Entrevista. Pedro Trigueiro: “Com a nova editora Arraial queremos ser úteis, se não o formos, estamos fora”
Pedro Trigueiro poderá ser um nome desconhecido para muitos, mas quando falamos em Arruada, o caso muda substancialmente de figura. Depois de ter passado pelo jornalismo e por editoras multinacionais, Pedro Trigueiro fundou a agência Arruada, que é composta por uma equipa que abraça a visão de Pedro Trigueiro e a desenvolve, numa ligação entre artistas e público quase palpável em todas as iniciativas desenvolvidas. Curador do palco Coreto Arruada no NOS Alive, que permite que artistas desconhecidos e aclamados toquem num dos maiores festivais do país, a agência Arruada criou a editora Arraial, para dar casa a “diferentes géneros musicais, que surgem desde a electrónica, à pop, bem como da música brasileira, entre outros”.
Há pouco menos de um ano, Pedro Trigueiro escrevia na Comunidade Cultura e Arte uma crónica onde se pode ler: “Em termos filosóficos é um momento transformador em que o humano tem de se agigantar perante a adversidade inesperada. E curioso é que por muito sci-fi que exista, por muito código binário, por muita resposta que possamos ouvir “não posso fazer nada, é o algoritmo”, parece que, mesmo muito fragilizado, é o humano que tem o descodificador para o próximo passo. Só dependerá dele mesmo essa próxima dança. Uma espécie de reinvenção do humano.” Foi com o toque da próxima dança com a nova editora Arraial que falámos com Pedro Trigueiro sobre o que foi e sobre o que está por vir.
Desde a crónica que partilhaste na CCA, qual é a tua percepção da crise do sector cultural?
Mais ou menos a mesma. Acho que conseguimos sensibilizar parte do país, mas é um problema que não nos afecta só a nós, também afecta a restauração. O prato que nos chega não é só servido pela pessoa que nos traz o prato, há uma série de coisas que se passa atrás do prato. Há uma série de pessoas que fica escondida, que são os invisíveis. Acho que na área da cultura conseguimos tocar parte do país e sensibilizar de alguma forma. Não se conseguiu tudo, mas ninguém consegue nada a 100%. Conseguimos o possível, não estou a ser resignado, estou a cingir-me aos factos e ao pragmático. Se tivesse de fazer um ponto 2 dessa crónica, acho que nem um parágrafo conseguia escrever porque a expectativa é demasiado conservadora e penso agora no dia-a-dia. Parece que a curva final está já aí, mas é nessa curva que podem acontecer os maiores deslizes, por isso é aguardar que essa curva passe para podermos seguir as nossas vidas. Expectativa zero para que o jogo acabe rapidamente e depois a coisa possa correr livre como supostamente era.
Quando fundaste a Arruada, qual foi para ti o factor diferenciador para avançar?
É algo que ainda hoje me faz sentido — ser útil aos projectos. Podia querer ir atrás de artistas com outro tipo de projeção, mas se calhar não seria útil — nem eu nem estrutura. O intuito foi sempre se formos úteis em termos de estratégia e de afinação de estratégia, de a colocar em prática, de assessoria, agenciamento, etc. Queremos ser úteis, se não o formos, estamos fora.
Criaste agora a Arraial, uma editora de música. Qual é o objectivo com a Arraial?
O objetivo é muito semelhante, sermos úteis com a Arruada mais virada para o agenciamento e management e a Arraial mais virada para a edição fonográfica e assessoria cultural. Sendo que a assessoria cultural é gémea nos dois sítios, tanto para a Arruada como para a Arraial. Gosto de conceber os projectos e pensá-los em 360º, a história nasce aqui juntamente com os artistas e é aqui que é gritada para o mundo. Uma diferença entre a Arraial e a Arruada é que na Arraial vamos estar a editar artistas, como é o caso do Domenico [Lancelotti] e do Churky, que será só edição.
Criar a Arraial depois da Arruada foi uma necessidade ou uma consequência?
Foi consequência. É uma consequência nós termos trabalhado desde Buraka Som Sistema a termos sido produtores executivos de discos, como da Cristina Branco, do Regula, Banda do Mar… às tantas, a equipa Arruada criou — modéstia à parte — um músculo muito consistente. Com webinars, com workstations, com leituras e investigação sobre como melhorar cada paradigma e disciplina que trabalhamos. Tendo tudo isto em conta, e depois de já ter sido desafiado por vários artistas como o Branko e o Marcelo Camelo, em Junho de 2020 demos o kickstart e sentimos que chegou o momento de avançar.
Depois de já termos estado várias vezes com a equipa da Arruada, nota-se uma grande coesão entre todos, é quase palpável. É esta a receita?
Sem transformar isto numa egotrip, tudo tem que ver com uma experiência de vida e a experiência que tenho tido, desde a Universal, fui jornalista e até fui militar durante 6 anos e meio. Colando tudo isso, juntando com viagens, com Buraka, com a Universal, passando pelos Paul McCartneys ou Arcade Fire da vida, chegar ao momento em que fico só com estas histórias para mim e insuflo a minha conversa com um “eu já fui ou eu já fiz” não faz sentido. Faz sentido ter uma equipa à qual posso apresentar as minhas ideias e a minha experiência e dizer-lhe “sigam o vosso caminho, cada pessoa tem a sua história, mas vamos tentar criar uma história maior”. Não faz sentido eu ser o grande e a equipa ser uma porcaria. Todos têm de ser grandes. Conseguir pôr a equipa toda à frente e colocar todos ao mesmo nível, com o mesmo know-how, e confiar na equipa. Tudo tem de estar interligado.
O grande desafio deste ano de pandemia tem sido a sustentabilidade e visibilidade dos artistas, o que se vai manter quando voltarmos ao normal. É muito provável que o grande artista de 2025 tenha desistido da sua carreira este ano para pagar as contas. Podemos trazer esses artistas que podemos ter perdido para a pandemia com a Arraial e com a Arruada?
É um ideal, longe de pensar em salvação e em ser providencial. Mas há um fundo de verdade na medida em que a Arraial é também para não deixar os artistas — com os quais temos ligação — à espera que tudo passe. O caso do Domenico [Lancelotti], por exemplo, que é instrumentista e tinha um álbum que não sabia quando ia sair e como iria fazer, e chegámos a um compromisso para o disco ir para a rua. Não sinto a Arraial com esse providencial que vai buscar artistas perdidos, mas vamos tentar, junto dos nossos artistas, equilibrá-los e, numa analogia à Fórmula 1, termos as rodas bem quentes para quando tivermos o sinal verde estarmos preparados para arrancar. Estaremos sempre prontos para que, quando as coisas arrancarem, nós estejamos “on top” e arranquemos juntos. Desde Março do ano passado que esse tem sido o nosso tema de conversa na Arruada, e temos sido muito pouco passivos durante esta fase.
A título de exemplo, o Dino d’Santiago tem a sua carreira lançada, o Branko igualmente, mas os artistas menos conhecidos estão muito enfraquecidos. Quando abrirmos, o palco vai ser muito reduzido para estes, e é importante criarem-se espaços para estes aparecerem.
Vai ser muito difícil. Falei com alguns artistas “mais pequenos” e a luta deles agora é criar muita coisa para quando a vaga passar. Não seriam as primeiras escolhas à mesma, mas haveria também espaço para artistas pequenos. Vai ter de ser uma espera, uma paciência de Job, mas tem de se ir criando, mostrar conceitos, mostrar bons vídeos, boa comunicação, para que as pessoas comecem já a pôr nas agendas quais os artistas que lhes interessam. E isso é importante que aconteça agora, e nós tentamos ajudar nesse sentido. A criação de espaço para os mais pequenos vai ser uma luta leonina. É ir criando conceito, para que quando sair, sair em força.
O primeiro longa duração da editora Arraial será Raio do carioca Domenico Lancelotti, a 26 de Março.