“Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time”: o fim de um colosso em queda livre
“Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time” começa com um resumo dos anteriores filmes da saga “Rebuild of Evangelion”, este recontar do famoso anime de 1997 “Neon Genesis Evangelion”, que tantos fãs criou por todo o mundo ao longo de várias décadas.
Hideaki Anno é o mentor de todo o projecto, mas é impossível não darmos os devidos créditos também ao estúdio Gainax, que se encarregou de produzir a série e o filme “The End of Evangelion.” Para este novo capitulo, Anno decidiu trabalhar com os estúdios Khara, por achar que a saga precisava de uma transformação. E na verdade foi isso que aconteceu. Apesar de Evangelion 1.0 ser bastante idêntico à série original, 2.0 e 3.0 afastam-se quase na totalidade do anime (no caso do 3.0 essa mudança é mesmo total). Caso queiram ler uma análise aos filmes anteriores podem seguir este link carregando aqui! Caso pretendam ler uma análise geral ao anime podem ler outro artigo aqui.
Em 3.0+1.0, Anno decidiu dar continuidade à nova história criada no 3.0, apesar de incluir também alguns elementos/temas do anime original. E este novo filme é começa exactamente com o que o terceiro deveria ter explicado: existe uma explicação para o que se passou durante os 14 anos de salto temporal entre o 2.0 e o 3.0; a alteração da personalidade dos personagens é explicada; a história combina-se (ou tenta) com a do anime; explica melhor a brusca mudança narrativa do anime para esta história do “Rebuild. Contudo, há muita coisa que continua a ser mal desenvolvida, que carece de introdução/conexão e que está muito mal explorada.
Como enorme fã de Evangelion no geral, a expectativa era elevada para a saga dos “Rebuild”. O facto de Anno optar por se afastar do material original e criar uma nova abordagem nunca foi algo que me chateasse, se fosse bem desenvolvido e argumentado, porém tal não acontece e em vez disso somos bombardeados com charadas básicas e apressadas que tornam 3.0 e 3.0+1.0 numa total vergonha no universo de Evangelion.
Goste-se ou não dos filmes de “Rebuild of Evangelion”, temos que admitir que as animações e cenários são bastante criativas e bem executadas, embora o 3D seja por vezes terrível. As sequências de acção, contudo, continuam a ser um problema em 3.0+1.0. Em vez das cenas de combate intensas que tinhamos no anime, na saga de Rebuild grande parte dos momentos de luta são super extensos, bastante confusos e repletos de 3D de um qualquer videojogo de PS2.
Olhando especificamente para este 3.0+1.0, a primeira parte centra-se numa tentativa de desenvolvimento dos personagens e explicação da história, ou o que aconteceu nestes últimos 14 anos, algo que o 3.0 já devia ter explicado. Como não houve qualquer desenvolvimento da personalidade dos personagens no filme anterior, Anno decidiu começar este novo filme com esse desenvolvimento, mas à medida que a história avança começamos a ver as suas falhas. Rei, Asuka e Shinji vivem agora numa pequena vila, onde encontram várias personagens dos filmes anteriores, agora mais adultos. Esta tentativa de mostrar a normalidade é interessante até um certo ponto, mas esgota-se rapidamente nas suas próprias falhas. Os três protagonistas têm uma evolução abrupta, mudando de personalidade muito rapidamente e sem grande sentido. Apenas Rei tem uma evolução interessante, começando a questionar certas partes da vida e a criar alguma identidade, algo que não existiu em 3.0. Contudo, como este argumento está cheio de buracos, Anno decidi terminar abruptamente com essa evolução, matar Rei e retira-la praticamente a 100% do filme inteiro (salvo uma cena final com nenhuma importância). Por mais que tentemos entender esta decisão, é complicado defende-la. Poderá ter sido para motivar o personagem de Shinji a mexer-se, embora a reacção dele a esta morte seja praticamente nula na cena seguinte e no resto do filme.
Esta primeira parte, completamente diferente de tudo o que já vimos em Evangelion, é uma boa tentativa de mostrar um outro lado deste universo e uma certa aceitação de todos os personagens perante o caos apocaliptico deste mundo. Shinji passa de um completo vegetal a um ser humano normal de forma demasiado rápida, mas os momentos antes e depois são minimamente interessantes, principalmente na interacção de Rei, que tenta motiva-lo a viver. Contudo, este filme parece, tal como o anterior, completamente montado de forma aleatória. Não existe muita motivação para certos actos, há designações e elementos que são introduzidos sem qualquer nexo e a história parece claramente partida.
A segunda parte do filme pode resumir-se em: Longas sequências de acção sem qualquer objectivo e uma explicação literal e apressada de vários termos que foram referidos ao longo dos filmes anteriores. Ao contrário do anime e de “End of Evangelion” que exploram temas filosóficos de forma bastante indirecta, aqui a explicação para tudo é bastante objectiva. Esse facto não é propriamente negativo e vai sem dúvida apelar a um público mais vasto, mas a justificação para tal é que parece demasiado fraca.
O maior problema de 3.0+1.0 é a quantidade de termos e partes da história que não foram explicados e nem sequer introduzidos, foram simplesmente atirados para o meio da narrativa e nós, meros espectadores, somos obrigados a aceitá-los sem os questionar. A quantidade de Evas existentes no filme tornam-os banais, algo que no anime original era visto como único e especial. Até as cenas de acção se tornam banais porque não são sustentadas por nenhuma motivação maior, enquanto no anime era sempre uma questão de vida/morte. Porque é que alguns personagens explodem agressivamente? A sensação que fica é que os argumentistas simplesmente se queriam ver livres de alguns personagens para correrem para o final do filme e então, de forma apressada e sem emoção, eliminam personagens fulcrais como Misato, Ryoji Kaji e Kozo Fuyutsuki.
Além de tudo isto existe a personagem de Gendo Ikari e aqui a situação fica grave. A necessidade de criar uma história de “pai igual a filho” e explica-la ao nível de uma qualquer telenovela é demasiado pobre. E que poderes são estes que Gendo agora tem? E por falar em poderes, que dizer das transformações dos EVAS, quase ao nível de Dragon Ball? Há demasiado em 3.0+1.0 para que a coisa faça sentido, principalmente porque esse demasiado vem de todos os lados e sem explicação. O que é que significa Kaworu ser um comandante? E a amizade dele com Kaji? Porque é que Asuka é um clone? Porque é que a banda sonora passou para quarto ou quinto plano, quando na série era algo de destaque?
Ao contrário de “Neon Genesis Evangelion”, que deixava questões em aberto, mas de sentido puramente filosófico, nestes “Rebuild of Evangelion” (principalmente nos dois últimos), os argumentistas optaram por deixar em aberto questões básicas de narrativa, comportamentos de personagens, situações objectivas e relevantes em determinadas cenas, etc. E isto não pode ser uma opção, tem que ser uma falha.
Em relação ao final de 3.0+1.0 há pouco a dizer. A cena em si tem pouco peso, mas também não está propriamente mal desenvolvida/criada, já que o personagem de Shinji vinha a desenvolver uma personalidade positiva em relação à vida. Essa talvez seja a única evolução que faça algum sentido, e esse era o propósito de todo o 3.0+1.0, olhar o espectador nos olhos e dizer-lhe que ao contrário do que tem feito na vida, refugiar-se nos seus medos, deve enfrentar a vida com um olhar positivo. É pena que toda a narrativa não suporte esta ideia que Anno tentou forçosamente criar neste “Rebuild”. 3.0+1.0 é como uma mensagem de Anno para si mesmo, embora este ache que está a falar com o seu público. E apesar de Anno querer mudar a sua vida como Shinji o faz neste filme, ele sabe que, infelizmente, é muito difícil escaparmos aos nossos fantasmas puramente por sorrirmos e andarmos em frente, por vezes há que olha-los na cara nos piores momentos e tentarmos transforma-los em algo que não nos atinja, tal como Shinji fez com o pai neste filme, mas sem a facilidade de Gendo agora, por qualquer razão, achar que deve apoiar o seu filho e mostrar-lhe que são muito parecidos. Infelizmente a vida não é assim.
3.0+1.0 prolonga as falhas graves de 3.0, apesar de lhe acrescentar algum significado. Contudo, esse significado aparece muitas vezes de forma aleatória e sem o peso que costuma ter na saga de Evangelion, deixando todas essas falhas demasiado expostas e destruindo grande parte da identidade única que Evangelion tem e que foi tão bem criada em 1.0 e 2.0.