Entrevista. João Ferreira: “Nunca gostei de olhar à minha volta e de ver injustiças e desigualdades”
Depois de Marisa Matias, Tiago Mayan e Vitorino Silva, João Ferreira é o quarto candidato às eleições presidenciais que se senta para conversar com Francisco Cordeiro de Araújo, coordenador do projeto Os 230.
Nasceu e cresceu em Lisboa, na zona de Alvalade. Relembra a infância e as escolas por onde passou; momentos que conta terem sido “felizes e despreocupados”, e onde “o tempo chegava para tudo”.
Diz ainda que foi durante a adolescência que começou a ganhar mais consciência social e política, muito devido às discrepâncias sociais em Lisboa. Embora descreva a cidade como “bela, única e cheia de luz”, não esquece de ser nas sombras da capital que existem “realidades diversas”.
Licenciado em Biologia, é nos tempos de faculdade que começa o seu percurso no Associativismo. É com entusiasmo que fala sobre a importância da intervenção cívica e coletiva e admite: “A coisa mais importante que retenho desses tempos [de faculdade] é o sentido do coletivo, o sentido do que podemos fazer aqueles que acreditamos no mesmo objetivo. Melhorar uma escola, melhorar um bairro, um país ou transformar a vida e o mundo. Aqueles que acreditamos no mesmo objetivo, se nos unirmos e organizarmos temos um enorme poder transformador”.
Concluiu a licenciatura no início dos anos 2000, e começou a trabalhar na área científica. Revela que enfrentou algumas dificuldades como trabalhador, nomeadamente a falta de um contrato de trabalho e dos direitos associados a esse contrato. Foi então que se tornou sócio fundador da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica, com o objetivo de “reconhecer os trabalhadores e atribuir-lhes todos os devidos direitos”. Trabalhou ainda durante uma década em áreas como a investigação e consultoria e diz nunca ter deixado “de aprender e contactar com realidades diversas”.
Relativamente às suas escolhas políticas, diz que percebeu que se identificava com o comunismo logo desde adolescente. Revela nunca ter gostado de ver as injustiças à sua volta, que sempre as achou “injustiças evitáveis”, e conta que foi aí que começou a “compreender a necessidade de modificar” as bases da sociedade: “Comecei a perceber que era necessário e útil ir aos fundamentos da sociedade e construir uma outra sociedade orientada toda ela para o bem-estar e necessidade de todos e não apenas de alguns poucos”, diz.
É também eurodeputado desde 2009, e reflete, com orgulho, em como contribuiu e tem contribuído para a Europa e Portugal, em temas como a defesa do ambiente, a prevenção de catástrofes ambientais, a valorização do papel da pesca nos países, entre outros.
Como candidato à Presidência da República, João Ferreira diz que uma das razões que o fez candidatar-se foi “os tempos difíceis que estamos a viver” com impactos não só na saúde, mas também no plano económico e social. Acrescenta ainda a situação pré-pandemia, que “já não era fácil”, marcada por um conjunto muito grande de problemas estruturais “que o país vinha arrastando há muito tempo”, como uma insuficiente capacidade de criação de riqueza, uma desvalorização dos serviços públicos, entre outros.
Em relação ao papel do Presidente da República, o candidato não tem dúvidas sobre qual o principal dever do presidente, que é também aquele que esta presente no juramento solene: defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição. “É necessário que aquele que ocupa as funções de Presidente da República leve muito a sério o compromisso que assume no momento em que toma posse”, defende. Acrescenta ainda que apesar deste juramento ser visto “como uma mera formalidade”, tem de ter um peso na intervenção do Presidente da República. “Há um Portugal que está por cumprir e há caminhos e soluções que estão inscritos na lei fundamental do país”.
Questionado sobre se sentia algum preconceito para com a sua candidatura, João Ferreira diz ter tentado sempre “afirmar a candidatura pela positiva” e apesar de existirem sempre preconceitos, sente que tem sido possível vencer alguns deles “a partir do tipo de princípios e valores que defende”.
Perguntas do público
Mas o que pensa João Ferreira sobre Portugal no pós-Covid 19? O candidato vê a possível necessidade “de relançar um país, fazendo-o através de novas bases”. Diz ainda que Portugal vai enfrentar problemas econômicos graves e que precisa de depender “menos do exterior”, e por isso “criar mais riqueza e produzir mais” através da elevação dos salários, da promoção de um desenvolvimento econômico articulado e da preservação dos recursos naturais.
E como é que a igualdade cria desenvolvimento económico? O candidato diz: “a igualdade é uma condição de desenvolvimento. Os países com menores níveis de desigualdade são países mais desenvolvidos”, e acrescenta “O desenvolvimento tem haver não só com a criação de riqueza, mas também com a forma como se distribui essa riqueza no seio da sociedade. Para mim não há desenvolvimento, sem igualdade”.
As escolhas do candidato à Presidência da República
Na segunda parte da entrevista, João Ferreira respondeu a perguntas de carácter mais dinâmico. Entre várias questões, ao ser questionado sobre qual o melhor Presidente da República, o candidato não tem dúvidas que o melhor presidente ainda está por vir.
E, enquanto PR, haveria algum líder mundial com o qual se recusaria encontrar? Como Presidente e na defesa dos interesses do país e do povo, o candidato não hesita em dizer que se encontrava com quem quer que fosse, sempre em prol dos interesses da população.
Quanto a escolhas mais práticas, entre humildade e ambição, João Ferreira diz que sempre procurou ter uma postura de humildade, principalmente “no saber e no conhecimento”, embora não que abdique da ambição de procurar saber cada vez mais.
O povo é a figura histórica coletiva que mais o inspira, devido às notáveis transformações e realizações que “o nosso e outros povos foram capazes de fazer ao longo da história”. E se havia alguém com quem quisesse almoçar e que nunca teve o privilégio de o fazer? O candidato não disse nomes, mas afirma que se pudesse almoçar com alguém seria a família, com quem não tem conseguido estar devido à campanha eleitoral.
Entres cães ou gatos, campo ou cidade, liberdade ou segurança… são várias as questões que foram colocadas a João Ferreira e que pode ver na entrevista completa, já disponível em todas as plataformas.
Por fim, João Ferreira deixa uma mensagem aos portugueses: “Está nas mãos de cada um e de todos coletivamente, forçar as mudanças que desejam para as nossas vidas e que cada um deseja para a sua vida. Está nas mãos de cada um, construir um país diferente, um país que estando por cumprir existe, em grande medida, nas páginas da nossa lei fundamental, mas que não é ainda uma realidade. Se nos juntarmos, se nos unirmos, se nos mobilizarmos em torno desse projeto de desenvolvimento, certamente conseguiremos construir esse país.”
Entrevista escrita por Daniela Fernandes Costa