‘First Man’: o ‘Space Oddity’ de Ryan Gosling
Damien Chazelle e Ryan Gosling fazem um novo ‘pas de deux’ em Veneza, dois anos depois do muito badalado e multi premiado La La Land.
First Man é um filme fulgurante e uma vez mais destinado a atingir as estrelas. Ainda que agora a dança seja outra. Não só pelos ecos que toda esta aventura espacial mereceu da cultura pop, desde logo com o lançamento de Space Oddity, de Bowie, apenas uma semana antes de Neil Armstrong saltitar na lua, mas também pela sua biografia oficial, de 2005, First Man: The Life of Neil A. Armstrong, James R. Hansen, a relatar o tema Lunar Rhapsody preferido do casal. Ou até, se quisermos, pela dança de câmara com que o realizador acompanha o dramatismo das cenas. Seja nas mais intensas sequências de acção, normalmente nos cubículos das naves, mas ainda em algumas sequências familiares. É muito por aqui, nesta gestão do lado histórico, na vertente realista da época, e ainda a emoção humana que o filme sobe às estrelas.
Tal como o próprio já referiu, O Primeiro Homem da Lua foi também o primeiro projecto que anunciou a Gosling. E sim, desta vez, o menino de 33 anos consagra o mesmo cinema que deseja ser visto e ter público, com uma presença muito forte do cinema de aventura, mas que nos convida a entrar. Mesmo correndo o risco do déjá vu, Chazelle acaba por sair por cima de quase todos os ‘obrigatórios’. Desde logo, uma homenagem a Os Eleitos, de 1983, de Philip Kaufman, uma vez que percorre parte desse período, embora sem prestar vassalagem. De resto, fica uns furos acima do Apollo 13 de Ron Howard e mesmo de Gravidade, de Alfonso Cuarón. Já Kubrick pertence a outra estirpe e nem o seu lado mais filosófico faz parte das suas intenções.
É claro que o canadiano Gosling é a escolha inevitável, já a britânica Claire Foy no papel da esposa de Neil é uma óptima surpresa, mesmo que no papel submisso das mulheres da altura. Ainda assim, fascina pela forma como contém a emoção e a gere em lume brando. Apesar da selecção e gestão do cast ser de uma forma geral irrepreensível, sobra ainda espaço para atentar no detalhado trabalho de câmara.
Curiosamente, no serão de ontem, em jeito de pré-abertura do festival, com a exibição de um dos primeiros super-heróis, no filme mudo O Golem, de 1920, de Paul Wegener, em cópia irrepreensível com transcrição em 4K, retivemos uma frase que talvez se pode aplicar ao filme de Chazelle. Por sinal, um filme acompanhado com o mais belo acompanhamento musical que já ouvimos. Dizia o director da cinemateca de Bruxelas, responsável por parte desse trabalho meticuloso em combinar a película de dois negativos e outros tantos excertos, que ouvira ao belga Luc Dardenne a melhor expressão para classificar o trabalho de restauro. Dizia ele, citando de cor, que “o restauro não é mais do que a recuperação da emoção que o realizador quis criar da época”.
Texto escrito por Paulo Portugal, em parceria com Insider.pt