Entrevista. João Paulo Miranda: “O Cinema precisa de voltar a ser uma arte revolucionária”

por João Estróia Vieira,    7 Outubro, 2020
Entrevista. João Paulo Miranda: “O Cinema precisa de voltar a ser uma arte revolucionária”
João Paulo Miranda / DR
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Por ocasião desta edição do Curtas de Vila de Vila do Conde temos o regresso de João Paulo Miranda, depois de “A Moça que dançou com o Diabo”, exibido na edição 2017, e desta vez com a sua primeira longa-metragem, “Casa de Antiguidades”, que depois de passar na abertura tem nova exibição neste sábado, dia 10, às 21h45.

“Casa de Antiguidades” teria feito parte da selecção oficial Cannes 2020 (esteve agora em San Sebastián) e reflecte sobre um Brasil que não consegue escapar aos conflitos que são também tão comuns além fronteiras. O Cinema como activismo no debate pelo racismo, pela exploração do ser humano e a ascensão de movimentos fascistas.

Esta Casa de Antiguidades é a sua casa de Memórias ou é “apenas” mais uma Casa contemporânea num Brasil actual?
Tudo começou num sonho: Eu, velho, vendo uma Casa abandonada com pertences antigos meus misturado à outros objetos que pertenciam à memória de outras gerações antes de mim… Assim comecei a escrever o roteiro de Casa de Antiguidades, sobre uma casa que esconde nosso passado longínquo, assim traumas, ranços e antiguidades que não mais deveriam se encaixar nos dias de hoje, porem persistem à voltar. Realmente assim está o meu Brasil, perdido num tempo, onde uma forte onda conservadora toma à politica e a sociedade. Casa de Antiguidades representa este Brasil actual.

No filme o personagem principal é negro em tempos onde os movimentos racistas perderam a vergonha e se sentem legitimados por líderes políticos e idoso, numa altura de pandemia mundial onde essa característica o colocam num grupo de risco. É coincidência ou é uma maneira do filme falar com a actualidade?
Sim vivemos num momento, onde no Brasil e acredito que alguns outros lugares pelo mundo, estas “antiguidades” estão voltando como montros que estavam escondidos. No roteiro nunca havia descrito meu personagem como um “homem negro” mas como um brasileiro rústico com o peso da Historia de um país nas costas. Sempre imaginei Antonio Pitanga, a Historia do Cinema Brasileiro em pessoa. Porem o filme encontrou este mundo de hoje, do COVID, do assassinato de George Floyd, de Bolsonaro e cia…. O filme é uma reação natural à tudo isto, mas na verdade o meu personagem é aquele que enfrenta todo tipo de Intolerância; desde o machismo, a xenofobia, fascismo e inclusive o racismo. 

Encontram-se algumas semelhanças deste Casa de Antiguidades com Bacurau, de Kléber Mendonça Filho, como o estilo quase western, a exploração do nativo e a “localização” como um dos grandes protagonistas do filme. Foi uma das suas inspirações?
Ja estava à filmar meu filme quando lançou “Bacurau”, na verdade o filme de Kleber que mais me inspirou foi o seu “Som ao Redor”! Agora a relação entre os dois filmes sinto que é mais a sensibilidade, que nós artistas, percebemos nosso país e a forte necessidade de reagir de alguma forma através do Cinema. Esteticamente temos diferenças, mas os filmes lutam por causas próximas. Acredito que estamos vivendo um momento onde o Cinema Brasileiro mostrará cada vez mais sua força e enfrentará este retrocesso actual.

Para conseguir fazer este filme teve de recorrer a financiamento extra-Brasil, como por exemplo do mercado francês. Qual é neste momento o estado do apoio do Governo brasileiro à Cultura?
Atualmente está muito delicado, onde nao vemos continuar os investimentos como antes. Temos a sensação que aumentam a burocracia e atrasam pareceres para impedir os projetos, criando maneiras cruéis de prejudicar o Cinema Brasileiro. Temos a sensação de sermos os inimigos do estado atual. Nem na Ditadura havia um governo que agia contra os artistas como agora. O meu longa conseguiu inicialmente apoio estrangeiro, via Hubert Bals e CNC; e apenas num ultimo momento veio o apoio brasileiro. Vejo que as próximas produções terão muitas dificuldades e teremos que ter muita criatividade para viabilizar de outras formas.

Acredita no CInema como forma de activismo social? Quão importante é a arte e a cultura numa altura tão conturbada por conflitos como é a actual?
O Cinema precisa voltar a ser uma arte revolucionaria, no sentido de trazer fortemente as questões sociais e uma linguagem própria, inovadora. Lembro das grandes vanguardas pós segunda guerra na Itália, ou mais tarde o Cinema Novo no Brasil ou a Nouvelle Vague na França. Acredito que são momentos de crise que surgem as grandes revoluções nas artes. Agora é a hora de pensarmos qual será o Cinema de amanhã e provocar uma forte mudança na nossa sociedade. Não podemos continuar pensando que cinema precisa “agradar” como um entretenimento, ele precisa acordar seu publico, o provocando à agir.

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