Entrevista. Bernardo Limas: ‘Queremos tornar as Comedy Sessions o mais acessíveis possível a todos os quadrantes da sociedade’
Bernardo Limas nasceu em Aveiro, tem 25 anos, é licenciado em Ciências da Comunicação e trabalha em comunicação e produção cultural. O jovem Aveirense é também um dos responsáveis pela criação das Comedy Sessions, já fez várias colaborações com o GrETUA e com a Covil, colabora com a Bunch of Productions e também agencia duas bandas.
Como é que um jovem de 25 anos, que tirou Ciências da Comunicação, decide ser um promotor de eventos de comédia?
Não só de comédia. Também faço alguns eventos de música. Mas é verdade: a comédia é a arte com a qual trabalho mais. E foi por acaso. Há dois/três anos percebia muito pouco de stand-up. Na altura, o Ricardo Matos Soares, produtor da Bunch of Productions (na altura, Cultura à Margem) contactou-me para saber se estava interessado em produzir um evento do Carlos Coutinho Vilhena, para ele testar o primeiro solo de comédia que ia apresentar. Eu não fazia a mínima ideia quem era o Carlos Coutinho Vilhena – sempre fui muito averso aos fenómenos da internet – mas decidi ir espreitar o trabalho dele no youtube e gostei. Era humor da minha geração: sátira aos Morangos com Açúcar, a relações escolares, etc. A juntar a isto, como o Carlos precisava de uma data para testar o material, o cachet era muito convidativo e disse para mim “porque não?”. Para grande espanto meu o Barba Rija (agora Boémia Bar) esgotou por completo para ver o Carlos. 150 pessoas! Os donos tiveram que fechar a casa porque não cabia mais ninguém: a sala a abarrotar, pessoas sentadas nas escadas, tivemos que mandar o som para a sala de cima porque havia pessoas que não se importavam só de ouvir… enfim, foi uma loucura! Aí fez-se um clique: este tipo de espectáculos têm futuro.
Primeiro desenhei um conceito que viria a ser a base das Comedy Sessions: o Aveiro Comedy Club. Depois de um ano de ACC (Aveiro Comedy Club), achámos (eu e o Ricardo) que o conceito idealizado tinha potencial para ir mais longe e criámos as Comedy Sessions.
Já a mudança das Ciências da Comunicação para a Produção Cultural foi feita com alguma naturalidade, porque a comunicação é uma das bases essenciais para a produção de eventos. O resto foi-me dado pelos vários trabalhos que fiz ao longo do percurso.
Portanto, mesmo achando que este tipo de espectáculos têm futuro não tiveste medo de arriscar pela temática ou até por causa da crise económica que atravessámos todos?
A cultura é tramada… em tempos de crise económica é sempre a primeira a cair. E depois é muito inconstante: num mês podemos fazer muito dinheiro, noutro podemos estar a perder dinheiro. Não tive muito medo de arriscar porque estávamos salvaguardados por várias questões: a negociação que fazemos com os artistas; os indicadores que o espectáculo do Carlos em Aveiro nos deram (forte adesão do público); o crescimento do stand-up como forma de expressão artística; e o gap do mercado neste conceito de comedy club, com artistas conhecidos do público. Nós não inventámos a roda porque há muitos espectáculos neste formato em Portugal. Desenhámos, antes, um conceito que agrada ao público e aos artistas mais conhecidos. Ter os grandes artistas do meio a trabalhar em comedy clubs é recorrente na América do Norte (como agora podemos ver pela Netflix) mas em Portugal isso não existia. O maior factor explicativo disso é a diferença de mercado que existe, já que o mercado norte-americano é gigante e o português ainda é muito pequenino – e mesmo a crescer nunca poderá chegar aos calcanhares do norte-americano.
Depois a crise económica e os potenciais problemas financeiros que pudéssemos vir a ter contornam-se com uma boa produção: arranjar parcerias para alojamentos, alimentação e deslocação. Em primeira mão, posso anunciar que o Meliá Ria, em Aveiro, um dos melhores hotéis da cidade, aceitou ser parceiro das Comedy Sessions. Ou seja, numa boa lógica financeira: minimizar os custos (salvaguardando que todas as partes saem sempre a ganhar, uma vez que queremos que as parcerias sejam frutíferas para todos) para poder pagar aos artistas e à produção de forma condigna. Seria fácil aumentar o preço dos bilhetes mas não queremos isso. Queremos tornar os nossos espectáculos o mais acessível possível a todos os quadrantes da sociedade. Mas vamos ter sempre bilhete no nosso espectáculo, porque isso acaba por responsabilizar o público, respeitar o artista e por responsabilizar a produção, para dar o melhor espectáculo possível ao público.
Já trabalhaste com alguns nomes importantes da comédia nacional, como é o caso do Salvador Martinha, e que até enchem coliseus. Como é que se chega a um nome destes e se convence o artista a vir a Aveiro?
É preciso “namorar” um bocadinho o artista… no fundo, conseguimos trabalhar com o Salvador por dois grandes motivos: um bom trabalho de comunicação nas nossas plataformas de divulgação e um enorme trabalho de produção. Quando falamos em comunicação falamos de imagem adequada à imagem dos artistas, não podemos, em momento nenhum, ferir a reputação que eles alcançaram com o trabalho deles. O trabalho de produção vai desde a escolha das salas até aos mimos que damos aos artistas.
No caso de Aveiro, o Salvador Martinha actuou no Cais À Porta, um local altamente improvável para um espectáculo cultural. O Cais À Porta é aquilo a que hoje em dia se chama concept store. Vende muita coisa desde roupa a vinhos, passando por cadernos, candeeiros, etc. Vende única e exclusivamente produtos de autor, de artistas, designers e produtores portugueses. Eu pedi ao Salvador que confiasse em mim, que não o ia desiludir. Ele quando chegou, embora não o tenha dito com todas as letras, ficou chateado porque o estava a levar para uma loja. Mas mal o horário de funcionamento normal da loja terminou comecei a montar tudo: palco, cenário, som, luzes, plateia, bilheteira… as coisas normais. No final da primeira noite de espectáculos ele chegou-se ao pé de mim e disse que era preciso uma visão enorme para ter feito o evento naquele espaço e que tinha sido das melhores coisas que já tinha feito porque, para ele, estava tudo perfeito. A juntar a isto, tivemos o trabalho de backstage, onde o mimámos muito: criámos um lounge, num camarim improvisado, com sofás, comida e bebida, para o deixar o mais confortável possível. E assim foi! Ele gostou tanto, superou tanto as expectativas dele, que fez questão que abríssemos uma quarta sessão para podermos fazer algum dinheiro extra, com o evento. E esta quarta sessão só foi possível porque ele e o Carlos Coutinho Vilhena promoveram o evento nas redes sociais deles (coisa que com a maioria dos artistas não pode acontecer, a promoção dos eventos tem que ficar toda do nosso lado, para que eles não gastem a imagem deles). Isso deixou-me muito feliz e orgulhoso do trabalho.
Chegámos a estes nomes porque mostrámos aos artistas que a nossa preocupação e empenho para as Comedy Sessions é tão grande quanto aquele que teríamos se estivéssemos num coliseu!
Mas agora falando de outros locais, para além de Aveiro. Também conseguiste chegar a outras cidades com as Comedy Sessions, como é que isso surgiu?
As Comedy Sessions vieram substituir o Aveiro Comedy Club precisamente para o que o conceito ganhasse uma dimensão nacional. Em Aveiro estava a correr bem, porque não tentar outras cidades? Entrámos em Braga e Guimarães, cidades eminentemente culturais. Lá, tenho um produtor local, o Tiago Aprígio, que já conhecia o mundo do stand-up de outras paragens. Está a ser um processo mais moroso, porque ainda estamos a conquistar o público. Mas, depois de quatro espectáculos em cada cidade, as coisas já estão a ganhar um ritmo próprio e temos conseguido construir o nosso público.
Para este mês de Janeiro e para arrancar bem 2018, entrámos no Salão Brazil, em Coimbra. Uma sala que já andava a “namorar” há imenso tempo. Se tivéssemos um Salão Brazil por cidade era o ideal para as Comedy Sessions: tem condições técnicas, condições logísticas, serviço de bar, lugares sentados, público… Para este conceito é a sala de eleição. A produtora local em Coimbra é a Maria João Sá, que depois de muito batalhar conseguiu entrar na cidade natal dela para produzir o conceito. Andávamos há quatro meses à procura de uma sala em Coimbra e o José Miguel, programador do Salão Brazil, foi inexcedível. Adorou a nossa proposta e aceitou receber as Comedy Sessions.
Lisboa recebe também as Comedy Sessions, no Teatro A Barraca, com a Bunch of Productions a assumir os comandos. Num prazo de dois/três meses devemos entrar em Viseu e Leiria e vamos deixar a ganhar notoriedade nestas cidades. Já temos muitas ideias para a marca mas cada coisa a seu tempo. Queremos atingir a marca das sete cidades e depois trabalhá-las bem para atingirmos outros voos.
Voltando a Aveiro, achas que a cidade está de facto a modificar-se? Achas que aquela coisa de que “em aveiro não se passa nada” está mesmo a mudar?
Isso do “não se passa nada” já passou completamente de moda, em Aveiro (risos). Evidentemente, não falo só pelas Comedy Sessions. As forças vivas de Aveiro, colectivas ou individuais, são de uma força gigante. Até há três anos a cidade realmente tinha muito pouca oferta. Mas emergiu e começa a ter coisas para quase todos os gostos, quase todas as semanas. O GrETUA está a assumir um papel de excelência na programação cultural alternativa; o Mercado Negro pela mão da Covil e do blogue A Certeza da Música voltou a ter programação regular; o Teatro Aveirense voltou a assumir o papel que nunca deveria ter perdido; as escolas de música, nomeadamente a Palco Central, têm proporcionado óptimos momentos de fruição cultural; a Start-Teatro nunca perdeu o fôlego e lutou sempre com as armas que tinha; a cidade e a universidade começam a unir forças, muito por culpa do enorme trabalho do José Carlos Mota; a VIC – Aveiro Arts House nasceu e ganhou um lugar bonito no panorama cultural…. Para a cidade conseguir chegar a um “ponto de rebuçado” precisava de uma sala como o Salão Brazil (em Coimbra) e um café-concerto. O município precisava de se abrir um bocadinho mais também. Dar mais espaços à cidade para que a fruição cultural comande o desenvolvimento social e económico. A par disto, uma maior aposta na educação cultural formal e não formal dos cidadãos e dos jovens, para que a cultura se construa em comunidade.
Se te dessem a oportunidade de fazer a curadoria cultural na Câmara de Aveiro o que mudavas ou melhoravas?
A minha linha de pensamento e acção iria sempre primar pela construção cultural debaixo para cima. No fundo, deixar a comunidade programar. Os espaços da cidade têm que ser obrigatoriamente dos cidadãos. Num plano mais objectivo, no caso do teatro desafiava os encenadores aveirenses a produzirem uma peça por trimestre, sempre em regime de residência artística. O mesmo para as demais artes do espectáculo e para as artes plásticas. Depois tentava dar à cidade aqueles espaços de que falei na pergunta anterior, procurando albergá-los em diferentes zonas da cidade e em edifícios que estivessem ao abandono ou em risco de ruína. Apostava também na educação cultural, como já disse. E tentava desafiar ao consumo de jornais nos novos meios de comunicação e nos meios tradicionais, fazendo parcerias com várias empresas de média. Dar espaço para que todos se sintam confortáveis dentro daquilo que gostam ao mesmo tempo que experimentam coisas novas. Julgo que as políticas culturais devem primar sempre por alagar os horizontes. Aquilo que o ser humano tem de mais profundo é a sua capacidade de criar e a sua vontade para ser artista, em qualquer que seja a ocasião e em qualquer que seja o domínio.