Entrevista. Marina Sena: “Tudo o que eu fizer vai ser a parte da visão de uma pessoa que veio do Brasil profundo”
Marina Sena é um dos nomes da música brasileira do momento. Depois de um sucesso surpresa com o single “Por Supuesto” e o primeiro disco, De Primeira, Marina não tardou em anunciar um novo trabalho. Vício Inerente — que rouba o nome ao filme de Paul Thomas Anderson, um dos favoritos da cantora — saiu no passado dia 27 de Abril e funde pop, electrónica, sub-géneros do hip hop e géneros tão brasileiros como o pagode ou o funk mineiro — numa homenagem à origem de Marina, que nasceu e cresceu no estado de Minas Gerais. O álbum foi produzido por Iuri Rio Branco, produtor nomeado para dois Grammys Latinos e namorado da artista, e conta ainda com a participação de Fleezus, na faixa “Que Tal”.
Se o seu 2022 já foi ocupadíssimo com concertos de apresentação um pouco por todo o lado (incluindo Portugal), 2023 avizinha-se ainda mais agitado. Dia 13 de Maio começará mais uma tour europeia em Braga, que passará por Paris, Barcelona, Berlim, Dublin, Londres e terminará em Lisboa. Marina Sena está sem tempo a perder na conquista de um lugar cimeiro na pop brasileira (quiçá mais além). Os mais atentos já estão a ceder ao vício.
A cantora respondeu às questões da Comunidade Cultura e Arte sobre o novo disco, as suas origens, São Paulo, da sua ética de trabalho e muitos outros temas.
O que diferencia principalmente os teus dois discos?
Eu acho que o que diferencia mais é o processo criativo. Porque, no De Primeira, o processo foi bem introspetivo — eu com o violão — e o processo com o violão é bem específico. Quando você compõe no violão, a música é diferente, ela tem um carácter ali “violão”, sabe? E no De Primeira, todas as músicas foram feitas no violão e depois produzidas. No processo do Vício Inerente foi diferente, foi já compondo e produzindo ao mesmo tempo. Aí minha voz já estava ali dentro da tecnologia, já estava com outra sensação na voz, outra sensação até no próprio corpo, para compor, porque a postura é outra. Então é outro jeito de se expressar.
O Vício Inerente está mais ancorado na pop, electrónica e rap que os teus trabalhos anteriores. Sentes que conseguiste manter alguma brasilidade? De que forma?
Com certeza! Absolutamente tudo o que eu fizer vai ser brasileiro. Porque eu sou uma pessoa extremamente brasileira, que vim do interior do Brasil. E então tudo o que eu fizer vai ser a parte da visão de uma pessoa que veio do Brasil profundo. Absolutamente tudo: minhas melodias, meu jeito de compor… é completamente brasileiro, completamente tudo que qualquer brasileiro já ouviu, independente da timbragem que tenha isso. Eu acho que o Brasil também é moderno, o Brasil também é tecnológico. O pop também é brasileiro, o pop também é Brasil, sabe? Às vezes fica parecendo que o Brasil é só uma coisa crua, só quando é cru é Brasil… mas não, o Brasil é extremamente moderno, é extremamente antenado com as linguagens do mundo inteiro. Então eu acho que a gente pode utilizar de qualquer sonoridade, assim como qualquer um.
Quais são os temas sobre os quais mais gostas de cantar?
O tema que eu mais gosto de cantar é sobre amor, independente da forma. Seja em forma de tesão, seja em forma de um amor longe, um amor perto… vários tipos de amor, várias sensações que o amor pode te dar.
Quais foram as inspirações para a estética do disco e dos visuais que o acompanham? Já ouvi falar em “cyberpunk tropical” e lembra-me também a estética da pop do virar do século.
Quando a gente foi fazer a capa e toda a identidade visual do disco e a gente chamou o Miguel [Mello], diretor criativo, o que a gente passou para ele foi que eu sou uma menina do norte de Minas, fui morar em São Paulo e tive acesso a muitas culturas, muitas coisas… E aqui é a cidade de pedra do Brasil, né? Eu fiquei morando na cidade grande, a minha visão são prédios, mas eu continuo sendo uma menina do norte de Minas, que ainda busco o tempo inteiro a minha conexão com as minhas emoções, que estão basicamente baseadas na minha relação com o norte de Minas, na minha relação com o interior. Eu passei isso para ele e ele trouxe isso na capa, que é essa visão da cidade grande, essa visão de prédios, mas a concha no ouvido representa essa conexão com as próprias emoções e com a música, né? Porque a concha tem essa coisa de ouvir o som do mar, tem a relação com o som, com a música… Como estar nesse ambiente todo, no ambiente da fama e da cidade grande, e continuar conectada com as minhas emoções, continuar conectada com o som e continuar conectada com a música? E aí foi isso a ideia da capa.
Tiveste tempo para descansar entre os dois discos?
Não tive tempo para descansar e eu não sei quando que eu vou ter tempo. Eu não sei quando que eu vou descansar, acho que só daqui a 10 anos eu vou descansar [risos]. Não, mentira, eu quero descansar. Depois do Vício Inerente… Agora, eu vou fazer bastantes shows e fazer tudo o que tem para fazer com ele e depois eu acho que vou dar uma descansada. Mas não sei, uma descansada de um mês… [risos] No máximo!
Sentiste pressão para editar um segundo disco mais depressa para cimentar a tua relevância na pop?
Não, eu senti necessidade de lançar um segundo disco porque eu tinha muita música e eu queria lançar. Para mim funciona assim, para mim lançar música tem a ver com a demanda criativa que eu estou tendo. Se a minha demanda criativa é alta, se eu crio muito, eu preciso de lançar muito. Se eu crio pouco, eu lanço pouco. Mas, se eu parar de criar, eu paro de lançar. Basicamente é isso!
Tens a intenção de apontar aos mercados de música internacionais, eventualmente?
Com certeza! Eu acho que minha música tem total potencial para chegar em qualquer lugar do mundo, justamente porque é uma música extremamente brasileira, mas que conecta com a sonoridade do mundo inteiro, porque a gente utiliza das tecnologias assim como qualquer pessoa do mundo. Então eu acho que a gente tem total possibilidade de acessar.
Como tem sido viver em São Paulo?
Eu amo viver em São Paulo porque eu acho que aqui é essa nossa conexão com o mundo, sabe? É essa cidade brasileira que conecta a gente com o mundo inteiro. Acho que está pau a pau com a maioria das capitais do mundo em acesso a cultura, a culturas diferentes, a vários tipos de comida, vários tipos de pessoas… e não só pessoas do mundo inteiro, mas principalmente pessoas do Brasil inteiro, você vê pessoas de todos os estados aqui, você conhece gente de todo o tipo. E todo o mundo correndo atrás do sonho, todo o mundo querendo trabalhar, todo o mundo muito empenhado em fazer as coisas acontecer. Eu amo São Paulo. Eu amo a noite de São Paulo, eu amo a comida de São Paulo, o atendimento de São Paulo, eu amo, nos restaurantes e essas coisas… a mobilidade de São Paulo também adoro, o metrô… é tudo maravilhoso! Óbvio que tem todas as dificuldades de uma cidade grande, e ainda mais no Brasil, mas a parte boa é muito boa. A parte ruim é ruim, mas a parte boa é muito boa.
De que forma tentas manter-te ligada às tuas origens em Minas Gerais?
Eu acho que o tempo que eu vivi em Minas, que foi a maior parte da minha vida e a parte onde eu estava formando minha personalidade, foi essencial para manter isso para o resto da minha vida. É igual quando você leva para a terapia, tudo volta para o lugar onde você nasceu. É isso, eu sempre volto para o lugar onde eu nasci. Meu umbigo está enterrado lá, então eu sou mineira para sempre.
Tanto na tua música como na forma de agir transmites muita autoconfiança. Sempre foste assim?
Eu acho que a única coisa que a gente tem é a nossa autoconfiança. Eu, especialmente, a única coisa que eu tinha a princípio era a minha autoconfiança, porque eu não tinha muitas ferramentas para fazer as coisas acontecer. A minha única ferramenta era meu talento e minha autoconfiança.
O que pode o público português esperar dos teus próximos concertos?
Eu estou indo com minha nova turnê do Vício Inerente. Eu canto todas as músicas do Vício Inerente e canto algumas músicas do De Primeira. Então vai ser um show bem emocionante, a gente preparou uma nova turnê bem legal, bem conectada com a linguagem do disco… Acho que as pessoas vão amar muito!
Marina Sena atua no Theatro Circo, em Braga, a 13 de Maio, e no Cineteatro Capitólio, em Lisboa, a 21 de Maio.