Festival de Cinema Olhares do Mediterrâneo carrega uma mensagem profundamente necessária
Teve início, na passada quinta-feira, o Festival de Cinema Olhares do Mediterrâneo, Cinema no Feminino – projeto que nasce do esforço conjunto do grupo Olhares do Mediterrâneo e do Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA). Ainda que as exibições tivessem começado ao início da tarde, no São Jorge, a abertura oficial aconteceu às 21:30h e contou com a presença de toda a equipa. O Festival prolonga-se até domingo e promete, durante estes quatro dias, destacar o papel das mulheres no cinema ou, citando o próprio site, “mostrar em Lisboa filmes em que mulheres dos países do Mediterrâneo tenham tido um papel fundamental na equipa criativa”. O discurso de abertura alertou para as desigualdades de género, tocando em pontos como a diferença salarial, o assédio sexual no local de trabalho, o desempenho de tarefas domésticas por parte do homem e o seu papel enquanto pai. Aliado ao destaque dado ao papel da mulher nesta área artística, a programação oferece-nos, entre outras temáticas, reflexões sobre a atual crise de refugiados, sobre a importância de ser mãe ou sobre crises familiares.
O filme italiano, alemão e sueco, “Figlia Mia”, da realizadora Laura Bispuri, foi a estreia desta sessão de abertura e explora a disputa de uma criança pelas suas duas mães. Estreada no Festival de Berlim, esta produção fala-nos de Vittoria que, com os seus cabelos ruivos, o ar pequeno e a inocência típica da idade, corre entre os braços de uma mulher e de outra. Em causa está permanecer com a mãe que a criou ou mudar a sua vida para ir morar com aquela que a fez nascer mas que, entre o álcool, a prostituição e a vida noturna, não parece saber cuidar de uma criança.
A narrativa é um desenrolar sincero da relação entre Vittoria e a mulher que acaba por descobrir ser a sua mãe biológica. Entre as questões e os medos inerentes à idade, a descoberta do seu passado custar-lhe-á, ainda mais, a carregar. A apatia e o rosto inexpressivos parecem esconder uma tristeza atípica, agravada desde o momento em que as duas mulheres deixam de saber cuidar da filha e de si próprias.
Fligia Mia soa a uma experiência: na música, nos diálogos, na escolha dos atores e dos próprios planos. A fotografia é, inegavelmente, um ponto a seu favor, no entanto, a técnica de filmagem adotada, que nos dá a sensação de seguir agitadamente os passos das personagens, não funciona em todas as cenas, acabando por nos fazer dispersar daquilo que realmente interessa. Para além disso, a banda sonora é, na grande maioria dos casos, cortada inesperadamente, num gesto forçado que pára a fluidez da narrativa. Ainda assim, não deixa de ser uma experiência interessante que nos cativa, em último caso, pela simplicidade de Vittoria ou por nós próprios sermos levados a refletir sobre as escolhas com que aquela criança se vê confrontada.
Olhares do Mediterrâneo, longe de ser o Festival de Cinema mais conhecido do público, carrega uma mensagem profundamente necessária, o que o torna urgente e de presença obrigatória na agenda dos próximos dias.