Entrevista. Zélia Figueiredo: “O género não é o sexo. O corpo é o corpo, e o que eu sinto é o que eu sinto”
O que vais ouvir, ler ou ver foi produzido pela equipa do Fumaça, um projecto de media independente, progressista e dissidente e foi originalmente publicado em www.fumaca.pt.
Zélia Figueiredo acompanha diariamente pessoas transexuais, desde 2009. Pelas suas contas, passaram pela consulta que dirige cerca de 650 pessoas. É psiquiatra, especialista em sexologia, mas muito do trabalho que faz pouco tem que ver com psiquiatria. Ser trans não é uma doença mental. Por isso, numa sociedade ideal, a maioria das pessoas que segue no Hospital Magalhães Lemos, no Porto, nunca teriam necessidade de ali ir. Mas a discriminação, a violência transfóbica e as agressões aumentam o risco das pessoas trans terem perturbações de ansiedade, depressão, se automulitarem ou tirarem a própria vida.
Os entraves nos cuidados de saúde, públicos e privados, tornam inevitável que ainda precisem de aliados, acredita. Por isso, Zélia Figueiredo ajuda pessoas trans a navegar um sistema de saúde nem sempre acessível: encaminha-as para consultas de endocrinologia, ginecologia ou outras especialidades médicas de que necessitem; auxilia-as a contar à família que a pessoa que acreditavam ser rapaz ou rapariga nasceu, afinal, no corpo errado e precisa de fazer uma transição, para que o exterior corresponda àquilo que o interior já é; ajuda as famílias a compreender o que está a acontecer; dá formação a outros profissionais de saúde; vai falar às escolas. Mas acredita que no dia em que haja uma sociedade que compreenda o que é ser trans, grande parte do seu trabalho passa a não ser necessário.
Em Portugal, uma pessoa trans com mais de 16 anos pode mudar o nome e o sexo que constam no registo civil, sem necessidade de um diagnóstico de disforia do género. Independentemente disso, caso queira fazer algum tipo de transição física, intervenções cirúrgicas ou tratamentos hormonais, precisa de duas avaliações de equipas médicas independentes.
Passaram quase três anos desde da aprovação da Lei n.º 38/2018, iniciativa do Governo, sobre o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa. A lei dava, entre outras questões, poderes ao Governo para implementar medidas para que as escolas pudessem garantir a prevenção e combate à discriminação, tivessem mecanismos para detetar e intervir sobre situações que “coloquem em perigo o saudável desenvolvimento de crianças e jovens que manifestem uma identidade de género ou expressão de género que não se identifica com o sexo atribuído à nascença”; e tivessem condições para as proteger. Quando o diploma foi regulamentado, no ano seguinte, o Governo concretizou que as escolas devem respeitar o direito da criança ou jovem utilizar o nome autoatribuído, e garantir que podem escolher as casas de banho e balneários, em função do género assumido.
No passado mês de junho, o Tribunal Constitucional chumbou dois pontos da lei de 2018 relativos às escolas. Os juízes apreciaram um pedido de fiscalização que 86 deputados do PSD, CDS/PP e PS tinham feito, em julho de 2019, por entenderem que o diploma violava a proibição da programação ideológica de ensino, consagrada na Constituição. Mas para o tribunal a questão foi outra: as normas analisadas foram consideradas inconstitucionais, não pelo seu conteúdo, mas porque a lei foi iniciativa do Governo e, não, do Parlamento, que detém a competência exclusiva para legislar sobre matérias como esta, relativa a Direitos, Liberdades e Garantias.
Até esta quinta-feira, dois partidos – Bloco de Esquerda e PAN – apresentaram projetos-lei semelhantes ao diploma do Governo chumbado pelo Constitucional, que querem ver discutidos no início da próxima sessão legislativa.
Esta entrevista foi feita em março de 2021, no Porto, a propósito de uma série documental sobre saúde mental e prevenção do suicídio em que o Fumaça está a trabalhar.
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LINHAS DE APOIO E DE PREVENÇÃO DO SUICÍDIO EM PORTUGAL
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SOS Voz Amiga
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Contactos: 213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660
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