Entrevista. Pedro Mexia: “A crítica é tanto mais importante quanto o género literário for minoritário”
Apesar de não gostar da ideia de refúgio, Pedro Mexia dá-se muito bem ao falar de cultura na rádio, um espaço que parece um bunker. Por já ter experiência no podcast PBX, um programa da rádio Radar e Expresso, Pedro traz um pouco de cada arte para a conversa. Nesta entrevista há pintura, música, teatro, cinema e livros, claro. O destaque é sempre para a literatura, apesar de darmos atenção ao papel da crítica e de quem a constrói.
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O Ponto Final, Parágrafo é um programa da ESCS FM, rádio da Escola Superior de Comunicação Social, feito em parceria com a Comunidade Cultura e Arte, feito pela Magda Cruz, aluna de Jornalismo.
Pedro Mexia é crítico literário, cronista e podcaster. Muitos o conhecem como um dos membros do programa “Governo Sombra”, seja pela cara ou pela voz, já que o programa passa na TVI24 e na TSF. Mas em primeiro lugar é poeta, apesar de não se autointitular poeta, pois essa “é uma palavra que não se deve usar em causa própria”, adverte Pedro. Como tal, somos nós que lhe chamamos poeta. Começou a escrever porque gostava de ler e até hoje tem publicados sete livros poesia e duas antologias poéticas. Apesar de não ver que “que fichas pudesse ter que pudesse viver da poesia”, Pedro é claro: “se só pudesse fazer uma coisa seria a poesia.”
Aquele que também é coordenador da coleção de poesia da editora Tinta da China, começou por estudar Direito. Licenciou-se nessa área, mas cedo descobriu que eram os livros de literatura que queria andar a folhear. Da Universidade de Direito só conseguiu com que um certo professor que falava muito rápido lhe arruinasse a caligrafia. Esse professor é hoje Presidente da República. Os caminhos dos dois haviam de se cruzar de novo, uma vez que Pedro Mexia exerce também funções de consultor cultural de Marcelo Rebelo de Sousa.
Pedro já fez muito nos seus 46 anos e ao longo desse tempo foi-se apercebendo de muitas coisas, naturalmente, e aprendendo a lidar com tudo através de um humor refinado e perspicaz. Uma delas foi o tempo de vida que usou na licenciatura em Direito que só “dá jeito para ter o «doutor» no título porque não me deu jeito para nada. As pessoas dizem que o direito dá muita arrumação mental. Sou tão mentalmente desarrumado que imagino que se não tivesse feito Direito como é que conseguia atar os sapatos sequer.”, brinca.
No mundo das artes tem também mão no teatro, onde costuma adaptar textos para serem representados, de que é exemplo a peça que surgiu da adaptação de um conjunto de textos de John Austin “Como fazer coisas com palavras”, texto que adaptou em conjunto com um colega de longa data no “Governo Sombra” Ricardo Araújo Pereira, em 2008.
Crítica destruidora ou fazedora de autores
Como crítico literário reconhecido no meio, é incontornável falar do papel da crítica. A crítica pode ser decisiva, destruir ou fazer um autor? A reposta é: “Depende de algumas circunstâncias. A crítica é tanto mais importante quanto o género literário for minoritário. Ou seja, a crítica é bastante importante na poesia, relativamente importante no ensaio, pouco importante no romance. Depois há exceções a esta regra. O público que lê poesia tende a ler crítica literário, portanto tende a ser sensível não a uma determinada pessoa diz, mas ao que um conjunto de pessoas diz. Enquanto que boa parte das pessoas que leem romances, como é um género maioritário, embora hoje em dia, mesmo isso já não é verdade: é maioritário em relação aos minoritários. Ele apanha muito público que não tem interesse nenhum por suplementos literários, crítica literária. É um bocadinho indiferente. Diria que se estamos a falar de sucesso no sentido em que se fala de um livro muito lido e muito comprado, não creio que a crítica faça diferença. Se estamos a falar do prestígio, da ideia de aparecerem dois autores jovens poetas e um ser ignorado e o outro ter três ou quatro textos elogiosos. Acho que isso evidentemente faz diferença. Essa pessoa vai começar a ter mais atenção, se calhar vai publicar noutra editora mais relevante. Se a crítica for boa.”
Quem tem medo da crítica?
A verdade é que por vezes a crítica pode não ser tão boa. Quando se pensa em crítica, um medo irracional da palavra pode ser criado. Medo este que é transportado também para quem redige a crítica: os críticos. Pedro Mexia compreende que essa realidade possa existir: “Nenhum de nós gosta de ouvir coisas antipáticas sobre nós ou sobre aquilo que fazemos. No caso dos escritores, não é muito fácil para um escritor separar as duas coisas. Um escritor tende a ofender-se com o que dizem sobre a obra dele porque não faz essa separação – e quem escreve percebe isso bem. É verdade que algumas críticas também não fazem essa separação e atacam as pessoas em vez de tratar os livros, mas é quase universal que os escritores são muito melindrosos.”
Quando se pergunta sobre se Pedro Mexia conseguiu encontrar o equilíbrio na crítica, a resposta é muito humilde: “Não posso dizer que tenha sempre acertado, mas não creio que escreva ou que alguma vez tenha escrito, pelo menos de uma forma sistemática, aquilo a que se chama os textos ad hominem, ou seja a atacar uma pessoa porque não gosto dela ou das opiniões dela, por oposição àquilo que ela escreve. Não estou a dizer que não tenha acontecido. Até sou capaz de pensar que nos primeiros anos aconteceu uma ou outra vez, mas claramente foram passos em falso e não creio que se tenha repetido.” Para quem achava que Direito só lhe trouxera desinteresse durante cinco anos, aqui fica o uso de uma expressão em latim. O curso prova-se proveitoso.
Um americano, um italiano, um irlandês e um russo entram numa biblioteca
Em frente a Pedro Mexia está uma folha onde rabiscou – é este o verbo certo, depois do que aprendemos sobre a maneira como o professor Marcelo lhe moldou a caligrafia – quatro títulos: de um poema, de um diário, outro de uma peça de teatro e de um livro de contos. Não é preciso pensar muito até chegar aos livros que o marcaram. “Alguns de forma direta, no sentido em que marcaram o que faço, aquilo de que gosto de fazer – como é o caso da poesia. Outros de uma forma bastante mais indireta.”, explica Pedro.
A estante de Pedro Mexia é bastante variada. Um poema que teve direito a se tornar um livro é o primeiro que o diz ter marcado. Trata-se da “Canção de Amor de J. Alfred Prufrock”, do americano T. S. Eliot, onde “a expressão amor parece bastante sarcástica”. O diário que traz chama-se “Ofício de Viver”, de um autor italiano popular em Portugal há décadas: Cesare Pavese. Um diário “para lá de íntimo”, publicado pós-vida.
Os outros livros não têm diretamente a ver com o que Pedro Mexia faz, mas que têm muito que ver com a sua “sensibilidade e mundividência.” Já o próprio diz que a sua vida “não é o conto nem o teatro, no sentido em que é a poesia e os diários.” No entanto, a estante de Pedro também tem espaço para “A Última Gravação de Krapp”, uma peça do irlandês Samuel Beckett, e o livro de contos, do russo Tchekhov.
Estes últimos dois autores têm uma visão da vida que lhe é muito natural: a da tragicomédia. “Ou seja, as coisas são por um lado terríveis, desesperantes, catastróficas e…isso tem muita graça.”
O Ponto Final, Parágrafo é um programa da ESCS FM, rádio da Escola Superior de Comunicação Social, feito em parceria com a Comunidade Cultura e Arte.