EU.CLIDES e o intimismo de uma sala de concertos esgotada
EU.CLIDES voltou ao país que o viu crescer para mais uma leva de concertos, depois de um 2023 aclamatório no qual lançou o seu primeiro longa-duração, de nome Declive, e deu uma série de concertos que o cimentaram como um dos novos artistas mais entusiasmantes da cena musical portuguesa. Lisboa foi o ponto escolhido para começar esta mini-tour, que passará ainda pela Casa da Música, no Porto, e pelo Teatro das Figuras, em Faro, respectivamente, nos dias 3 e 17 de Fevereiro.
O belíssimo Teatro Tivoli foi o recinto lisboeta escolhido para este regresso em maior escala, numa escolha agridoce. Se bem que grande parte das músicas de EU.CLIDES são carregadas de uma melancolia que convida a um concerto sentado, uma boa parte é agradavelmente dançável, algo que se perdeu em algumas canções. “Esta é a canção que vos vai deixar irritados por não se poderem levantar”, brinca Euclides antes de se atirar a “4.ª Feira”. E tem razão, pois os elevados BPM da canção insistiam em fazer-nos bater o pé com intenção.
Por momentos, era fácil esquecer que estávamos numa sala de concertos esgotada, principalmente quando Euclides demonstrava os seus dotes de guitarrista em canções como “99”. O seu timbre ocasionalmente discreto, ocasionalmente reluzente levava-nos para o quarto onde as canções foram compostas, como se estivéssemos lá no momento da sua génese. É essa atmosfera intimista que parece atrair tanta gente à sua música, assim como a sua voz delicada e envolvente como uma bruma.
A um concerto de toada celebratória como este não podia faltar pelo menos uma surpresa. A deste concerto apareceu ainda perto do início, sob a forma de Lilian Mille, um terço dos Bada-Bada, banda francesa que colaborou com EU.CLIDES em duas canções de Declive, “24” e “57 Rue de Turbigo”. O trompetista subiu ao palco para enriquecer essas canções ao vivo, em dois momentos separados, trazendo-lhes o seu timbre misterioso e sedutor. A introdução estendida de “57 Rue de Turbigo”, em particular, transportou-nos para uma rua parisiense, imersa numa noite de nevoeiro. Isto faz ainda mais sentido quando se sabe que Euclides vive em Paris há mais de sete anos.
Essa é uma das grandes capacidades de Euclides, a de trazer referências de diferentes pontos da sua vida para a sua música. Uma das referências mais notórias é o seu background de música africana, que se vai imiscuindo nas suas músicas na forma de ritmos sinuosos que convidam a um leve tarraxo — como a sensual “Desmancha-Prazeres” e a música de intervenção “Tê Menos 1”, cada vez mais relevante nos tempos de bolha imobiliária que vivemos — ou de grooves de guitarra absurdamente calorosos, como em “Tubarão-Azul”, acompanhada pelo público a plenos pulmões.
Aliás, o público esteve absolutamente irrepreensível na sua recepção ao artista. A certa altura, os gritos de aclamação eram quase ensurdecedores — particularmente no final de “Venham Mais 7”, tocada com muita garra. Nessa canção, ninguém se conteve e tivemos todos de saltar da cadeira para dançar. Mas os louvores não se cingiram apenas ao próprio Euclides. Mesmo quando o teclista e letrista Tota ficou sozinho em palco para apresentar uma versão despida de “TOTAMETRIA”, canção do seu primeiro longa-duração a solo, também lançado no ano passado, a reacção foi igualmente efusiva. E não é de estranhar, pois a canção, em iguais partes sonhadora, brincalhona e contemplativa, é uma delícia, assim como a sua voz maleável.
Depois da ovação de “Venham Mais 7”, durante a qual Euclides se mostrou emocionado, dirigiu-nos a palavra com a sua característica timidez para nos contar a história por detrás de “24”, uma das canções do disco mais difíceis de completar. Ele queria algo que transmitisse o irreplicável cuidado maternal, como quando teve de levar 24 pontos e a sua mãe o carregou de casa até ao hospital. Foi essa delicadeza e certeza instintiva que a canção nos passou, fechando o espectáculo tão sublimemente como fecha Declive.
No entanto, como não podia deixar de ser tendo em conta a relação entre público e artista ao longo de toda a noite, um encore foi exigido, ao qual Euclides e banda aderiram prontamente. Também pelo facto de estarem a actuar no sumptuoso Teatro Tivoli, a teatralidade de “S. Eu” assentou que nem uma luva no fecho do espectáculo. Antes do dramático outro da canção, o protagonista da noite abandonou abruptamente o palco, aumentando o impacto do espectáculo de luzes que se seguiu. Não apenas as do palco, mas também as luzes de serviço do teatro começaram a tremeluzir com a vibração do final, evocando um estado liminal que nos fez suster a respiração. Foi só depois de soar a última nota, como se tratasse de poeira a assentar, que o público voltou a levantar-se para a derradeira ovação.
EU.CLIDES actuará no dia 3 de Fevereiro no Porto, na Casa da Música, e no dia 17 de Fevereiro em Faro, no Teatro das Figuras.