Há lutas intemporais e universais
A proibição de as mulheres sauditas poderem conduzir um carro era única no mundo, facto. Também é um facto que estão a ocorrer algumas mudanças na sociedade saudita, principalmente a nível legislativo com a introdução de um plano reformista por parte do príncipe herdeiro Mohammad bin Salman com o objectivo de abrir a sociedade ao resto do mundo. Porém, não nos iludamos. Qual é a relatividade nestas mudanças e neste progresso numa sociedade altamente retrógrada cuja repressão às mulheres é uma das mais altas do mundo?
Nem todas as pessoas que olham de fora conseguem ficar excitadas com estas novidades. Ao mesmo tempo que as mulheres agora podem tirar a carta de condução e, assim, poderem conduzir, inúmeras activistas foram presas, as mesmas que criaram o movimento em defesa dos direitos das mulheres, inclusive, o direito de conduzir. Isto não é contraditório. É uma manobra clara de criar um balanço, apesar de frágil, entre a elite claramente conservadora e o progresso. E isso só demonstra duas coisas. A primeira é que, no mínimo, a elite que controla o país e que não é controlada pelo príncipe, não aceita esta mudança. Uma segunda, talvez mais preocupante, é que esta mudança pode não ser imutável. A qualquer momento, por pressões internas ou por substituição hipotética de herdeiro, a mudança que foi tanto elogiada pelo Ocidente pode ir por água abaixo.
Se olharmos para os números das inscrições, a percentagem é, como era de esperar, baixa – somente 120 mil num mundo de 9 milhões. Não é fácil mudar uma cultura que está, como é natural, inerente a uma sociedade. Certamente não é possível fazer isso unicamente através de leis. Há um lado que transcende isso, a parte que irá realmente decidir se essa mesma mudança não morrerá ao terceiro dia. Se ela for bem planeada e houver realmente intenção de realiza-la, as próximas gerações pensarão de forma diferente. Isso acontece com a homossexualidade, com as questões ambientais ou com a ingressão no ensino superior. Apesar disso, ainda existem pessoas homofóbicas, iletradas ou que não se preocupam com o planeta, por exemplo, em Portugal. Provavelmente existirão para todo o sempre. Há lutas intemporais e universais.
Com tudo isto não digo que não fico feliz com o progresso. Mas devo realmente às mulheres que lutaram por ela e que agora estão presas como forma de controlo interno e também felicito todas aquelas que ingressaram e ingressarão nesta oportunidade de dar uso a um direito como mulheres e cidadãs. Existe uma clara mudança geracional, apesar de ainda restrita. Existem jovens mulheres sauditas que já não olham para a roupa da mesma forma. Olham para todas as restrições como elas realmente são, restrições. Desta forma estão aos poucos a criar uma revolução feminista que espero que nunca seja calada. As mulheres sauditas não têm de ser tratadas como princesas numa estufa por um dono controlador. Têm o direito a levarem os seus filhos à escola, a fazerem compras sozinhas, a irem ao café quando lhes apetecer e com quem quiserem. E espero que ocorra uma mudança na forma como o Ocidente olha para estas mulheres. Que a simples imagem de um hijab mude para o de uma mulher que está aos poucos a tomar as rédeas do seu destino. E que isto demonstre aos movimentos ocidentais feministas o que realmente significa lutar pela inserção total das mulheres numa sociedade justa e igualitária.