técnico. São convidados que ali estão e o jornalista é, exatamente, para fazer essa ponte, caso comecem a ser demasiado académicos.
O fato de termos sempre jornalistas é para garantir que o discurso seja acessível para as pessoas, de forma a que a literacia seja garantida e, claro, fazer a ponte com o filme. Estamos a falar destes temas no Festival Mental mas, sempre, com o filme como base para a conversa. E, claro está, conversa, essa, moderada por jornalistas para não se tornar nem cansativo, nem formal. Mas informativo, à mesma, e com a salvaguarda da credibilidade da informação do que é debatido.
A Inteligência Artificial está bastante na ordem do dia, não só pelo chat gpt mas, também, pela forma como já nem sabemos ou não se determinada informação ou imagem é verídica. É também por isto que decidiram discutir o tema este ano?
Vamos abordar, neste momento, a Inteligência Artificial para colocar, um pouco, o dedo na ferida. Sinto que as pessoas, de uma maneira geral, estão muito assustadas com isto e, de certa forma, é para estar, mas o objectivo deste painel é tentar esclarecer e, tal, significa explicar o que é que realmente pode ser assustador, porque o mundo está a mudar e vai mudar muito rapidamente, mas também de que forma podemos ver isto de forma construtiva. Como é que isto pode ser, também, uma ferramenta, um apoio e uma coisa até saudável, se nós conseguirmos tirar partido da Inteligência Artificial. Todos estes esclarecimentos vão ser feitos por um painel de gente que sabe bem do que está a falar aqui.
Vão estar presentes o José Maria Alves Pereira, que é advogado e pode falar da parte dos direitos do autor e do direito à privacidade, porque agora até podemos, só por exemplo, adulterar ou usurpar a fotografia de alguém, fazer qualquer coisa e, de repente, pôr online, de forma a que cause dano a essa mesma pessoa. Como é que no meio disto tudo a sociedade se vai poder defender e o cidadão, o civil, o que pode ou não fazer? Há muito para discutir neste painel e, também, vão estar o João Vitória e a psicóloga clínica Teresa Santos, que está bastante por dentro disto e, obviamente, o João Gata que é, justamente, o coordenador do M Debate.
Ele próprio tem um projecto sobre Inteligência Artificial que se chama Utopia, portanto, sim, há aqui muita gente que sabe e, claro, vamos ver se o público também quer saber e vai para o São Jorge, nessa noite, fazer perguntas para discutirmos um bocado sobre isto tudo.
Além dos problemas já apontados, há sempre a descaraterização do que significa ser-se humano. Uma máquina pode escrever um poema ou a letra de uma canção. Como olha para esta questão?
No meu ponto de vista, vamos ter de começar a lidar com isso. Estamos mesmo no princípio e isto vai-se desenvolver extremamente rápido. Nós temos que, simplesmente, estar preparados e lidar com o futuro. Não há, portanto, muito a fazer, isto não é uma opção. Neste momento, não é uma questão se vai acontecer, está aqui, o futuro é agora e, portanto, a única coisa que podemos fazer é ver como é que nós, individualmente, podemos aprender a lidar com isto. Não vamos ter tempo, sequer, isto já está a acontecer e, agora, temos que ir aprendendo, cada um com o seu ritmo, a andar nisto. Não vale a pena andar com falsas questões, o melhor é aceitar e lidar da melhor forma possível.
Quanto à secção de cinema, este foi o ano com mais submissões, e até com mais participação de outros países. O que destaca?
O júri, os nossos seleccionadores que são os melhores selecionadores do mundo, para mim, vêm centenas de filmes e, depois, escolhem as horas que têm que programar para o São Jorge, para três dias, 90 minutos por dia, de mostra, e tira o melhor dos melhores, destas centenas de filmes que recebemos todos os anos. Este ano foi o melhor de todos, foi o ano em que recebemos mais filmes.
Portanto, eu não ia destacar nenhum, excepto o vencedor, porque o vencedor é vencedor por algum motivo. Posso dizer é que, em termos globais, além da quantidade, a qualidade dos filmes que chegaram, este ano, foi também muito maior, tal como a quantidade de países que participaram. Ao todo, foram mais de 40 países a participar, muitos deles com mais do que um filme. É relevante para o Festival Mental, até porque estamos envolvidos em vários projetos internacionais com a União Europeia e, portanto, esta parte da internacionalização do próprio Festival Mental, não só através dos filmes e da parte do M Cinema, mas também, depois, pela nossa posição como parceiros em organizações da União Europeia, que abordam festivais de Saúde Mental, é sempre muito importante ter esta parte da internacionalização cada vez mais forte. Realço, portanto, o Dias de Ausência, o filme que venceu a mostra este ano.
Quanto a filmes nacionais só há a participação de um, o Borderline. Porquê a escolha de um só?
Só há um filme nacional, apesar de ter havido a participação de vários. Temos psicólogos na nossa equipa de seleccionadores e preocupamo-nos, também, com o não haver erros ou falhas em termos científicos, isso é importante. Mas não nos podemos esquecer que estamos numa sala grande e importante de cinema e, por isso, queremos levar ao público o melhor da arte. Isso abarca tudo o que tenha a ver com o próprio filme em si. Falo da qualidade de imagem, de som, de argumento e de interpretação, ou seja, tudo o que tenha a ver com cinema, especificamente, e cinema profissional. É aquilo que pretendemos que a nossa mostra seja, uma mostra de cinema profissional.
Infelizmente, de Portugal, não nos têm chegado filmes com este nível de qualidade que é necessária e que, claro, exigimos que tenha de estar dentro de uma sala de cinema maravilhosa como é o São Jorge, e depois país fora, em outros auditórios onde apresentamos, também, mostras de cinema. Vamos estar, por exemplo, já em Leiria, com uma mostra do M Cinema, e depois tudo isto será o nosso itinerante. Por essa razão, é mesmo muito importante a qualidade, acima de tudo, e é justamente isso que estes seleccionadores preservam e escolhem: o melhor cinema para o nosso melhor público.