Entrevista. Daniel Carapeto: “A vulnerabilidade, as irritações, são sempre uma boa coisa para falar”
Está para começar a tour do novo solo de stand-up de Daniel Carapeto. O nome é desta vez um número — “141.6” — e refere ao peso máximo que atingiu antes de uma súbita transformação. Está agora com cerca de 60 quilos a menos, e tem coisas a dizer sobre este assunto um pouco por todo o país.
Mesmo que tenham andado desatentos, é provável que já se tenham cruzado com o seu trabalho. Integra o grupo do Roda Bota Fora, lançou recentemente uma espécie de talk-show entre amigos (e com um dos melhores nomes de sempre: Nós de Gravata), escreve para projectos de Fernando Alvim e Carlos Coutinho Vilhena, e mais, muito mais. “Há anos que escrevo diariamente, mesmo…“, e não é difícil acreditar: basta conferir que o seu Twitter é muito movimentado, com várias piadas (e ensaios de) sobre o que vai acontecendo tanto à escala mundial, como no pacato quotidiano.
Falámos com ele a propósito deste novo espectáculo. O último solo, Tragédia, aconteceu em 2019 (é possível vê-lo no Youtube!), e entretanto houve uma pandemia. “O texto já estava a ser preparado, mas depois tudo fechou. E como não ia acontecer nada, relaxei — funciono muito com deadlines. Quando as coisas começaram a abrir, voltei a criar, a pegar no texto”. Nessa fase, no início de 2020, “todos sentiam que ia ser um bom ano”, a dar seguimento a um crescimento geral no sector da comédia. Devido às circunstâncias, o sucessor de Tragédia ficaria na gaveta até 2022; mas, pelo meio, acendeu-se um rastilho para a drástica mudança na sua vida: “Não foi nada relacionado com saúde — apesar de saber que iria, provavelmente, ter problemas no futuro. Simplesmente estava demasiado gordo. Isso não me deixava contente, e afectava outras áreas da minha vida”. Então, tomou a decisão de cortar nas gorduras.
O solo não é apenas sobre isso, apesar de constituir grande parte do material: traz também outras situações que aconteceram entretanto, como o azar de se ter despedido do emprego, onde era efectivo, para logo depois se ver fechado em casa, e com todos os palcos interditos por motivos de saúde pública. São situações do dia-a-dia, e da sua vida pessoal, que alimentam o texto, e o próprio admite que “não há uma grande separação entre a pessoa Daniel Carapeto e o humorista que sobe a palco”.
Olhando para Tragédia, por exemplo, há várias piadas e momentos que aludem ao seu gosto pela comida, e frequentemente concluem em observações pessoais, até autodepreciativas: ser gordo era, de certa forma, parte da sua persona cómica. Entre humoristas, está largamente documentada a insegurança de perder a piada consoante se melhora no capítulo da saúde mental, por exemplo. “Eu fiquei uma pessoa mais feliz em geral, depois de perder peso — seja porque o meu bem-estar está melhor, seja porque a minha confiança aumentou, seja porque me propus a fazer algo muito difícil e consegui”.
“Ninguém quer ouvir uma piada sobre, por exemplo, uma pessoa que não teve dificuldades, e correu tudo bem. Isso não existe”. Associamos o seu humor a uma espécie de raiva, ou irritação, e não surpreende quando diz que “quase pensei que a minha felicidade me andava a tirar a pica”. A situação resolveu-se redireccionando o foco para um novo problema — “comecei a ficar fodido por não estar a escrever tanto como queria!” — mas, ainda assim, fiel a uma ideia sobre o que será a fonte primal do humor: “a vulnerabilidade, as irritações, são sempre uma boa coisa para falar. Acho que a maior parte da comédia é sobre isso — para não dizer toda. Só não digo toda, porque não conheço tudo”.
Falámos sobre Seinfeld, que mesmo não sendo predominantemente autodepreciativo, baseava-se muito em pequenas irritações; e sobre piadas, e o processo de as envolver com histórias. O stand-up, que é a sua expressão de comédia favorita, depende de timings, técnica, ritmo, entrega — e ele fascina-se com tudo isso, quase dez anos depois da primeira actuação, em Outubro de 2012. Daniel Carapeto sobe a palco a partir de dia 18 de Março, em Almada, para uma tour que continua depois em direcção ao norte; passa por Lisboa, Coimbra, Braga, e termina no Porto. Este é “provavelmente, o tema de solo mais forte” até agora, e uma oportunidade única para perceber em que ponto está o comediante na sua arte. Os bilhetes estão disponíveis nos locais habituais.
Datas da tour:
- 18 de Março – Almada
- 30 de Março – Lisboa
- 7 de Abril – Coimbra
- 8 de Abril – Braga
- 9 de Abril – Porto