Gustav Klimt: alegorias e emblemas da beleza modernista
Quase no fim do conturbado século XIX, nasce Gustav Klimt no dia 14 de Julho de 1862, em Baumgarten, num subúrbio de Viena, sendo o segundo filho de sete. Nos fins do século XIX e no princípio do século XX, é um dos pintores mais reconhecidos mundialmente, quer pela sua técnica, quer pela sua perícia como pintor da Art Nouveau. 154 anos após o seu nascimento, sabemos que Klimt marcou visualmente e emocionalmente o nosso planeta. Esta marca deixada pela sua visão sui generis da figura feminina e do mundo, presenteou o hemisfério com diversas obras que reflectem toda a sua genialidade.
Ainda no período escolar, Gustav e outros dois irmãos, Ernst e Georg, mostraram ter apetência e destreza pelas artes. Uns anos mais tarde, aos 14 anos, Gustav resolveu candidatar-se à Vienna School of Arts, na qual foi admitido e foi aqui que tudo começou.
Klimt acreditava na vasta gama de técnicas ensinadas em Kunstgewerbeschule. Previu que com esta formação iria ser completamente apto e independente em desenho, tanto para benefício próprio como apto para ensinar a outros. Foi admitido na escola com excepcionalidade, frequentando-a durante sete anos entre 1876-1883. Estudou a história e a técnica da arte, os movimentos, as formas; também atravessou neste ensinamento pelo estudo de frescos, mosaicos, e onde passou a maioridade do tempo a estudar a “cópia” de outras grandes obras de arte.
O estudo repetido de outras obras permitiu conquistar a capacidade de desconstruir um quadro pintado. Com esta dedicação de Klimt aos estudos, que subsistiu durante anos, adquiriu grandes técnicas de observação e análise e mais que tudo de engenho e mestria. O estudo de cada aspecto da pintura tornam-o no grande pintor que revelou ser até aos dias de hoje; o estudo das pinceladas, da pressão das pinceladas, das formas, as cores, as direcções; todos estes aspectos que fizeram com que ele entendesse tão bem a técnica.
Quase que por engano, o mundo ganhava um professor e perdia um grande artista, já no final dos seus estudos, Klimt ia prosseguir para o exame de qualificação para se tornar professor até que um dos seus professores, o professor Eitelberger, notou em Klimt um extraordinário talento e aconselho-o a deixar a ideia do ensino e começar a desenvolver a sua própria arte.
Depois de ser seleccionado para ter aulas com o Professor Laufberger, de Estudo em Pintura e Desenho Ornamental, Klimt entendeu que já possuía uma enorme bagagem de técnicas e estudos. Reflectiu vezes sem conta, sobre a ideia que agora que tinha a técnica, já tinha caminhado meio caminho, que agora só lhe faltava adquirir a sua própria Estética. Ele sabia que isso ia demorar anos, mas foi por esse caminho que escolheu. É graças a este caminho que hoje muitos de nós o conhecem e reconhecem.
Gustav Klimt, conforme os anos foram passando, começou a ganhar confiança e reconhecimento enquanto mantinha a sua posição crítica em relação à sociedade da qual questionava fortemente. Viena atravessava evidências de crise que se reflectiam na sociedade e Klimt inquiria constantemente as bases fundamentais da sociedade onde vivia.
Grande parte das suas obras representam figuras femininas, uma figura feminina sensível, dominante e autossuficiente, uma imagem completamente contrária ao papel da mulher naquela Europa do século XIX/XX. A mulher não tinha direito ao voto , e era tratada como um ser completamente ínfero em relação ao homem, quer nas artes como na sociedade. Klimt retratou a figura feminina, mas sem complexos, de forma libertadora e pertinaz, com o seu carácter critico bem apurado inicia o período da modernidade em Viena.
Gustav começa a mostrar uma personalidade mais revolucionária negando o academismo na arte e as regras anteriormente assimiladas e acomodadas. Desafia a visão renascentista, e opõe-se ao contexto histórico nas suas obras. As suas obras não mostram qualquer tipo de acção em nenhum tipo de contexto, revela uma espécie de realismo do corpo da figura feminina em contraste com os simbolismos referência que se enlaçam à volta das figuras. Esta era dourada permitia que os quadros se mantivessem a meio caminho do real e do imaginário. As emoções são reais, os símbolos são imaginários, havendo uma perfeita fusão entre estes dois dualismos que ficam constantemente adstritos ao ser humano.
“The Kiss” é um dos quadros mais conhecidos da Era dourada de Klimt, e talvez seja o seu quadro mais conhecido. É uma obra que apesar de ser muito estimada, ainda guarda muitos mistérios. Junta uma mulher e um homem como figuras centrais da obra, representa uma união mística e espiritual, a conexão ao universo à vida e ao amor. Conseguimos observar a energia na roupa de cada uma das figuras, as linhas também são notoriamente diferentes mas complementares. A forma como os corpos e as expressões se posicionam deixam um imenso mar de sentimentos não efémeros. Todo aquele universo da união do casal deixa o espectador como observador de um mundo íntimo, um mundo que é deles, seja imaginário ou real, um mundo tanto romântico como erótico. É um quadro que é eterno, que expõe uma relação amorosa infinita.
A sua vida foi tão intensa tal como a sua obra, Klimt também representa algumas figuras masculinas, mas todas elas têm o rosto escondido e secundário, dando espaço para a evidência da figura e das expressões femininas. Gustav não pretende representar uma mulher específica, na maior parte das vezes pretende libertar a mulher sexualmente, libertar a mulher de uma sociedade em crise. A mulher tornou-se numa espécie de obsessão, retratava a mulher vestida e nua, em figuras sedutoras como em figuras angelicais, não as colocava como objecto de prazer ou perversão. Com isto pretendia romper com o conservadorismo que se vivia na altura.
Apresenta uma fixação pelos cabelos ruivos, outro aspecto semelhante em algumas das suas obras, esta influência surgiu dos pré-rafaelistas, que representavam a mulher ruiva nas suas obras como símbolo da feminilidade.
Toda a sua pintura demonstra uma sensibilidade engenhosa que deixa uma marca única e altamente reconhecível nas suas obras. Cria-se um diálogo tanto transcendental como sentimental através das figuras e simbolismos, dos sonhos e da imaginação e essencialmente através do ritmo das formas, das cores e da simbiose perfeita com as expressões humanas.
E é na emoção que Klimt nos deixa sempre que observamos uma obra sua. Ficamos imersos pelo desconhecido mas simbólico, e pelo ilógico embebido em cada linha frágil. Traz consigo um mundo de inovação, uma linguagem sui generis que transcende em cada corpo que pinta e em cada símbolo que desenha. As linhas corporais são sempre um pouco disformes, mas ajudam-nos a mergulhar no irracional apenas emergindo para o emocional que nos fica perpetuado na alma.