Entrevista. “HOJE”: “Não se pensa muito na atitude tomada agora, que se torna consequência no momento seguinte”
Quem anda pelo Porto já se deparou com esta iniciativa, e até mesmo quem não vive já viu pelas redes sociais os cartazes do projecto HOJE (segue aqui o instagram). São poucos os que conseguem ficar indiferentes e nós não somos excepção. Achámos tudo isto interessante, com uma componente social muito importante, e, portanto, decidimos tentar perceber toda a lógica do HOJE e falámos com a Mariazinha (nome fictício), a mente criativa atrás deste projecto.
Qual é para ti a importância da street art?
Penso que o street art seja um movimento que influência muito a vida e o dia-a-dia das pessoas, seja de forma negativa ou positiva. É uma arte visível aos olhos de qualquer um, que é produzida por pessoas independentes, com o intuito de expressarem os seus sentimentos através das ruas. E é uma arte que pode influenciar a nossa rotina diária, e é com esse intuito que criei o HOJE, deixando o que penso pelas ruas e dando espaço para todas as pessoas se expressarem também.
Explica melhor esse nascimento do HOJE. Como é que nasceu a ideia do HOJE?
O HOJE é o projecto pessoal. Desde 2010 que tenho uma agenda anual comigo, onde escrevo entradas, tipo diário, sobre coisas que me acontecem para mais tarde recordar. Em 2017, ofereceram-me a última agenda que tive nas mãos, que não correspondia ao tamanho de todas as outras. Deixei-a num canto da prateleira e comecei no dia 23 de Janeiro a pôr uma frase na parede do meu quarto, mas em vez de dizer o dia do mês, fazia como contagem crescente até ao último dia do ano. Na altura, decidi chamá-lo de 365. Mudei de cidade a meio do ano e fiquei sem parede, fui escrevendo em cadernos e papéis soltos, sem nunca desistir.
Foi aí que te mudaste para o Porto?
Sim, em Outubro do mesmo ano. E continuei de novo na nova parede do meu quarto.
E qual foi o click para toda carga social que este projecto agora carrega?
Através de uma amiga minha, acabei por conhecer, e ser um tanto ou quanto influenciada, pelo ± maismenos ±, cujos ideais iam de acordo com a minha maneira de ver a sociedade. Toda essa influência partiu de um TEDx de Luanda, onde o próprio explica toda a evolução do seu projecto. No fim do vídeo, pensei “e se a minha parede fosse a rua?”, mas para além de ganhar uma ideia, fiquei com imensas dúvidas. Falei com as mais variadas pessoas, perguntei sobre tinta, cola, spray, stencil, etc. No meio das milhentas opções de street art que tinha, acabei por seguir para a rua com folhas A4 e gostei do resultado final.
Sendo tu jovem, achas que os jovens se importam muito com o hoje social?
Falo por mim quando digo que não, ou sim, mas da forma errada. O português é conformista no geral, faz parte dos nossos ideais e a minha geração tem vindo a mudar isso, mas enquanto que antes não tínhamos acesso há maioria da informação, hoje em dia temos informação por demais e não somos selectivos ou sequer procuramos saber a real questão e/ou solução da sociedade de hoje em dia.
Como é que surgiu o nome, propriamente dito, do HOJE?
Algures em Novembro do ano passado, numa visita ao estúdio do ± maismenos ± e após um diálogo sobre o que que eu pretendia com este projecto, surgiram nomes relacionados com o tempo, até que se deu o click com a palavra HOJE, porque o HOJE é infindável e oferece imensas opções de resposta.
Quando colocas os cartazes do HOJE pensas nos locais? Há uma lógica de público alvo?
Acho que a única coisa que planeio realmente, dentro desse ponto de vista, é colar em sítios crowded, onde eu sei/penso que vou obter as mais variadas respostas. Maioritariamente colo no centro do Porto, em ruas principais e movimentadas, a fim de atingir o maior número de pessoas. Cada vez que me desloco para fora do Porto, tento deixar esta marca presente e se possível enquadrar a cidade com o HOJE.
Voltando ao teu quarto e à rua. Como é que passaste de uma frase tua, na parede do teu quarto, para uma palavra num cartaz branco e na rua?
Não queria partilhar nenhuma das frases que estavam na parede do meu quarto, por serem demasiado pessoais, mas queria poder partilhar algo do meu dia que fizesse as pessoas pensar. Pensar mais e em mais coisas. Ter mais noção do tempo e das atitudes, nunca esquecendo o próximo. Fazer as pessoas questionarem os seus valores perante a sociedade.
Comecei então a questionar algumas pessoas à minha volta sobre o que era o hoje para elas, e maioritariamente falam-me do agora e conclui que as pessoas têm noção de que HOJE é presente, mas que não pensam nele como tal. Normalmente, só vemos as horas para ver quanto tempo passou ou quanto falta para. Calculamos muito o tempo, mas não o aproveitamos ou vivemos realmente. Não se pensa muito na atitude tomada agora, que se torna consequência no momento seguinte.
Portanto, foi depois disso que foste para a rua?
Sim, após este processo, conclui que tinha de ir para as ruas retratar a sociedade a fim de nos tentar moldar de outra forma, e de tentar que todos nós tenhamos mais consciência do nosso tempo e das nossas acções, porque se vivemos numa sociedade, porque não agimos como tal?
E quando é que decidiste a forma do cartaz, ou seja, como é que este ia comunicar com as pessoas?
Antes do início do ano, no meio das minhas muitas dúvidas, decidi que devia perguntar às pessoas o que era o HOJE para elas. Mas não queria fazer um questionário, era demasiado pessoal e provavelmente nem iriam perceber do que estava a falar. Decidi então criar um diálogo pelas ruas do Porto, para perceber se realmente o HOJE resultava.
Foi aí que começaste a espalhar os cartazes pela rua?
Sim, foi aí que colei os meus primeiros papéis na rua. Passados poucos dias tive a minha primeira resposta, que não foi sequer a mais feliz de todas, mas foi o suficiente para eu ficar de coração cheio e perceber que era aquele o formato que eu iria usar daí em diante.
Mesmo depois dessa resposta menos positiva não desististe. Acreditaste no projecto. Como e quando é que percebeste que mesmo assim fazia sentido continuar?
Depois do ano novo. Gostei tanto das poucas respostas que obtive com os primeiros papéis que decidi que iria manter um diálogo do HOJE nas ruas. Achei que era uma mais-valia para o projecto, e já que quero questionar a mente das pessoas, tenho de deixar que elas se expressem também.
Nas ruas estão cartazes “HOJE É”, “HOJE QUERO” e “HOJE SOU”. A ideia é diversificar?
É um diálogo mensal, que em Janeiro foi HOJE É, em Fevereiro HOJE QUERO e agora em Março é HOJE SOU.
Tendo em conta que o HOJE é um projecto diário, sei que o mesmo vai passar por todo um processo evolutivo e que irá crescer, através de mim e com a ajuda das pessoas que participarem nele e com o intuito de fazer sempre mais e melhor.