Entrevista. Catarina Carvalho: “O jornalismo é dependente do poder económico, não é dependente do poder político”
Entrevista realizada por Ana Isabel Fernandes e Rui André Soares.
Foi em plena Rua Augusta que Catarina Carvalho, uma das jornalistas fundadoras da Mensagem de Lisboa, jornal online da capital que, de momento, celebra os seus dois anos de existência, recebeu a Comunidade Cultura e Arte para uma entrevista em que dissecou o estado do jornalismo e formas de financiamento, a imigração nos grandes polos urbanos em Portugal e, também, o tema quente da habitação. Na sua perspectiva, sem ser institucionalista, se o jornalismo tem um pendor social e todos lhe reconhecem esse pendor, porque não poderá existir um organismo público, com um montante claro e regras claras, para financiar o jornalismo?
O jornalismo para ser bom, para si, não tem de ser independente, pode pertencer a um grupo, o que, por um lado, até o pode ajudar a ser ainda mais “independente”, porque tem mais meios. Reconhece falhas nos jornais tradicionais mas, na sua opinião, mesmo quando o jornalismo tem falhas, é muito melhor do que não existir jornalismo nenhum, isto porque, na sua perspectiva, os jornalistas nunca “largam o osso” e é mentira a ideia generalizada de que “os jornalistas são todos uns vendidos”. Deixou bem claro, no entanto, que mais do que depender do poder político, o jornalismo depende é do poder económico e, nesse aspecto, abordou-se, também, a questão dos anunciantes e publicidade. Pode-se é questionar, por sua vez, se “o poder político é dependente do poder económico — aí é outra coisa”, revela.
Quanto à imigração, avisa que o maior problema, actualmente, é não se saber, por exemplo, “quantos imigrantes existem em Lisboa para alojar. Se não se sabe quantos imigrantes existem, não se podem resolver os problemas, nem se podemos quantificá-los”, declarou-nos na entrevista que se segue.
Rui André Soares [RAS] – Como surgiu a ideia de criar um órgão de comunicação local com projecção nacional?
Não sabíamos se teríamos projecção nacional, ainda hoje não sabemos. Isto surgiu de uma confluência de ideias entre, digamos, jornalistas — já vou explicar quais e como — e um empreendedor de Lisboa, o António Quaresma, todos com a mesma ideia. Eu, o Ferreira Fernandes, o António, o Tiago e o João Marecos somos os fundadores, com a mesma ideia, que era trazer jornalismo construtivo para a cidade de Lisboa. Havia uma certa ideia negativa sobre o que estava a acontecer na cidade e, o próprio jornalismo, — como toda a gente sabe, o efeito disso é um pouco evitar as notícias — estava a caminhar, também, no sentido daquilo que era negativo na cidade de Lisboa.
Foi esse o objectivo como, aliás, dizemos na nossa carta de princípios: criar jornalismo que traga inspiração, mostrando aquilo que está a acontecer em Lisboa e, sobretudo, o que as pessoas estão a fazer da cidade e na cidade. Foi essa a confluência entre um grupo de jornalistas e um grupo empreendedor que tinha a forma de começar isto e que, depois, comprou a Brasileira do Chiado e tomou conta da sua gestão, melhor dizendo, e que encontrou uma forma de dizer assim: “se calhar, está aqui uma maneira de reavivar um certo espírito da Brasileira que já foi um espírito de construção da cidade, também”. Aliás, havia um grupo de olisipógrafos que se reunia lá, Os Amigos de Lisboa, e era uma forma de reavivar esse espírito.
RAS – Uma das críticas que se faz à imprensa nacional é, justamente, o facto de já se centrar muito no Porto e em Lisboa devido ao problema de centralidade que Portugal tem. Posto isto, como é que é dirigir um jornal online de âmbito local em Lisboa? Qual o papel e qual o lugar que um jornal de âmbito local lisboeta deve ocupar, então?
Existia a ideia um pouco errada de que Lisboa estava demasiado coberta porque todos os jornais se centravam aqui, à excepção do JN, que é um jornal de âmbito nacional, mas que tem sede no Porto. De resto, todos os outros jornais portugueses estavam centrados em Lisboa e, a verdade, é que sim, estão, mas sempre cobrindo a cidade de um ponto de vista muito institucional. Ou seja, o que é que esses jornais faziam e continuam a fazer? Fazem as notícias de acordo com o que se passa na política, na economia, e com o que a política determina como sendo a agenda. Aquilo que nós pensámos foi contar as histórias da cidade esquecida, como agora se diz, de outras zonas da cidade, e lembrar que essa cidade esquecida pode ir desde a Rua Augusta até à Curraleira, porque as histórias da cidade — as histórias pequenas daquilo que as pessoas fazem, empreendedoras — não eram contadas e continuam a não ser. Acho, no entanto, que começam a ser mais contadas, ou seja, acho que há mais atenção agora do que havia quando começámos, em 2021.
Ana Isabel Fernandes [AIF] – As grandes áreas metropolitanas portuguesas estão a ter uma ligação muito estreita com a imigração de outros países, além dos PALOP. Como tentam enquadrar esta conjuntura no vosso jornal e dar-lhes o devido destaque? Foi uma preocupação, logo, na ideia inicial do jornal?
Curiosamente, não foi algo em que nós tivéssemos pensado, desde a primeira hora, como uma missão. O nosso objectivo sempre foi trazer as comunidades e os assuntos da cidade para o spotlight, para os média, para a agenda mediática. Quando começámos a fazer isso, inevitavelmente, essas comunidades que não são de origem portuguesa, que são de outras origens eram, já, parte integrante da cidade e das áreas metropolitanas de Lisboa: sobretudo, essas comunidades que não são de origem portuguesa, que são de outras origens e que muitas já se tornaram portuguesas. Não tínhamos, portanto, nenhum objectivo de nos tornarmos, nem somos, um jornal das minorias ou de qualquer outra coisa.
O que acontece é que se nós formos honestos connosco e com a cidade, reconhecemos que essas pessoas existem, marcam a cidade de forma muito forte e estão cá. Não podíamos ignorar isso e, de repente, percebemos a riqueza e a criatividade que existiam como, também, de certa forma, a quantidade de diferenças e de histórias diferentes para serem contadas. Eu e o Ferreira Fernandes, digamos que fomos os fundadores do lado jornalístico disto tudo, sempre tivemos — mesmo jornalisticamente falando — cada um na sua carreira, e cada um nas suas posições nos jornais, muito essa tendência de olhar para o outro e de trazer as pessoas que são diferentes para um projecto destes. Porquê? Porque também é mais interessante. Para falar do que as pessoas já conhecem já existem os outros todos e, portanto, é nessa diferença, no fundo, que, hoje em dia, se faz a nossa política editorial.
AIF – A nível de representatividade de novas comunidades, como a Catarina já fez parte, também, da imprensa nacional, acha que um jornal de cariz local pode exercer um papel mais preponderante nesse sentido? Terá mais flexibilidade para tal?
Acho que não e é uma grande falha dos jornais nacionais. Penso, sinceramente, que a responsabilidade dos jornais nacionais é, ou devia ser, olhar para toda a gente que está no país. O problema é que os jornais nacionais vivem muito numa bolha — a bolha da política, da economia — e estão cada vez mais fechados nessa bolha. Acho, portanto, que aí não há nenhuma diferença entre ser um jornal local ou um jornal nacional. Nós fazemos isso porque estamos mais próximos, sim, é mais fácil, mas há, também, todas as razões e mais algumas para eles, igualmente, fazerem isso. Não fazem porque não têm esse objectivo. Acho, infelizmente, que é por razões economicistas. Terá a ver com o público que se quer atingir e esse público é, no fundo, o público que os anunciantes querem que se atinja — acho que isso desvia um pouco a responsabilidade dos jornais. Depois lá calha, uma vez ou outra, como o António Araújo diz numa excelente crónica, no Diário de Notícias, existir uma excepção.
Quando, por exemplo, se fala da crise da habitação, já se fizeram imensas reportagens que trouxeram muitas comunidades dessas para o jornalismo, mas só se lembram de Santa Bárbara quando faz trovões, ou seja, nunca essas comunidades são olhadas, e estamos a falar de comunidades a nível geográfico, cultural e por aí em diante. Penso, também, que as classes sociais não estão representadas no jornalismo. Só estão, em grande parte, as classes médias, médias altas, que representam — como disse — a elite política e económica, como se o mundo fosse só isso, mas não é, o mundo é muito diverso.
Mesmo empreendedores pequenos, da cidade, que são de classe média e que fazem coisas interessantes, essas pessoas individuais não estão muito presentes nos jornais. Para se ser uma personalidade é quase preciso fazer parte de um partido ou de uma organização, ou de qualquer coisa assim do género. Não há muita individualidade, não há muitas histórias individuais nos jornais, e isso não é por ser um jornal local nem nacional, acho que é um problema do jornalismo português.
RAS – A Mensagem tem uma série documental dedicada à crise habitacional em Lisboa e tem, também, outras reportagens sobre o assunto como, por exemplo, esta,”Imigrantes: SEF atrasa casas e nascem novas barracas na cidade”. Como jornalista e directora do Mensagem que coordena estes temas, como é que olha para a relação entre habitação e imigração em Portugal e Lisboa?
Não há nenhuma diferença entre a relação da habitação com a imigração e, por outro lado, a relação da habitação com a migração interna, por exemplo — que é o caso aqui na nossa equipa — e, até, as pessoas que precisam das migrações, que precisam de sair de casa dos pais e ter a sua vida autónoma, ou, também, as pessoas que precisam de mudar de sítio, ou as pessoas que precisam mudar de casa porque as famílias aumentaram. Há, portanto, uma crise brutal. Quando começamos a ver os jornais da época, percebe-se que já de há muito que se fala dela [desta crise habitacional], e já se estava a avisar que isto ia acontecer. Isto é super complexo e tem imensas condicionantes. Não se pode dizer assim: “já está aqui, vamos resolver”.
Há imensas condicionantes. No debate que moderei, há dias [a entrevista foi realizada dia 28 de Fevereiro] com a Filipa Roseta, que é vereadora da habitação, ela disse-me que não se sabe quantos imigrantes existem em Lisboa para alojar. Se não se sabe quantos imigrantes existem, não se podem resolver os problemas, nem se podemos quantificá-los. Por outro lado, é interessante olharmos para a questão da imigração e da habitação, há 30 anos: as pessoas construíam bairros de barracas. Esses bairros deixaram de existir por causa do Programa Especial de Realojamento (PER) que faz, exactamente, 30 anos. Hoje em dia, as pessoas não fazem barracas, mas vivem em situações tão complexas como as que viviam nessas barracas.
Porque há 30 anos, até com os imigrantes que começaram a vir com a independência das ex-colónias, o que é que as pessoas fizeram? Vinham para Lisboa, não tinham soluções de habitação e construíam a sua própria habitação, seja em barracas de madeira, seja em cimento e alvenaria, ou seja, aquilo que se chama autoconstrução. Mas essa hipótese, hoje em dia, é muito demorada, implica um determinado saber fazer e estamos a falar de pessoas que vêm de muito mais longe, não estamos a falar dos imigrantes dos PALOP que sabiam falar português. Estamos a falar de pessoas que não sabem falar português, muitos nem sequer inglês sabem falar, vêm de muito mais longe e, portanto, não têm aquela habilidade de construir barracas, então vivem nestas situações deploráveis que são mais fáceis do que construir uma barraca e são mais baratas.
“As pessoas que imigram fazem-no porque precisam de uma vida melhor. Há certas facções da sociedade que são contra a imigração, colocam uma certa diabolização nos imigrantes, por causa da criminalidade e outras razões semelhantes. Há muita pouca criminalidade entre os imigrantes, é uma coisa que predomina em todos os países.”
Catarina Carvalho, uma das jornalistas fundadoras da Mensagem de Lisboa.
RAS – Torna-se mais rápido, também.
Exactamente! Chegam, têm ali uma cama para dormir, basicamente, e não têm mais nada. É muito complexo porque toda a gente, em Lisboa, usufrui do trabalho desta imigração.
RAS – Foram uma das linhas da frente da pandemia e ninguém falou disso.
Ninguém falou, exactamente. Esse texto do António [Araújo] volto a ele porque é mesmo muito importante — também fala disso. Este fim-de-semana mandei vir duas coisas do uber eats, em momentos diferentes e, quando olho para aquelas pessoas, penso: “O que está por trás dessa vida? Onde é que esta pessoa mora? A que horas se levantou? Como é que conseguiu esta mota para chegar aqui? Quanto pagou pela carta?”
RAS – Esse é que é o trabalho do jornalista.
Não pode ser surpresa para ninguém a situação em que estas pessoas vivem. Quando ouvimos dizer, “ai, porque morreram não sei quantas pessoas”, sim, mas então, andávamos todos cegos? É óbvio! Hoje em dia, não há números, não há dados, não há qualquer controle. Uma coisa que é muito óbvia nas pessoas que vêm é o seguinte: nunca há imigração quando não há emprego. As pessoas que imigram fazem-no porque precisam de uma vida melhor. Há certas facções da sociedade que são contra a imigração, colocam uma certa diabolização nos imigrantes, por causa da criminalidade e outras razões semelhantes. Há muita pouca criminalidade entre os imigrantes, é uma coisa que predomina em todos os países.
RAS – Tal como os nossos próprios emigrantes.
Exactamente. Os emigrantes portugueses, os actuais, são como o Carlos Moedas. Ele foi emigrante e a mulher também foi, mas são pessoas que, obviamente, têm outros recursos. Se estivermos a falar dos imigrantes do Bangladesh ou do Nepal que não têm os mesmos recursos, quando estes saem do seu país, é porque precisam. Só ficam onde há emprego, onde não há emprego vão-se embora. Querem trabalhar para poderem viver, é a mesma coisa com os imigrantes daqui. Precisamos disso e, portanto, esse controle está feito, naturalmente. Feito pelos trabalhos que existem ou que essas pessoas têm. O que não sabemos, neste momento, é quem são estas pessoas, de onde vêm, quantos vieram, onde é que estão alojados, não sabemos nada sobre eles.
RAS – Nem porque é que vieram.
Bom, vieram para trabalhar. Mas porque é que vêm para Portugal? Pois, vem para todos os países ocidentais do mundo. Por acaso, não sei como é que eles chegam, é muito difícil fazer-se a investigação.
AIF – Mas relembro só que os nossos emigrantes dos anos 50 e 60 também estavam alojados, principalmente em França, nos tais bairros de lata. A nossa emigração também passou por esse problema lá fora.
Sim, claro, os bidonville!
AIF – Mas, por exemplo, acha que os tradicionais bairros sociais poderão ser solução ou contribuem mais para a estigmatização?
Não acho nada que a solução deva passar por aí. Já tivemos uma péssima experiência. Dentro daquilo que posso dizer, acho que é pouco, porque não estudei, há pessoas que são sábias nesse assunto e temos falado com muitos deles.
Ainda hoje [a 28 de Fevereiro], o Frederico Raposo vai moderar um debate sobre esse assunto, precisamente sobre a habitação e a imigração, na Biblioteca Camões. A questão não é nada simples e qualquer resposta simples vai ser mero ponto de vista. Há condicionantes incríveis como o preço da construção altíssimo, as casas vazias pela especulação ou por outro motivo, por exemplo, e não sei, veremos, o que é que estas medidas governamentais nos dão, porque o que pode acontecer é, também, a legalização de muita habitação que está ilegal neste momento, portanto, isso pode acontecer. A ideia de que os centros da cidade estão muito pressionados pelo alojamento local, sim, é verdade: basta pôr-nos, mais uma vez, nos pés de um senhorio que pode ganhar por uma casa 100 euros por dia e ganha, a alugá-la, 500 euros por mês. É óbvio que vai alugar por 100 euros por dia, para ganhar o triplo ou quádruplo.
Aliás, o nosso jornalista Álvaro Filho, que viveu durante muitos anos na Mouraria, alugou lá uma casa que incendiou. Sim, explodiu, melhor dizendo. Ele tem um livro, chama-se Alojamento Local e é sobre esta problemática. É um facto, senhorios que queriam que as pessoas se fossem embora e matavam as pessoas. Neste caso é um policial, um crime, mas basta pôr-nos nessa posição. Há, portanto, a questão do Alojamento Local nos grandes centros e, depois, a questão dessa habitação social ser só camadas muito desprivilegiadas da sociedade e não atingir, como atinge em outros países, que têm 15% ou mais de habitação pública, classes médias normais. Uma pessoa que ganha mil euros já não pode concorrer a um subsídio da autarquia para uma casa. Já não pode ter uma casa de autarquia, só mesmo sendo muito pobre e, portanto, neste momento, quem está desprivilegiada é a classe média, ou seja, nós estamos a viver os 30 anos do PER.
Há 30 anos, as pessoas de classe media conseguiam ter uma casa porque não havia a pressão do estrangeiro, portanto, para voltar ao assunto, a ideia dos bairros sociais, tipo gueto, em grande escala, funcionam muito mal, foi dos piores exemplos que houve no país de realojamento, esses bairros sociais muito monogâmicos.
RAS – Acha que as histórias, reportagens de fundo, podem fazer a diferença na imprensa? Com a internet , dá a ideia das pessoas já não terem paciência para histórias aprofundadas. Se o trabalho jornalístico for bem feito e bem comunicado, este tipo de histórias ou reportagens consegue captar a atenção das pessoas?
Para ser realista, estamos a caminhar em vários sentidos e não é só esse. A grande questão é sempre para quem. Para quem é que nós estamos a falar? Para sermos honestos temos que seguir duas tendências: há pessoas que lêem — e nós temos as nossas estatísticas e vemos que há pessoas que passam sete, dez minutos a ler uma história, ou 15 minutos — mas também há muita gente que se limita a ter contacto com essa história através das redes sociais. Estamos a caminhar em dois sentidos e vemos isso. O que diria, se calhar, é que houve, também, uma democratização em que a gente diz: “Já ninguém liga ao jornalismo”.
Não é bem assim. O que há são pessoas que continuam a seguir o jornalismo como ele era, o jornalismo com uma reportagem aprofundada, com gosto, com explicação, com o não ficar-se pelas coisas banais e simples. Depois, há uma série de outras pessoas, como aconteceu com a escola, que vêm e têm contacto com as histórias através do seu formato mais simples, que é o Instagram, o Facebook e o Twitter. Há, portanto, aqui, uma multiplicidade de formas de chegar às pessoas que nós, da Mensagem, por exemplo, não renegamos a ninguém. Nem obrigamos ninguém a seguir uma única forma.
AIF – Curioso que na apresentação do vosso site diz o seguinte, fazemos política, muita e intensamente. Assumem, portanto, que a imprensa pode assumir esse papel interventivo mesmo que essa política não seja partidária?
Não era esse objectivo daquela frase, embora perceba que possa ter essa interpretação. O objectivo era dizer que cobrimos a política, ou seja, cobrimos aquilo que é a política da polis, no fundo, na sua acepção mais básica que é: nós fazemos política no sentido que nós cobrimos a ideia de que uma árvore, uma certa rua ou um banco de jardim é política e é política urbana. É aquilo que as pessoas têm na sua vida e das escolhas que fazem. Por acaso, até se vem a revelar bastante e há questões de política urbana que se vieram a revelar muito importantes, politicamente, como, por exemplo, as ciclovias, as árvores e, agora, a cidade dos 15 minutos que está a ser alvo de uma campanha internacional de populismo, de gente que é contra a cidade dos 15 minutos de forma quase radical. É nesse sentido. A palavra não é bem fazemos, é cobrimos.
“É complicado concorrermos a fundos com o nosso próprio objecto, ou seja, temos de estar a inventar coisas à parte do jornalismo porque, como o jornalismo não é visto em Portugal como uma actividade passível de ser financiada por fundos, quer nacionais, quer locais, quer de cultura, por exemplo.”
Catarina Carvalho, uma das jornalistas fundadoras da Mensagem de Lisboa.
AIF – Numa TED Talk disponível no YouTube, a Catarina referiu que o jornalismo e o jornalismo da referência paga-se. Acha que a forma como a imprensa está a dar a volta à situação, com as paywalls, com o sistema das subscrições e, principalmente, num meio onde se pirataria tão facilmente, é a forma mais indicada?
Não, acho que aquilo que disse nessa altura não estava, completamente, correcto, ou seja, nessa altura acreditava que sim, que as pessoas deviam pagar para ler, e continuo a achar que sim, que as pessoas devem pagar para ler, mas acho que isso tem um preço social, ou seja, acho que o que vai acontecer e o que está a acontecer já, é que o jornalismo de qualidade, que é pago, vai ser só acessível a um certo tipo de pessoas que o podem pagar e isso é muito perigoso para democracia, portanto, não sei qual é a solução, não me perguntem. Se soubesse estava rica, mas não acho já o mesmo que achava nessa altura. Ou seja, acho que sim, que quem puder pagar, óptimo, que pague, mas que isso pode ser perigoso para o que acontece depois, acho que sim.
AIF – Quando se fala no algoritmo das redes e internet, que ajuda a fomentar a ideia de bolha, ou seja, que vivemos mais nas nossas bolhas, isso pode fomentar essas tais bolhas sociais.
Claro completamente sim.
AIF – Mas a Mensagem, por exemplo, não tem paywalls. Como é que a imprensa pode, ao mesmo tempo, advogar pelo acesso livre à informação e ser sustentável? Já abordou um pouco a questão e disse que não tinha a resposta certa, mas como se poderia fazer e manter os mesmos valores?
Não há, propriamente, uma bola de prata, ou seja, não há uma visão unívoca do assunto. Por exemplo, há jornais que se fazem pagar e que, depois, fornecem essa assinatura a um outro tipo de público como estudantes, jovens ou os mais velhos. Tentamos ter um contacto directo com a nossa comunidade e ela não é comunidade só de leitores, sim, também os leitores podem estar connosco e ajudar a financiar-nos, mas temos um doador principal, alguém financiador, alguém que põe o projecto a andar e só assim é que conseguimos, mas estamos sempre a tentar outros parceiros, parceiros da cidade para fazer outras coisas.
Porque é assim, se pensarmos que um órgão de comunicação social desempenha um papel social — por isso é social, está lá escrito — e depois, na verdade, não conseguimos concorrer, por exemplo, a fundos, é muito difícil. Torna-se complicado concorrermos a fundos com o nosso próprio objecto, ou seja, temos de estar a inventar coisas à parte do jornalismo porque, como o jornalismo não é visto em Portugal como uma actividade passível de ser financiada por fundos, quer nacionais, quer locais, quer de cultura, por exemplo, torna-se complicado.
RAS – Há falta de mecenas?
Não sei se há mais falta, ou se é de outra qualidade. Porque a questão é: se as pessoas percebem que nós estamos a cumprir um papel social e que há um serviço público na comunicação social, no jornalismo, então, por consequência, também deveriam pensar que só por se fazer um jornal, com algumas características, deveria existir esse apoio. Todos os jornais têm a sua função. Fazemos um especial, mas todos os jornais nacionais também fazem o seu papel — alguns melhor, outros pior — nem sempre bem, mas fazem e, portanto, isso devia ser considerado um papel social. Se é um papel social, então é tão social como uma companhia de teatro ou uma associação.
RAS – Faz parte do Ministério da Cultura…
Mas por exemplo, para concorrer à DGArtes, temos de fazer projectos artísticos em áreas artísticas, ou seja, temos de sair do nosso core para ter uma outra actividade e isso, pronto, estica-nos. Nós concorremos, mas estica-nos.
RAS – Acha que realmente a imprensa está a ter esse problema de dependência da publicidade e anunciantes? Como é que olha para o panorama da imprensa neste contexto dos anúncios?
O modelo dos anúncios é um modelo de volume e, portanto, sendo um modelo de volume, ocasiona coisas um pouco perniciosas, como, por exemplo, os órgãos de comunicação social privilegiarem uma certa polémica, por exemplo, ou uma certa forma escandalosa de tratar alguma coisa, ou tratar de assuntos que digam respeito à maioria das pessoas, digamos, ou seja, gizar pelos grandes números e isso é muito complexo. Porque nas decisões do dia-a-dia, quem está de fora, talvez não veja isso, mas é muito pouco construtivo, lá está, gizar todo o nosso trabalho por isso, pelos grandes números e pelo tráfego, por exemplo.
Esse é o problema do modelo dos anúncios como os vemos agora. Antigamente, também era assim, mas como se estava a falar de um bundle (um jornal é um conjunto de notícias) era o jornal, no seu todo, que era em papel, depois, a televisão que tinha um telejornal, e a rádio, que tinha um jornal de rádio com notícias: não era notícia a notícia que isso era visto. Sabemos o que é que aquela notícia rende em termos de tráfego, e quantas mais notícias foram fechadas pelo Google, ou seja, fechadas pelas redes sociais, que tenham impacto, sabemos que essa notícia vai dar mais cliques, mais cliques dá mais dinheiro e, portanto, esse é que é o problema. O modelo em que estão baseados os anúncios, em geral, leva à polarização, ao sensacionalismo, à tentativa de criar polémica, de criar aqui uma luta entre qualquer coisa.
RAS – Ter cronistas, por exemplo.
Sim, mas as crónicas nunca têm muitas visualizações, salvo raras excepções. Mas esse, aqui, é que é o problema do modelo baseado, meramente, em anúncios porque, antigamente, a gente vendia o jornal, mas vendia um jornal inteiro, e os anunciantes não sabiam se aquela página foi mais lida do que a outra e, portanto, quando começámos a competir com as redes sociais e com as grandes plataformas pela atenção das pessoas, é isso que acontece.
“O jornalismo, hoje, é muito mais dependente de corporações do que da política. O jornalismo é dependente do poder económico, não é dependente do poder político. Agora, há uma coisa que podemos perguntar, se o poder político é dependente do poder económico — aí é outra coisa. Mas o jornalismo é muito mais dependente do poder económico do que do poder político.”
Catarina Carvalho, uma das jornalistas fundadoras da Mensagem de Lisboa.
RAS – O valor do anunciante tinha a ver com a tiragem…
Quanto maior a tiragem, como agora se diz, porque o nosso o leitor estava a comprar um produto que não era só a notícia da capa, a manchete. Claro que a manchete vendia, mas também tinha a culinária e, também, uma entrevista e uma grande reportagem. Era um produto. O que acontece é que o produto se estilhaçou e, agora, o que se faz, por exemplo, é tentar criar novos produtos: as newsletters, como os podcasts, são essas tentativas de se criarem novos produtos. Quando fazemos uma edição online, por exemplo, do Diário de Notícias, é a tal tentativa de se criar um novo produto. Há, portanto, essa tentativa de fazer um novo bundle (produto completo), mas a verdade é que o tráfego não é pelo bundle que vai lá, é pelo tema — o conteúdo é rei — e como o conteúdo é rei, aquilo que temos feito na Mensagem, e que é um desafio, é o seguinte: como podemos ter tráfego, não saindo de um certo princípio construtivo e interessante de realidade? Porque o dia mais feliz para nós é quando, por exemplo, o Google agarra uma história que é só nossa e que é boa — não no sentido de ser positiva, mas uma boa história para se contar —, porque aí chegamos a muita gente e tornamos interessante, o importante.
RAS – Como é que olha para o jornalismo independente, indo ao encontro das paywalls. Faz-se muito uso do patreon também, pode-se ser patrono.
É uma expressão dúbia, jornalismo independente. Sei que há várias pessoas que já falaram sobre isto, mas porque é que é dúbia? Em primeiro lugar, é independente do quê? É como a história da cidade esquecida, esquecida de quem? Independente de quê? Usamos a expressão porque está consagrada, pronto, é fácil de usar. Dizemos jornalistas independentes, porquê? Porque não temos ligação nenhuma a um grupo de média, certo. Mas em que é que ter uma ligação um grupo de média nos torna mais, ou menos, independentes? Não torna. Aliás, pelo contrário, se calhar, pertencer a um grande grupo de média pode — isto agora é uma desconstrução da questão da independência — ser um bom backup para nós sermos, até, mais independentes, porque há várias camadas de decisão.
Isto por um lado. Questionando outra coisa, independente é o quê? Depende dos leitores, mas porque é que isso é independente? Sabemos muito bem, por exemplo, que, quando o New York Times tem aquelas polémicas sobre opinião ou sobre a woke culture, o jornal perde não sei quantos mil assinantes, do outro lado. Ser dependente dos leitores, portanto, é ser independente? Se calhar não é, se pensarmos bem no assunto, se calhar não é assim tão independente. Então, ser independente é ser independente do mercado? Depende do mercado. Se calhar, ser independente seria, por exemplo, existir uma forma de nos conseguirmos financiar, sem dependermos do nosso conteúdo.
Ou seja, haver filantropos suficientemente inteligentes e independentes que dissessem, “gosto de vocês, apesar do que vocês dizem. Se falarem mal disto ou mal daquilo, não me vou chatear porque isto é democracia.” Vivemos nesse mundo? Se calhar não vivemos. Ser independente é estar dependente dos temas para reportagem que agradam a determinadas fundações para elas nos apoiarem? Isso é ser independente? Se calhar não é! Se quiséssemos ganhar, por exemplo, dinheiro de fundações, bolsas de fundações, teríamos de fazer temas muito mais sociais, ou fazer temas que digam respeito às minorias étnicas, ou definirmo-nos como um jornal das minorias. Sabemos que se fizéssemos isso, caíamos no goto dessas fundações. Seríamos os mais independentes? Se calhar, não. Portanto, o que é que é um jornalismo independente? O mundo tem muitas formas, não é? Não há almoços grátis, nunca, e uma coisa boa é nós sabemos o que estamos a fazer e que almoços é que estamos a pagar.
“É bom que as pessoas percebam que tudo é política, no sentido em que tudo é gestão da coisa pública e todos nós dependemos disso. Nas cidades isso é muito evidente, nas cidades uma ciclovia é política.”
Catarina Carvalho, uma das jornalistas fundadoras da Mensagem de Lisboa.
AIF – Acha que devia existir um organismo público, próprio para a comunicação social, como já existiu?
Não sei se seria isso assim, não sou nenhuma institucionalista, não gosto de me debruçar sobre instituições. O que seria possível existir, seria um sistema claro em que se pudesse concorrer a alguma coisa, com critérios claros e objectivos. Que pudéssemos concorrer pelo serviço público que estamos a fazer.
RAS – Uma DGArtes da comunicação social ou, então, como o ICA do cinema. É só uma analogia.
Por exemplo. Não sei se seria a DGArtes, mas, pelo menos, assim: “olhem, este ano, por exemplo, temos 10 milhões para o jornalismo, e vamos distribuí-los desta forma.
RAS – Mas se há uma DGArtes e um ICA, porque é que não há algo semelhante para o jornalismo?
Não há, é óbvio que não há por questões políticas. Mas também se pode dizer que o ICA é, igualmente, política, como é óbvio — basta ver a “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”, por exemplo, e as fake news e assim, claro. Ou como no outro dia, aquela polémica da pessoa trans que fez aquele protesto. Mas é uma visão completamente antiquada pensar que, em primeiro lugar, o jornalismo é político desse ponto de vista, ou seja, que deve ser completamente independente da política e a forma de o fazer é não o financiar. Por exemplo, o financiar o jornalismo do ponto de vista do Estado — não é dos políticos, é do Estado — mais uma vez, não o torna mais nem menos dependente. Depende das condições porque pode, até, torná-lo mais independente, por exemplo, de determinadas corporações que têm interesses muito mais vincados na sociedade.
O jornalismo, hoje, é muito mais dependente de corporações do que da política. O jornalismo é dependente do poder económico, não é dependente do poder político. Agora, há uma coisa que podemos perguntar, se o poder político é dependente do poder económico — aí é outra coisa. Mas o jornalismo é muito mais dependente do poder económico do que do poder político.
“Não alinho muito naquela ideia dos média independentes, que nós é que somos bons. Não, há muito mais jornalismo bom nos média tradicionais do que no jornalismo independente porque é muito mais, é em muita maior quantidade, tem muitos mais meios e ainda bem. Fazem muita coisa mal, fazem, podiam fazer melhor, podiam. Podiam sair, um bocadinho, da bolha, mas pronto, estão lá, existem.”
Catarina Carvalho, uma das jornalistas fundadoras da Mensagem de Lisboa.
RAS – Se houvesse esse organismo, no entanto, seria até de uma forma transparente porque seria obrigatório dizer-se que se era financiado.
Devia ser obrigatório, mas não sabemos, muitas vezes. Sabemos quem está pela frente, mas não sabemos quem está por trás do dinheiro como, também, não sabemos outras coisas. Não sabemos as pressões que são feitas e as reportagens que não se fazem por causa disso, pronto. Não deveria ser assim, mas é, e temos exemplos de coisas muito bem feitas e contra o poder económico. Temos uma coisa, por acaso, bastante interessante nesse ponto de vista e que mostra um bocadinho a força do jornalismo e, eu, não quero acabar esta entrevista sem deixar aqui uma chamada de atenção: o jornalismo, bom ou mau, é melhor do que nenhum.
Há uma guerra muito forte no mundo, não é à toa que, por exemplo, as forças de extrema direita — o Bolsonaro e o Trump, por exemplo, nos Estados Unidos e no Brasil — elegeram os média como grande alvo. É porque, na verdade, é a única válvula de escape da sociedade, é a única forma de algum controlo social, e é melhor existir — mesmo sendo mau, mesmo com as corporações, mesmo com isso tudo — do que não haver. O jornalismo ainda é feito de forma bastante profissional, é bastante escrutinado — é das coisas mais escrutinadas que existem porque é pública — quando nós, portanto, caímos, às vezes, na tentação de dizer, “ai, o jornalismo está uma porcaria. Isto é tudo mau e isto não tem interesse nenhum e os jornalistas são todos vendidos”, é preciso frisar que não, não mesmo. A maior parte não são.
São pessoas que vão para ali porque têm códigos deontológicos com os quais se importam, histórias para contar e uma visão positiva do mundo. Há um caso que mostra isto, exatamente, que é a questão da relação dos média com as grandes plataformas, nomeadamente o Google e o Facebook. Não sei se as pessoas têm noção, fora do jornalismo, mas o Facebook cortou todas as relações com os média, acabou com os seus departamentos de relação com as média que eram fortíssimos. Só para dar um exemplo, eles patrocinavam a maior parte dos festivais e conferências de jornalismo no mundo, mas cortaram com isso.
RAS – Isso foi quando e porquê?
Foi agora, este ano. Despediram imensas pessoas. Eles cortaram porque estavam em crise e, como estavam em crise, tiveram resultados piores do que estavam à espera: tinham de cortar em alguma coisa e cortaram nas relações com os média. Porque é que cortaram? Porque os média não largaram o osso. Apesar deles continuarem a financiar, não foi por causa disso que os média deixaram de fazer as investigações todas. É a prova, portanto, de que apesar de tudo isso que acontece, sabemos que acontece, o jornalismo continua vivo e continua a fazer coisas, não é preciso ser independente. Pode ser um jornalismo corporativo, também. Não alinho muito naquela ideia dos média independentes, que nós é que somos bons. Não, há muito mais jornalismo bom nos média tradicionais do que no jornalismo independente, porque é muito mais, é em muita maior quantidade, tem muitos mais meios e ainda bem. Fazem muita coisa mal, fazem, podiam fazer melhor, podiam. Podiam sair, um bocadinho, da bolha, mas pronto, estão lá, existem.
RAS – Carla Baptista, professora e investigadora na área de história dos media e da relação entre jornalismo e política, disse, num artigo de opinião, que “as notícias mercantilizaram-se para agradar a públicos despolitizados”. Concorda com esta afirmação de 2018? Acha que se mantém actual?
O que é que são públicos despolitizados? Na nossa perspectiva, nos bancos de jardim não há públicos despolitizados. Acho que a questão é essa. Ou seja, é essa visão de que as pessoas têm de ser políticas e, para serem políticas, têm de ter um partido. Mas os públicos despartidarizados têm coisas boas e têm coisas más. Acabámos de viver uma manifestação em que as pessoas estão despartidarizadas, se calhar nem votam, mas não são despolitizadas. Portanto, sim, é bom que os média caminhem para um público despartidarizado, mas também é bom que as pessoas percebam que tudo é política, no sentido em que tudo é gestão da coisa pública e todos nós dependemos disso. Nas cidades, isso é muito evidente, nas cidades, uma ciclovia é política.
RAS – Como olha forma de estar dos jornalistas nas redes sociais. Pode haver o risco de se misturar o pessoal com o profissional?
Não temos tradição de fazer códigos de conduta em Portugal. Ainda no outro dia estava a dar uma aula de jornalismo e uma aluna perguntou-me, exactamente, isso. Não tenho uma resposta evidente. A resposta evidente que tenho é que as redes sociais são uma espécie de vida e têm vida própria: têm as suas características diferentes, menos tridimensionais, mais maniqueístas, muitas vezes e, por isso, mais polarizadas. Quando estou na vida das redes sociais, tenho de perceber que o que digo tem um peso e uma importância. As redes sociais vieram, portanto, desconstruir um pouco o mito do jornalismo objectivo, da objectividade jornalística pura, de que não temos um viés e assim, consequentemente. As pessoas têm todas opinião sobre o mundo e, depois, cada vez mais, fomentam opiniões em grande número. Isso é, cada vez, um vício, estar nas redes sociais e estar a falar sobre coisas, dar opinião. Toda a gente tem de dar opinião e toda a gente tem de dar opinião sobre tudo.
RAS – Dificilmente muda-se de opinião, na mesma conversa…
É isso, é mais frequente as pessoas manterem as suas opiniões, mesmo que não façam sentido, quanto todos em torno digam que não é assim.
RAS – Parece que se está a pensar em directo.
Sim, está-se a pensar em directo e o que se diz, ali, está a ser visto. Aquelas pessoas vão para o seu trabalho, elas são pessoas, isto não é inócuo nem objectivo, há ali uma consequência. É preciso ter cuidado com isso.
AIF – Já agora, que estamos a falar de redes sociais, assistimos às querelas recentes entre jornalistas e a plataforma Twitter, gerida por Musk, e o consequente encerramento de contas. Como olha para isso?
Bom, o Musk é muito difícil de avaliar porque, um dia, pensa uma coisa e no outro dia pensa outra.
AIF – Mas não é só ele, está à frente de uma rede social, de uma corporação.
Mas está a mostrar aquilo que ele é, não deixa de ser ele próprio por estar à frente da rede social. Por acaso, perdi bastante gente que costumava seguir e que desistiu: ou foram para outro sítio ou não sei por onde é que eles andam.
RAS – Mas já estão a regressar, saiu uma notícia sobre isso.
É? Mas vi, também, que em termos de seguidores perdi algumas pessoas. Não costumo ir muito lá, mas vi que diminuiu o número, portanto, imagino que algumas pessoas saíram mesmo. Mas é a mesma coisa de há pouco, o Musk tem, perfeitamente, essa noção, mas ele pode fazer o que faz. Acho que o Twitter é uma bolha também. Aqui em Portugal, sobretudo, ainda mais bolha é. Acho que há sítios onde é menos bolha do que aqui.