Entrevista. Moisés Ferreira: “Quando se diz que os políticos são todos iguais é meio caminho para isto não correr bem”
Na 10ª entrevista divulgada pelo projeto Os 230, o fundador da iniciativa, Francisco Cordeiro de Araújo, conversa com Moisés Ferreira, deputado do Bloco de Esquerda (BE). Em cima da mesa estiveram temas como a legalização da canábis para fins recreativos e a saúde mental, numa conversa onde descobrimos um pouco mais sobre o deputado além do mundo da política. No final, Moisés Ferreira deixa claro que a ideia de que os políticos são “todos uns clones uns dos outros” não corresponde à realidade e apela à intervenção dos cidadãos no mundo da política.
Com 34 anos de idade, Moisés Ferreira nasceu em São João da Madeira, no distrito de Aveiro, período que recorda durante a entrevista. “Ainda tive o privilégio de poder jogar futebol, ou dar pontapés na bola, na rua (…) ou até de sair à noite e saltar o muro da escola primária para ir jogar futebol”, conta, admitindo que a realidade atual pode ser diferente.
Dos campos de futebol para a Psicologia, o deputado do BE explica a razão de ter escolhido essa área, já no secundário: “pareceu-me interessante perceber pontos de vista que, por vezes, são muito diferentes daquilo que é o normativo”. No entanto, garante ter seguido Psicologia com a ilusão de que, para se ser profissional nesta área, era necessário ter uma “mente aberta”. Mas, a verdade, “é que não é sempre assim”.
“A Psicologia consegue ser, em muitos momentos, uma ciência de vanguarda, do ponto de vista de compreensão dos comportamentos que, durante muito tempo, foram incompreendidos, mas não fica nunca desligada do contexto cultural”. No entanto, e fazendo referência ao facto de a homossexualidade já ter sido considerada uma doença em Psiquiatria, “às vezes também confere um carácter de cientificidade a preconceitos que não são propriamente científicos, mas sim socioculturais”.
Apesar de tudo, o deputado eleito pelo círculo eleitoral de Aveiro considera que a compreensão da mente tem vantagens na vida política. Recusando a ideia de “bola de cristal”, Moisés Ferreira fala numa melhor capacidade de “tentar interpretar e perceber o ponto de vista do outro, independentemente de concordar ou não”. E, isso, defende, não só num debate com ideias diferentes, mas até na assimilação de situações concretas de cada pessoa.
Numa entrevista onde fala sobre parte da sua experiência profissional, o deputado do BE explica ainda a importância de ter sido formador para a inclusão com populações excluídas. “Acho que aprendi mais com esta experiência de vida do que propriamente eles comigo, mas espero que também tenha contribuído com algo”, afirma.
Em cima da mesa, Moisés Ferreira coloca a questão da falta de acesso ao mercado de trabalho que corresponde também a uma falta de identidade social. “De repente, as pessoas ficam sem acesso a redes sociais, objetivos e status social, já que o trabalho estrutura as nossas relações, os nossos horários de vida… É o que nos dá o rendimento mas é também o que nos dá o status”.
Assumindo ter uma visão classista da sociedade, o deputado do BE considera que o conflito que existe na sociedade se baseia entre aqueles que concentram a riqueza e os que mais pobres. E, assumindo que o conflito também permite avanços na sociedade, Moisés Ferreira escolhe o lado daqueles que estão mais “abaixo”, acreditando ser capaz de se melhorar as suas condições de vida. “É possível serem os proprietários do seu próprio trabalho e da sua própria riqueza e não serem os que estão na mão de baixo”, defende. Mas será isso pacífico? Não. “Quem está em cima não quer sair daí, mas, para haver uma justiça social, isso tem de ser equilibrado”, afirma.
Porquê o Bloco de Esquerda e o que pensa sobre a legalização da canábis para fins recreativos?
“Perante a minha experiência de vida não podia ser de outro partido que não fosse de esquerda”. Como conta Moisés Ferreira, os seus pais foram operários e “seria estranho se eu não achasse que eles deveriam ganhar mais do que aquilo que ganhavam, apesar de trabalharem horas infinitas”, num ambiente familiar onde cedo percebeu que a “pobreza é uma realidade”.
Com o partido a nascer em 1999, foi por volta do ano 2000 que Moisés Ferreira decidiu que o BE era o seu partido. Mas porquê o Bloco? Entre as várias razões, destaca, por exemplo, o facto de ser um partido que não recorria a “linguagem do politíquistica”. “Era um partido de pessoas como eu”, garante, numa altura em que tinha cerca de 15 anos.
O deputado faz ainda referência ao facto de, na altura, ter surgido um partido que tinha coragem de colocar na agenda assuntos fora da esfera da economia ou da fiscalidade, como, por exemplo, questões relacionadas com a emancipação da mulher.
É neste contexto que a lei da utilização da canábis para fins medicinais, já aprovada mas ainda não em prática, foi um dos assuntos abordados. O que a lei define é que a canábis pode ser usada em fórmula de medicamento ou através de substâncias e preparações à base da planta, como por exemplo, óleos. Ainda assim, o BE acredita que a lógica de permitir também que fosse fumada iria ter vantagens para os utentes. Moisés Ferreira aponta, por exemplo, o facto de “poder ser mais facilmente acessível do ponto de vista do utente, com vendas na farmácia”.
Quanto à questão da defesa da utilização da canábis para fins recreativos, o deputado do BE fala numa atual “hipocrisia da lei”: “consumir canábis não é crime, mas se houver uma venda ou cultivo já é”. Por isso, Moisés Ferreira garante que “se a pessoa não pode vender nem comprar porque quem vende, supostamente não o pode fazer, então, de alguma forma, incentiva-se a pessoa a cometer o crime, não pelo consumo mas pelo acesso”.
Neste contexto, o deputado do BE faz referência a vários problemas que surgem com esta realidade, tanto para a pessoa que é utilizadora como para a sociedade no geral. Moisés Ferreira fala, por exemplo, da inexistência de controlo de qualidade do produto, o que pode prejudicar seriamente a saúde dos portugueses, e das redes criminosas que vendem canábis.
“A solução é legalizar com controlo de qualidade e garantir uma regulamentação forte sobre aquilo que pode ou não pode ser vendido”, defende. Desta forma, e considerando que as pessoas vão sempre consumir, “se for legal consomem dentro da segurança que é possível garantir”.
A tributação coloca-se, assim, em cima da mesa, com o deputado a falar na possibilidade de o valor reverter para ações de prevenção ou dissuasão. Ainda assim, Moisés Ferreira destaca algo que considera ser mais importante: “garantir que o preço de venda nas lojas é sempre inferior ao preço médio do mercado ilegal, para garantir que as pessoas não têm algum incentivo para ir a esse mercado”.
Durante a entrevista, Francisco Cordeiro de Araújo introduziu ainda o tema da saúde mental, com Moisés Ferreira a não ter dúvidas do que está a faltar: “vontade política não vem de agora. “A saúde mental sempre foi associado a um estigma, havendo uma vontade de colocar este tema para debaixo do tapete e esconder, e, politicamente, também se assimilaram essas más práticas”.
No entanto, Moisés Ferreira mostra-se bastante descontente com esta situação. “Tendo a doença mental uma expressão tão grande do ponto de vista negativo em Portugal, não faz sentido que por 20 milhões de euros se continue a adiar a implementação do plano”, defende.
“Verão Quente de 1975”: as escolhas do deputado do BE
Na segunda parte da entrevista, Moisés Ferreira é questionado sobre os “mandamentos” da sua vida e, no final, o deputado garante que se tenta pautar por bons valores: ser humilde e honesto, mesmo nos argumentos políticos.
Numa conversa onde é desafiado a destacar as diferenças entre um partido nacional socialista alemão e um regime como o Estado Novo, Moisés Ferreira considera que, na raiz, têm mais semelhanças do que diferenças. “As diferenças serão muitas vezes em relação ao contexto da tomada de poder”, considera.
Quanto a dilemas, o deputado não consegue escolher entre Jorge Palma e Sérgio Godinho, ambos artistas com quem, admite, gostaria de ter a oportunidade de almoçar. Entre Nicólas Maduro e Benjamin Netanyahu, a decisão também não é possível, com a tarefa de optar pelo sonho e a realidade a ser mais facilitada.
Moisés Ferreira desvenda ainda o que se vê a fazer quando deixar de ser deputado, mas garante que a vida política vai estar sempre presente. Restaurar móveis é uma das possibilidades em cima da mesa.
Admitindo que os portugueses estão desconfiados sobre os políticos, e, em alguns casos, a terem razões para isso, Moisés Ferreira defende que não são todos iguais. É também neste contexto que deixa uma mensagens aos portugueses, destacando a necessidade de não considerarem que os políticos são “todos uns clones uns dos outros”. “Quando se deixa a intervenção política na mão dos outros, e quando se diz que são todos iguais, é meio caminho andado para isto não correr bem”. Por isso, conclui com uma missão clara: “vamos todos intervir já que isso é meio caminho para isto correr melhor”.
Artigo escrito por Ana Filipa Duarte, colaboradora do projeto Os 230.