Entrevista. Murta: “D’Art Vida é a minha ingenuidade e a minha inocência, procurar sensações e espalhar a mensagem da melhor maneira”
Francisco Murta ainda agora chegou ao mundo da música mas a sua ambição pressagia um futuro recheado de conquistas, e é uma valência à qual não conseguimos ficar indiferentes. Não é só com a sua bonita voz que Murta consegue cativar, a sua cadência entusiasmada e cérebro a disparar ideias tornam necessária e bem-vinda a atenção que merece que lhe dêem.
A sua versatilidade culmina no álbum de estreia, D’Art Vida. Com selo da Universal Music, o seu primeiro longa-duração mostra-o no centro dos temas mas também por trás, na mesa de produção, auxiliado por nomes como Charlie Beats, 54STUDIO e Twins. O projecto catapultou-o de estatuto de mais um artista a passar pelo The Voice para ser o artista pop a observar nos próximos tempos. A Comunidade Cultura e Arte sentou-se à conversa com Murta para discutir o seu processo criativo e o que influencia esse método, bem como a transição das canções do estúdio para o palco e o futuro do formato físico da música.
És uma pessoa que respira música, que está constantemente a pensar na próxima ideia para uma melodia. És muito influenciado pelo que vês/ouves no teu processo criativo ou é mais inconsciente?
Acho que é uma mistura dos dois. Utilizaste bem o termo, estou sempre à procura da próxima melodia, e o que eu faço é retirar um bocado de tudo o que eu estou a ouvir no momento. Da mesma maneira que o trap é um estilo que já está a assentar bué, porque o pessoal quer ouvir pop com aquele cheirinho de trap, eu misturo outras coisas. Mas lá está, também pego um bocado no trap. Neste momento específico já não, mas eu estou a lapidar um projecto que há-de sair no futuro que tinha mais essa sonoridade, culminou quando eu estive a ouvir algo que nem sei explicar, era tipo punk jazz, tipo King Krule. Tem aquelas guitarras mais choradas, mais depressivas e grandes beats e tem mais a ver com que eu estava a sentir no momento. Portanto, influencia tudo o que eu estou a ouvir, o que eu sinto, é muito isso. Eu sou capaz de ver um filme e independentemente da época eu consigo reproduzir uma música naquele contexto visual, naquele sentido. Faço um bocado de tudo.
É sabido que não gostas de te restringir a uma só arte. Quem é que são as tuas principais influências para a arte no geral e não só na música?
De forma geral, em termos de pessoas não acompanho muito, não vejo vidas e personagens. Mas consumo muito o que me dão, aprecio muito, sou muito atento nesse sentido. A [arte] que eu consumo mais é a arquitectura. A mensagem que passam certas formas. Não tenho grandes bases mas consigo dizer que edifícios aqui em Lisboa é que me fascinam mais. E depois também há a pintura. Sou bué fascinado com o tipo de linguagem do [Salvador] Dalí. Ele tem uma curta-metragem com o Walt Disney que se chama Destino que começou por ficar só no papel, e depois reviram o material e montaram uma curta com o que ficou perdido. É lindo e é das coisas mais bonitas que eu já vi de animação, mesmo do fundo do coração. É o Dalí, e em termos de animação o Walt Disney. Depois gosto bué de cinema, adoro. A minha namorada é muito mais de ir ver os comentários no final dos filmes, a querer perceber tudo o que lhe falhou. Eu penso de maneira diferente que é “se eu não percebi nem mereço perceber!” [risos], tenho de interpretar aquilo como eles explicaram. Mas eu gosto de apreciar a intenção que se dá a um plano numa cor e com algo a passar atrás, e as mensagens subliminares. E depois também gosto bué de design de marcas. Adoro maneiras de passar a mensagem.
O teu nome faz parte dos créditos de produção de D’Art Vida. Vês-te como produtor para ti ou achas que serias capaz de o fazer para outros artistas?
Já pensei que era só para mim, achava bué isso. Mas agora não, quero muito fazer para outros e estou a investir nisso. Quero começar a mandar sons produzidos por mim, tenho essa vontade.
Há algum artista com quem estejas a trabalhar ou com quem gostavas de trabalhar?
Tentei mandar o barro à parede – e por acaso correu bem – com o Ady Suleiman, é um dos meus artistas preferidos e esteve cá agora. Eu estive pessoalmente com ele, falámos disso inclusive e ele disse “sure, bro, send me the beats”. Deu-me o seu email pessoal e pronto, estou agora a acabar, quero-lhe mandar uma mashup de vários beats para ele aproveitar, para não ser só um beat à toa.
Mas nesse caso estás a fazer uma coisa que foi o teu trabalho ou o teu trabalho já um bocado direccionado para ele?
Fui eu a fazer o meu trabalho a perceber que poderia ser direccionado para ele. Eu tinha dois beats em que pensei “o Ady podia entrar bem aqui”, mas que começaram para mim. Na verdade, começam sempre para mim. Eu começo sempre a fazer coisas, e a maior parte vai para mim.
O teu álbum de estreia foi editado numa editora major. Sentes alguma pressão por as coisas terem acontecido desta forma? Como tens uma máquina de trabalho mais forte por trás poderias sentir que tem de ser tudo perfeito e estar no ponto.
Para mim tem tudo de ser sempre perfeito, por isso nesse aspecto não influencia. Mas sem dúvida que estar numa major é importante. Mas eu ainda nem sei o que é que eu quero fazer musicalmente. Como podes ver, o meu álbum não é só de uma cor. O segundo já vai ser porque acho que já estou mais maduro como artista, musicalmente estou mais adulto e sei organizar melhor os meus pensamentos (apesar de estarem todos desorganizados!). Mas o primeiro é a minha ingenuidade e a minha inocência, procurar sensações e espalhar a mensagem da melhor maneira. A pressão que tenho é porque é uma equipa que está a trabalhar comigo e que eu não quero deixar mal, e quero-lhes dar o melhor trabalho possível para eles promoverem e para crescerem. Mas musicalmente não sinto. É mesmo fixe eu poder perguntar-lhes sobre tudo. E se há razão mais forte para eu ter decidido assinar com a Universal, foi para aprender a fazer e para perceber como é que funciona. Agora já sei trabalhar em estrada, já sei envolver-me em tudo. Se quiser uma mix ou um master, eu sei como é que se fazem as coisas. E isso é muito importante, também para poderes dominá-las melhor, e dominar o “mercado”.
A edição física do teu álbum conta com uma folha com sementes de margaridas amarelas para quem comprar o álbum as poder plantar. Sentes que numa era cada vez mais virada para o streaming e para o abandono do formato físico, é através dessa personalização que os artistas se vão destacar?
Nos Estados Unidos faz-se bué isso. Tiveste o DJ Khaled com o álbum dele e com uma bebida energética. Eles estão a fazer várias coisas para puxar a venda dos álbuns. Eu não fiz por isso, fiz porque queria convidar os fãs a darem vida também, da maneira mais directa possível. Semear uma flor, cuidar dela, vê-la crescer e tratar dela todos os dias, isso é dar vida. É uma planta, é literalmente vida! Então achei bué interessante, foi por causa da minha namorada, é uma Margarida também [risos]. Foi mesmo para incluir as pessoas, para lhes mudar a mentalidade. Não vais mudar o mundo ao plantar uma margarida, mas se calhar vais-te tornar mais sensível, vais começar a dar mais atenção à algumas coisas. Porque se tu te distrais pode murchar, pode morrer à sede, tens de tratar da flor, e isso pode mudar a maneira como vês as coisas. Era nesse sentido. Imagina, quinhentos álbuns espalhados pelo país, eu imagino os pontos de venda e imagino uma flor aqui, uma flor ali. É bonito pensar nisso, ligar as pessoas dessa maneira, acho que faz sentido pensar assim.
Achas que ainda há lugar para o CD nos próximos dez anos de música?
Acho que tem acontecer alguma coisa para isto mudar, como está a andar é para não haver CDs daqui a dez anos. Uma coisa que me deixa triste é os carros [novos] já não terem leitor de CDs, é um claro aviso e uma clara pista de que o futuro não vai querer ter CDs. E é triste porque eu dou muito valor. Tu entras no meu carro e a portas estão cheias de CDs, o porta-luvas também, eu adoro CDs! É uma obra-de-arte, é uma peça de arte, é a cor, a textura, o que vem lá dentro – que no meu caso é uma margarida. O CD tem a sua footprint, e é tudo fixe, tu tens de avaliar tudo. Quando vais a uma exposição de pintura tu estás a olhar para o quadro e não olhas só para o rebordo da moldura, tu olhas para tudo. Comparando directamente com o quadro, eu posso imaginar um álbum físico como uma moldura, algo que suporta a arte que lá está dentro.
Andaste a tocar o álbum antes de sair. Agora que está cá fora, mudou alguma coisa nos concertos?
Só tive um, e é pena, porque curti bué! Houve músicas que o pessoal já sabia e eu não estava à espera, isso sem dúvida que fez a diferença. É lindo perceber que já sabem, porque já podem saber, antes não podiam. Mas o espectáculo está montado para que se não souberes também poderes cantar, temos de saber agarrar as pessoas e eu estive a dar concertos sem o álbum. Os fãs sabiam que eu tinha o álbum mas não tinham maneira de ouvir. E agora já podem, e é bom, e sente-se que foram ouvir, sem dúvida. No Super Bock em Stock foi brutal, foi mesmo bom. Primeiro concerto com pessoal sentado e foi muito positivo, gostei bué.
Passar as músicas de estúdio para versão ao vivo foi difícil?
Não, porque tenho um boss, o mestre Twins, que montou o espectáculo de uma maneira perfeita. Ele apresentava a ideia e depois nós moldávamos da melhor maneira possível para nós como banda, mas ele é que foi a cabeça e foi inacreditável. Ele montou o espectáculo sem qualquer problema, com a experiência dele conseguiu fazê-lo facilmente. E correu muito bem, agora estamos nomeados para Best Live Performance dos Iberian Festival Awards. E isso é bom, porque eu acho que sou buéda forte ao vivo, e é fixe o pessoal já estar a reconhecer. E ainda por cima foi a minha actuação do Côa [Summer Fest] que foi nomeada, que foi a primeira actuação do projecto! E isso demonstra bem o nosso trabalho, nós trabalhamos é para isso.
Descreveste o teu percurso como “agora sei qual é o palheiro mas ainda estou à procura da agulha”. Agora que já descobriste o palheiro, vais-te sentindo cada vez mais próximo da agulha?
[Risos] Não, não estou mesmo. Na verdade não é uma coisa fácil porque apesar de estares no palheiro, cada vez que cresces um bocado mais percebes que se calhar estás à procura no lado errado do palheiro, porque vais dando valor a outras coisas ou por causa de coisas que te acontecem. O que eu quero dizer é que eu acho que ainda estou muito disperso nesse sentido e isso inquieta-me bué. Há pouco tempo tive uma conversa com um músico que eu gosto bastante, o Fred [Martinho], guitarrista dos HMB, e ele disse “essa inquietação é a dádiva e a maldição, e nunca vai acabar”. E agora eu penso muito nisso. Eu acho que não vou conseguir encontrar a agulha. Posso-me sentir mais perto mas neste momento não estou, sem dúvida que não, não me sinto. Eu consigo-te dizer que aquilo foi o meio que eu usei para me exprimir naquele momento. Mas eu não sinto que foi a agulha, sinto que foi algo que eu fiz no caminho da procura.