Entrevista. Hot Air Balloon: “O investimento cultural em Portugal é pouco, muito centralizado e de difícil acesso”
Um sofá Uma história” é uma conversa informal entre o diretor artístico do CLAV-Centro e Laboratório Artístico de Vermil com os convidados das CLAV LIVE SESSION sobre as suas carreiras, processos de criação, arte, cultura, opiniões sociais e outros temas da sociedade, ou seja, dar a conhecer ao público um pouco mais o “ser” que esta por detrás do artista. Alberto Fernandes os Hot Air Balloon, nasceram no verão de 2013 na cidade de Vigo em Espanha e, desde então, cativam a atenção de público de vários países. A voz doce e calorosa de Sarah Jane Burke funde-se com a musicalidade de Tiago Machado numa combinação perfeita, que se reflete em atuações intimistas inesquecíveis.O primeiro álbum com banda, “Behind The Walls”, editado em abril de 2016 foi nomeado, em novembro do mesmo ano, para os prestigiados The Independent Music Awards em Nova Iorque que contou com Tom Waits e Suzanne Vega entre os jurados.
Este projeto tem sido alvo de destaque nas rádios nacionais e internacionais. Com passagens por diversos países, Irlanda, Belgica, França, Espanha e Portugal, os Hot Air Balloon decidiram ficar em Portugal na cidade de Guimarães onde já são considerados uma das bandas referência desta cidade.
Os Hot Air Balloon alem da musica partilham uma vida em conjunto, Sarah Jane e Tiago são casados com dois filhos e neste momento encontram-se a preparar o seu segundo álbum de originais. “How can a Love Be So Strong” é o primeiro single de avanço.
Alberto – Olá boa noite, bem-vindos mais uma vez ao “um sofá, uma história”. Desta vez com o Tiago Machado e com a Sara. Bem-vindos e obrigado por estarem aqui.
Hot Air Ballon – Obrigado!
A – Como é que nasceu o projeto?
H.A.B Tiago – Ora bem, os Hot Air Ballon começam em 2013 em Vigo. Nós estávamos a viver em Vigo, conhecemo-nos em Vigo e antes do projeto começa uma relação a dois, e depois naquelas noites sem nada para fazer em casa com a guitarra. Eu estava a estudar música, estava sempre com a guitarra ao colo e a Sara gosta muito de música, já tinha tido algumas experiências de música, a mãe também era cantora, em toda a família à uma tradição muito grande de música. E começamos a brincar, a fazer umas poesias, a fazer umas melodias e tal, e as coisas estavam mais ou menos assim nesta coisa de brincadeira. Depois convidaram-me para fazer um concerto numa inauguração de uma roupa, de uma exposição de uma marca de roupa, já não me lembro muito bem do que era.
H.A.B Sara – Era slow fashion.
H.A.B Tiago – Exatamente. Era um evento privado e pediram-me para ir e para fazer uma parte da guitarra e eu disse “ó Sara porque é que não vens comigo e fazemos umas coisas? Uns covers e já tínhamos um ou dois temas assim de brincadeira”. E foi assim o primeiro concerto em 2013 e uma coisa leva a outra. Depois percebemos que o concerto correu bem, as pessoas gostaram e depois o segundo concerto a Sara trabalhava numa fundação num jardim botânico e fez lá uma atividade com muitos concertos e, eu não sei muito bem se este foi o segundo concerto com a Sara porque já vai à tanto tempo mas foi assim um bocado caseiro, nunca dissemos “vamos montar um projeto!” a coisa foi surgindo e depois um amigo de um bar pedia para ir lá tocar em Vigo, e as coisas começaram assim. Em Portugal, depois também começamos a vir para Portugal porque estávamos aqui em Vigo.
H.A.B Sara – Vínhamos ver os amigos.
H.A.B Tiago – Exatamente, e depois pouco a pouco a coisa foi desenvolvendo e foi aí que gravamos o primeiro disco em 2016 que foi nomeado para os Independent Music Awards, foi uma coisa ótima e pronto, entretanto já passaram 7 anos já fizemos muitos concertos, já fizemos mais de 100 concertos.
A. – Eu conheço a vossa carreira sei perfeitamente que sim. Diz-me uma coisa, a praia diz-vos alguma coisa? Porque eu tive um passarinho que me disse que vocês se conheceram numa praia, é verdade ou não?
H.A.B Tiago – Não, se calhar tu viste uma fotografia nossa numa praia e nós usamos essa como perfil muitas vezes. Nós conhecemo-nos a viver juntos, eu fui viver onde a Sara já estava há 3 anos.
H.A.B Sara – Sim, há 3 ou 4 anos. Mas sim a praia, no sentido em que na cidade onde morávamos e, depois a casa onde morávamos juntos era mais ou menos ao pé da praia e as nossas memórias de Vigo, e do inicio da nossa relação têm a ver sempre com o mar e com isso, e sim nesse sentido sim. Tem muito a ver connosco e também como sou da Irlanda e na Irlanda a minha infância sempre foi, conectada ao mar de um sítio ou de outro mas eu acho que sim, eu acho que o mar tem muito a ver com o inicio da nossa relação e com a nossa música.
H.A.B Tiago – Mas não nos conhecemos propriamente na praia.
A. – As vossas diferenças culturais influenciam a vossa criação?
H.A.B Tiago – Sim, sim influenciam. Eu como estudava música clássica, fiz um curso de música clássica, e estava nessa altura da minha vida muito ligado à música mais erudita, mais académica. Se bem que sempre gostei e vinha de vários projetos antes, de diferentes coisas, rock and roll, heavy metal, música tradicional, músicas do mundo, jazz. Nesse preciso momento como estava a estudar e tinha de me dedicar muito, quando digo musica erudita também pode ser o jazz mais erudito, e a Sara como veio da Irlanda e na Irlanda há uma tradição de canto de “singer songwriter” muito forte. Foi um ponto de encontro quando nos começamos a conhecer na música. Ela gostava muito de música, eu gostava muito de música, naquela altura não era propriamente aquilo que eu ouvia mas, a Sara foi-me mostrando umas coisas e realmente essa diferença de cultura, neste caso de cultura e de experiência de vida não é?! contribuiu para criarmos aqui algo.
A. – Se tivessem de definir o vosso estilo de música, conseguem definir ou não?
H.A.B Tiago – Eu acho que sim, acho que o “singer songwriter” se adequa. Também é um bocado amplo por isso eu acho que sim, acho que por aí. Quer dizer, isso é um bocado difícil porque nós temos temas que se calhar se ouvires no disco dizes “isto não é ‘singer songwriter’” mas depois no contexto do disco sim, posso dizer que é folk “singer songwriter” por aí, não é?! Uma coisa de pop, uma coisa de música alternativa. Tinha algumas influências de blues também, mas se calhar o que nós apresentamos de guitarra e voz o “singer songwriter” pode ser o mais adequado.
A. – Eu sei que deixaste a vida profissional ligado à música e mesmo como professor para te dedicares a uma atividade muito interessante, aquilo a que nós podíamos chamar de alta-costura. Foi difícil para ti deixar profissionalmente a música ou o que é que achas?
H.A.B Tiago – Há vários momentos dessa mudança. Estava um bocado cansado de dar aulas, já dava aulas há muitos anos e eu sinceramente gosto e gostava muito de dar aulas mas, eu não sinto saudades de dar aulas, acho que foi uma fase da minha vida muito bonita, ensinei muita gente a tocar guitarra, muita gente de todo o lado. Quando te digo muita gente se calhar mais de 300 pessoas, dava aulas em muitas escolas desde os 18 anos e dei aulas em conservatórios e diversas escolas, dei aulas numa prisão, mas não sinto falta. E como músico profissional também não, nunca tive uma carreira de músico profissional e fazer muitos concertos, ou seja, em que só fazia estrada ou só fazia concertos, nunca vivi só disso. Por isso, continuo a fazer, mais moderado, mais controlado porque também temos dois filhos pequenos e escolhemos bem os sítios onde tocar e que seja mais ou menos próximo. Neste momento em que são pequenos, que nos permita deslocar, sair e voltar no mesmo dia. Não foi difícil, é um negócio familiar aquilo que estou a fazer agora, faço camisas por medida, faço imensas coisas. Esta fui eu que fiz, é nova, estou a estreá-la.
A. – Podes dizer, o atelier, onde é.
H.A.B Tiago – É a camisaria Machado, é um negócio de família, estou a aprender uma arte, a aprender o que o meu pai faz e a minha mãe, que é costura, que é feito manualmente, parte do corte até é feita à medida, e estou lá a ajudá-los e a fazer com que aquilo tenha futuro.
A. – Nota-se bem a diferença de qualidade da tua camisa para a minha.
H.A.B Tiago – Já te disse, sabes onde é que fica, tenho ali fita métrica, não era indireta, tenho a fita métrica só porque me esqueci de a tirar.
A. – Enquanto pais, a vossa família, os vossos filhos também influenciam o processo a nível de criação artística?
H.A.B Sara – Sim.
A. – Isto porque me apercebi ali no concerto de uma música muito direcionadas para eles, não só também para o resto da família, mas isso influencia enquanto pais?
H.A.B Sara – Claro que sim, por exemplo, na parte de escrever a letra das músicas para mim é bastante complicado escrever músicas que não são perto de mim. Eu acho que enquanto as nossas vidas mudam também está a mudar o nosso som, está a mudar tudo, a letra e mesmo a textura da música e tudo. Por exemplo, não sei como vai ser, como vai acabar o nosso novo disco, falo nisso como se já estivéssemos a trabalhar, mas vai acontecer e estamos a trabalhar, mas não sei como vai acabar, mas tenho mais ou menos a certeza de que vai soar bastante diferente que o primeiro porque já não somos as mesmas pessoas que éramos antes e as nossas experiências são diferentes. O que era importante antes já não é importante agora, não é que não é importante, só que já passou, já passou essa fase, estamos noutra fase e dito isso, quando cantamos e tocamos outras músicas e quando estou a cantar essa música e qualquer música que fala de, por exemplo quando nos conhecemos, a nossa história de amor, consigo voltar àquele sítio, aquele momento e sentir isso outra vez ou também como por exemplo “Digdin” quando canto essa música lembro-me perfeitamente daquele momento em que senti isso e volto àquele sítio. E é bom voltar e lembrar desses momentos de como éramos e conectar outra vez com o teu passado, mas as novas músicas claro que são, têm muito a ver com a fase em que estamos agora nas nossas vidas, tem muito a ver com as mudanças de ser, de repente éramos só os dois e de agora sermos quatro e o que isso significa para o casal e o que significa para, aquela sensação de amor profundo que tens pelos teus filhos, tudo isso tem muito a ver.
A. – Tiago como é que tu vês a cultura hoje em dia em Portugal?
H.A.B Tiago – Pergunta difícil. Na parte da criação ou na parte do contexto geral? Principalmente neste momento estamos a viver uma altura sui generis, não é?! Ainda não estamos a perceber muito bem o que é que está a acontecer, acho eu. Acho que estamos ainda a ver o que é que é isto. Por exemplo, amanhã tenho um concerto com outro projeto e na quinta-feira supostamente já não havia, depois já há outra vez. Acho que está toda a gente muito perdida, muito incerto, acho que estamos como tudo, não é só na cultura, mas a cultura acaba sempre por ser o reflexo da sociedade e acho que não há muito a certeza, principalmente para os profissionais da cultura, acho que há muita incerteza e muita insegurança, mas eu também vejo estas alturas como uma oportunidade. Espero, mas é assim, eu não sou daqueles que digo que isto é bom e que vão surgir coisas boas daqui, não. Isto é uma “porcaria” que aconteceu, que é muito mau mas eu tenho uma perspetiva, eu acordo de manhã com essa filosofia que é: acordo e vejo sempre o que posso tirar daqui de bom, neste dia. O que é que eu faço de bom na minha vida todos os dias? O que é que eu posso melhorar na minha vida, o que é que eu posso fazer de melhor? Agora o facto de as pessoas por exemplo estarem mais paradas, eu pensava que ia haver mais criação, mas acho que houve ali uma altura que não funcionou para todas as pessoas. Acho que de certa forma também o isolamento pode não ter ajudado na parte da criação para algumas pessoas, pode ajudar para outras.
A. – Aliás nós temos vários colegas que estão deprimidos, com problemas.
H.A.B Tiago – Mas não é só colegas de trabalho, acho que é em todo o lado, os problemas psicológicos vão ser graves.
A. – E como é que vês o papel do estado neste momento, neste tipo de gestão, partindo do princípio de que a área cultural é sempre uma área muito sensível e incerta, daquilo que tens de teu conhecimento, o que é que achas?
H.A.B Tiago – Eu acho que o papel do estado fica sempre aquém daquilo que deveria ser, sempre quando olha para a cultura. Não é só de agora, não é só neste preciso momento, já há uns anos tem sido um problema em Portugal, o investimento cultural é pouco, acho que é mal distribuído, muito centralizado e de difícil acesso. Quando digo de difícil acesso, por exemplo os apoios que há através do estado, do governo, da dgartes e por aí fora, é a minha perspetiva, posso estar errado, porque também nunca…
A. – Sim, para já tens liberdade para falares aquilo que quiseres, portanto… estás à vontade!
H.A.B Tiago – Tenho, porque eu não dependo, não sou profissional acho que às vezes sinto esse afastamento, dá-me uma perspetiva, não tenho receio de falar das coisas basicamente. Sinto que, realmente em Portugal as coisas, aquilo que eu vejo à minha volta, dos artistas, dos espetáculos, somos tão bons como os outros, somos tão criativos como os outros, tão profissionais como os outros. Por exemplo, eu falo da minha experiência em Espanha, os espanhóis, os galegos olhavam para Portugal como “os portugueses culturalmente são mais avançados do que nós, são mais avançados do que nós, têm coisas mais contemporâneas”, de certa forma eu sentia isso mesmo vivendo lá, porque eles têm muita ligação à cultura tradicional deles. A nível institucional dão muito apoio à parte do folk que é uma coisa que falta aqui.
A. – Aliás, eles têm uns cursos superiores de gaita-de-foles, música tradicional.
H.A.B Tiago – Aqui já se começa a ver o curso superior de guitarra de Coimbra, a guitarra portuguesa.
A. – Aliás o governo regional da Madeira lançou agora uma legislação, uma lei que vai permitir que a viola da terra, se não estou em erro, seja lecionada no ensino da música, no básico e no secundário acho que é muito interessante e vai fazer com que por exemplo, seja criado repertório. É isso que nos faz falta aqui em Portugal Continental e essa é a diferença com a Galiza porque eles desenvolvem muito bem essa questão.
H.A.B Tiago – Mesmo com a questão da Irlanda também. Eu não sei o que é que existe, existiu aqui na nossa terra, acho que os 40 anos de ditadura ou 50 não sei muito bem. Felizmente não vivi essa altura, mas influenciou muito a forma como nós olhamos para nós mesmos e lembro-me quando era miúdo o rancho folclórico era uma coisa que eu não queria, quer dizer, o que é isso rancho folclórico?! Tenho vergonha, não era uma coisa moderna, e agora olho para trás e pronto era miúdo, é normal. E tu notas lá, também existe lá na Galiza é evidente, mas agora o papel do estado a nível de proteção dos valores tradicionais e da passagem desse legado importantíssimo para nós conhecermos quem somos, de onde viemos e termos confiança em nós mesmos, para saber onde queremos ir, o papel do estado lá é muito mais bem feito do que é feito aqui. Aqui está-se a fazer um trabalho muito bom na criação contemporânea, mas está-se a esquecer esse lado, pelo que me parece, pelo menos aquilo que é visível. Pode também não haver interesse da população, que eu acho que já não há tanto que é uma pena, mas quando me perguntas e para responder um bocado à tua pergunta eu vejo a cultura perdida como está tudo neste momento, está muita coisa desorientada ainda não é?! Estamos todos um pouco perdidos à procura do que vai acontecer, mas espero que as pessoas pelo menos vejam isto como uma oportunidade de fazer alguma coisa diferente, até mesmo porque isto não está a funcionar, então vou mudar de vida. Eu sou uma pessoa muito mais equilibrada quando olho para a minha vida artística agora do que era antes, tenho um afastamento profissional suficiente para me dar oportunidade de usufruir muito mais daquilo que estou a fazer. Já não é um trabalho.
A. – Consegues ter um distanciamento que te permite fazer um conjunto de avaliações completamente diferente. Caríssimos amigos agradeço-vos imenso terem vindo cá às Clav Live Sessions.
H.A.B Tiago – Obrigado a ti Alberto.
A. – Só estou a tentar fazer o meu papel, portanto, este teu agradecimento claro que o aceito em meu nome e em nome de toda a equipa e sempre que vocês precisarem, como sabem, nós estamos por aqui de portas abertas sempre para vos poder receber a todos e a qualquer um de vocês. Até uma próxima.
H.A.B – Obrigado a ti e à tua equipa, muito obrigado.