Entrevista. Conferência Inferno: “Cada vez mais há um fosso em que ou és super underground ou és super mainstream em Portugal”

por Bernardo Crastes,    27 Julho, 2024
Entrevista. Conferência Inferno: “Cada vez mais há um fosso em que ou és super underground ou és super mainstream em Portugal”
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No ano passado, saiu Pós-Esmeralda, o segundo longa-duração dos Conferência Inferno, que expandiu os limites do post-punk e synthpop soturno da banda portuense. Retendo a componente dançável que desde sempre caracterizou a sua música, acabou por levá-la em direcções mais experimentais e de improvisação, ou não fossem os Conferência Inferno uma banda nata de concertos, algo que lhes trouxe bastante carinho na cena musical do Porto e além-Invicta.

A banda faz parte do cartaz do Paredes de Coura, onde actuarão no dia 16 de Agosto, ao lado de artistas como Beach Fossils, Cat Power, Idles, Mdou Moctar ou Tramhaus. Nesse âmbito, estivemos à conversa com os três integrantes da banda — Francisco Lima, José Miguel Silva e Raul Mendiratta — antes de um ensaio do projecto paralelo aos Conferência Inferno, os Ilusão Gótica, sobre o estilo muito característico da banda, concertos ao vivo, como é ser uma banda emergente em Portugal e uma hipotética ascensão a uma maior popularidade.

De onde vem o nome da banda?
Francisco: Então, eu e o Raul — primeiro comecei eu e o Raul, o Zé só entrou depois — tínhamos uma amiga que tinha umas fanzines de umas palestras punk e DIY do Porto e havia lá uma cena chamada Conferências do Inferno. E pronto, adaptámos um bocado para Conferência Inferno, foi daí que nasceu o nome da banda.

Sobre a vossa música, ela encaixa muito no post-punk e new wave. Vocês experimentariam com outros estilos ou já não seria Conferência Inferno se não fosse esse estilo?
Francisco: Acho que vamos experimentando e ultimamente também temos experimentado fazer outras coisas. Nós, a fazer músicas, não estamos a pensar: “vamos fazer uma cena”, é mais ou menos o que sai, mas sim, temos experimentado outras coisas diferentes ultimamente.

Fotografia de Sandra Garcez

Perguntei mais porque a base é sempre um bocado similar e baseada no post-punk e no new wave. Sei que vocês têm feito uma cena mais jam, têm colocado um bocado mais de experimentação, com colagens de som e assim. Mas era mais se iriam noutra direção um bocado diferente disso ou se realmente não é algo que pensam em fazer para já?
Francisco: Nós temos outro projeto paralelo chamado Ilusão Gótica, que somos na mesma os três, e isso aí é completamente jam, é completamente diferente de concerto para concerto e é muito mais livre, digamos assim. Mas com Conferência [Inferno] também já temos experimentado cenas mais dub, colagem de som também…

Zé: Até porque a filosofia do próprio post-punk, se quiseres usar esse termo, já é muito dada à experimentação. Historicamente, já foi um estilo que as pessoas sempre usaram como quase uma forma fácil de dizer que estão a experimentar para além de uma coisa que já vem realizada no rock, mas que abrange todos os outros estilos que queiras prestar. Acho que, se calhar, somos post-punk mais em filosofia do que em estética, mas também claro que se reflete.

Esse género é um bocado associado a movimentos provenientes do estrangeiro, mas também sei que a vossa música é muito inspirada por Portugal e por onde vivem. Onde é que vocês diriam que está a portugalidade das vossas canções?
Francisco: Eu acho que está no ser cantada em português, logo. E não sei, em sermos portugueses também… Acho que imprime muito a identidade do Porto porque vivemos todos cá, vivemos a cidade e tentamos transmitir muito isso nas canções que fazemos.

Zé: Também já é um pouco clichê, mas acho que também há aquela dose de melancolia, não é? Aquela nostalgia. É um bocado português isso.

Uma coisa que eu sempre achei sobre a música portuguesa é que não se foca tanto nos vocais. Às vezes, a mixagem afunda um bocado os vocais ou mesmo a dicção que nós temos, mas na vossa música a voz está sempre muito presente. É uma coisa que vocês pensaram? Qual era a ideia por trás disso?
Francisco: Isso não é uma coisa propriamente pensada porque, por exemplo, no nosso primeiro EP há várias vozes. Então acho que… torna-se uma coisa mais melódica do que propriamente a palavra. Mas, sei lá, isso é mais quando estamos em estúdio, a gravar o disco, que vamos fazendo isso e vendo como é que se enquadra melhor a voz.

Zé: A canção é que vai pedindo isso. Se calhar é uma questão de escolha.

Penso que, no início, tinham o objectivo de ser uma banda de canções. De que forma é que o objetivo da banda tem mudado desde que começaram até agora?
Raul: Acho que começámos um bocado com esse conceito de fazer canções, mas acho que ao longo do tempo vamos experimentando mais outro tipo de estrutura. No fundo fazer uma canção mesmo, mas não com a estrutura clássica.

Francisco: E a cena do new wave e do post-punk de que estavas a falar também tem muito essa cena de não ter que ser um verso-refrão, verso-refrão. Às vezes é só verso, às vezes o refrão não tem voz sequer ou é só uma linha… Mas nós começámos com esse objetivo porque basicamente tínhamos de começar com algum. Começámos por fazer música, mas depois, falando sobre isso e enquadrando também no Porto, que não há — pelo menos no underground — muitas bandas de canções. Agora já há mais, mas havia mais a cena do noise, do experimental, do punk puro, enérgico. E tentámos sair um bocado desse circuito.

Para vocês, quais são as reações mais importantes que o público pode ter à vossa música?
Francisco: O mais importante é irmos para um concerto, sei lá, em Lisboa e pensarmos que vão estar 20 pessoas e afinal estão 100 e tal e toda a gente sabe as letras. Sabem as letras e começam a cantar as linhas do sintetizador. Isso é super gratificante. Mais do que dizerem-te na rua “ei, adoro a tua cena!”. É mais nos concertos, mesmo.

Raul: Agora ninguém vai dizer isso. [risos]

E por outro lado, de vocês para o público, qual é a mensagem mais importante que pretendem transmitir?
Francisco: Na minha ótica, principalmente neste último álbum, é que se têm problemas ou se não estão bem na vida, não são os únicos e podemos estar todos juntos.

Zé: Em comunhão. Unidade.

Quais são os elementos mais importantes para vocês de uma performance ao vivo?
Raul: Genuinidade, acho que é importante.

Francisco: Estarmo-nos a divertir. Porque isso nota-se.

Zé: E que o som tenha power, que tenha impacto. É muito chato chegar a um sítio e ver que não há condições para ouvir a coisa como deve ser.

Raul: Mas acho que as pessoas notam quando o concerto está a ser genuíno e as pessoas estão a curtir bué. Ou quando estão a ouvir uma coisa que é meio fake, concebida. É a mesma coisa, se tiver união, se nós estivermos a curtir, o pessoal também vai estar a curtir.

Sentem que conseguem passar a energia do estúdio para os concertos ao vivo?
Zé: Às vezes, até é mais difícil o contrário. Nós fazemos as músicas para já serem tocadas live. Pelo menos até agora tem sido assim. Mas nós fazemos sempre as músicas para tocar ao vivo e só depois é que, passados uns meses, vamos para o estúdio para gravá-las. Ou seja, é mais difícil o contrário, conseguir encapsular aquilo que nós sentimos naqueles momentos em que está tudo a correr bem no palco.

Tenho ideia que vocês, pelo menos para este último disco, tinham objetivos muito focados. Por exemplo, queriam fazer uma canção mais dub, acho que é uma cena que vocês fizeram. Como é que vão trabalhando até chegar a esse resultado?
Raul: Eu acho que não é chegar lá com o objetivo de fazer uma música assim. Eu acho que é chegar com uma ideia e tipo: “ah, era fixe fazer assim”. Mas podemos chegar com uma ideia, por exemplo, fazer uma canção dub e depois transforma-se noutra coisa.

Zé: Aliás, essa canção dub nem começou como uma canção dub, até era quase um interlúdio… como um poema e depois é que se transformou numa canção dub.

Francisco: Sim, era só a primeira parte. E depois fizemos uma jam, estávamos a tocar e por acaso saiu essa jam depois desse interlúdio. E ficou. É tentativa-erro. Nós vamos sempre gravando e vamos ouvindo e aplicamos sempre aquele raciocínio de: “ok, o que é que eu gostava de ouvir aqui?”

Raul: Mas nunca vamos impedir esta sugestão natural do que é que eu gostava de ouvir aqui em prol do “conceito inicial”. Não, vamos deixando sempre as coisas fluir.

Zé: Como o pessoal do cinema diz, é preferível teres uma coisa que sirva o filme do que ser super tecnicamente correta; mesmo que seja um mau plano ou um mau corte. Se isso servir a narrativa, se for no fluxo da coisa. Porque isso é que serve o filme.

Quais as maiores dificuldades que têm sentido como uma banda emergente em Portugal?
Raul: Sítio para ensaiar. Rendas altíssimas, viver nas cidades está a ficar impossível. Arranjar espaço para ensaiar com uma renda decente está impossível.

Zé: Também há falta de sítios para tocar e há muita precariedade no nosso nível. Parece que cada vez mais há um fosso em que ou és super underground ou és super mainstream em Portugal. Então tudo o que está no meio não existe.

Francisco: Sim, e depois também a centralização. Porto, Lisboa. Nós todos temos trabalhos fora disto, como a maior parte dos músicos tem. Era super fixe não teres de estar a trabalhar 8 horas para depois ir ensaiar 4, depois ires direto dormir e fazeres a mesma coisa no dia a seguir. E, mesmo assim, estás a contar trocos no fim do mês. E para além disso teres de ir andar 300 km de carro e dormires num hotel e jantares à pressa. Claro que nós todos sabemos no que nos estávamos a meter, só que há que sempre lutar por isso.

Zé: Esta não é a primeira banda que temos e já ouvimos falar destas condições há muito tempo. Isto já não é de agora, não é? Então cada vez mais, nós não temos muito esta coisa de ir lá para fora, mas seja cá fora ou lá dentro… Ainda agora estávamos a discutir, vamos tocar ali a Évora e a Portalegre, mas se formos vamos voltar com pouquíssimo dinheiro no bolso e só perder tempo. Também gostamos de passear por Portugal, ir tocar, pá, mas é difícil.

Francisco: Às vezes tens de ponderar mesmo a sério se vale a pena para a saúde mental e física.

Raul: Uma banda underground submete-se um bocado àquilo de ter de tocar imensas vezes por Portugal para conseguir sobreviver ou para viver só da música.

Francisco: E há meses em que dá e outros em que não dá. E não podes estar a contar só com os meses em que dá, porque depois nos meses em que não dá, tens de ter um fundo de maneio.

Zé: Acaba por ser uma gestão complicada. Nós neste momento estamos nisso, também já tocámos o suficiente, mas queremos parar para fazer música nova, mas também queremos continuar, porque também não somos assim tão conhecidos…

Como é para vocês equilibrar o trabalho na banda com os vossos outros trabalhos?
Francisco: É difícil.

Zé: Envolve muitos agendamentos. Eu tive que comprar uma agenda mesmo. [risos] Daquelas que escrevo à mão e tudo.

Raul: Eu ainda tenho um trabalho mais ou menos flexível, mas mesmo assim é difícil. Se não estou a trabalhar, estou com a banda.

Francisco: Eu trabalho num hostel e tenho 3 turnos diferentes. No outro dia, fomos tocar à Musa de Lisboa e tive de fazer 3 turnos em 2 dias, em 36 horas, para conseguir ir. Depois cheguei lá roto, mesmo. Mas é a ginástica.

Fotografia de Sandra Garcez

E mesmo assim, como é que conseguem ter energia para dar ao público e nos concertos?
Francisco: Claro que sentes sempre falta de energia quando estás assim, mas eu falo por mim, quando estás em palco, acabas por te esquecer disso e também a adrenalina, a energia… Depois do concerto é que vais mesmo abaixo, mas ’tá-se bem.

Raul: Mas ainda dura um bocado. Ainda vale a pena aquela uma hora a seguir. [risos]

Certo. E agora aqui, tipo, num cenário hipotético, sei lá, tipo, se vocês agora crescessem de popularidade, eventualmente resolveria esse tipo de questões, mas também teria outros problemas e outras questões associadas. Vocês têm, tipo, algum receio disso ou não?
Zé: Também acho que depende do que consideras popularidade. Popularidade quê? Em sermos bué “big” nas redes sociais e de repente sermos um fenómeno… Opá, acho que isso, pelo menos a mim, ia-me passar um quito ao lado. O único receio que eu teria era isso tirar atenção da música. Mas também acho que nós não somos esse tipo de banda. [risos] Mas sim, sei lá, popularidade quê? Das pessoas gostarem da música e começarem a vir aos concertos? Isso acho que só seria fixe, mas é super ideal.

Às vezes é mais aquilo que exige esse tipo de popularidade, ou seja, tu ficas popular e depois começam a surgir exigências. Também depende de como vocês lidam com isso, como banda. Mas imagino que depois, se calhar, editoras e tal começam a pressionar para fazer certas cenas, tipo presença de redes sociais e certos tipos de parcerias… Se calhar isso pode afetar um pouco a música do género, se calhar deviam fazer uma música mais assim ou mais assado”. São difíceis de controlar, imagino, não sei.
Francisco: Nunca passamos por isso. Mas também temos sorte em estar na Lovers [& Lollypops], que eles…

Zé: Dão-nos carta branca, ainda funcionamos um quito à moda antiga. Para já estamos bem assim, não é?

Francisco: É confiança. Nós confiamos neles, eles confiam em nós e isso resulta bem.

Zé: Essa popularidade mais imediata é uma cena que, lá está… não é por aí.

Podem fazer um hit do TikTok, nunca se sabe.

Zé: Ah, isso ’tá-se bem! Já fizemos várias brincadeiras com isso, “E se agora fôssemos uma sensação de TikTok?”. Como os Molchat Doma foram. Acho que podia ser fixe.

Francisco: Se nos trouxer mais oportunidades…

Zé: É isso, também não somos aversos.

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