Hans Zimmer e a genialidade das bandas sonoras no cinema

por Lucas Brandão,    15 Março, 2017
Hans Zimmer e a genialidade das bandas sonoras no cinema
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Hans Zimmer é um dos autores de bandas sonoras mais conhecidos no panorama cinematográfico, até por aqueles que não o conhecem por nome. O motivo dessa familiaridade é a numerosa participação e criação musical deste em diversos filmes conhecidos, entre eles “Gladiator“, a série “Pirates of the Caribbean” e diferentes projetos da autoria de Christopher Nolan (incluem-se “Inception“, “Interstellar“, a própria trilogia de “The Dark Knight“, e”Dunkirk“). Nesta profícua carreira, foi galardoado com um Óscar, no ano de 1994, pelo corpo de música que desenvolveu em exclusivo para o filme da Disney “The Lion King“, para além de ter já sido laureado no âmbito dos Grammy Awards, dos Golden Globes e dos BRIT Awards. De nacionalidade alemã, trata-se de um nome impossível de se desvincular da história da composição musical para o cinema no século XXI, permanecendo na linha da frente como um nome marcante e entusiasmante, sempre que se lhe é anunciada uma nova colaboração.

Hans Florian Zimmer nasceu a 12 de setembro de 1957 em Frankfurt, na Alemanha. Revelando desde cedo vocação e vontade para tocar piano, começou a dar-lhe dedos bem cedo, apesar de desgostar da formalidade que as aulas lhe forçavam a adotar. Assim, o jovem, com origens judaicas, treinava com gosto e desenvoltura por casa até se mudar para Londres, onde ingressou na Hurtwood House, escola talhada para as artes performativas. Os seus pais complementavam-se no sentido em que a mãe era música e o seu pai engenheiro, destacando-se ambos, porém, pelo virtuosismo que incutivam nos seus ofícios. A influência que acabou por perpassar para Zimmer prendeu-se com o pendor instrumental e musical da sua progenitora e com a irascível e inveterada vontade de arriscar e de revolucionar o seu instrumento, esta vinda da parte do pai. No entanto, a morte precoce deste viria a contribuir para que o futuro compositor se entregasse ainda mais à sua paixão, concentrando-se em pleno naquilo que seria um viveiro em quantidade e qualidade.

A sua primeira experiência em grupo deu-se em bandas londrinas amadoras ou emergentes, onde tocava teclas e sintetizadores. Uma delas foi “The Buggles“, conotada com o famoso single de 1979 “Video Killed the Radio Star”. Também numa perspetiva continental Zimmer se começou a denotar, colaborando esporadicamente com o grupo italiano “Krisma” e com os espanhóis “Mecano”, todos imbuídos numa nova fase da música, caraterizada pelo experimentalismo, pela crescente complexidade instrumental e por uma maior envolvência da tecnologia na produção musical. Porém, os créditos do que vinha fazendo começaram a realçar a sua participação a partir dos anos 80, em especial num álbum da banda punk britânica “The Damned“, cuja descrição mencionava “over-produced by Hans Zimmer”.

A entrada com força nos anos 80 tornou-se consolidada numa parceria que viria a estabelecer com um compositor musical para filmes, de seu nome Stanley Myers, com um currículo com dezenas de bandas sonoras efetuadas. Esta sinergia viria a formalizar-se na fundação do estúdio Lillie Yard, situado na capital inglesa e numa fase em que Zimmer vivia da produção de melodias para o trabalho publicitário da Air-Edel Associates. Aquilo que se reconhece hoje num trabalho do alemão começou a ser preparado e criado nesses anos, em que ele e Myers fundiam as tradicionais orquestras com instrumentos eletrónico, dando novidade e despertando curiosidade na composição musical. A dupla revelou-se numa mão cheia de filmes, entre eles “Insignificance” e “My Beautiful Laundrette” (ambos de 1985). A rampa de lançamento para Zimmer conheceu continuação no filme de Bernardo Bertolucci “The Last Emperor” (1987), onde foi um dos produtores da banda sonora, esta que arrecadou um Óscar; isto depois de se ter estreado de forma singular em “Terminal Exposure“, do mesmo ano, do realizador grego Nico Mastorakis. Aqui, teve a particularidade de redigir as próprias letras das músicas que apuram os sentidos na visualização do filme. No entanto, aquilo que lhe tornaria marcante no subconsciente coletivo dos ingleses seria a composição do genérico do famoso programa televisivo “Going for Gold” (1987), contando com a assessoria de Sandy McClelland. Este trabalho viria a causar sensação e a gerar convites por parte de projetos do outro lado do Atlântico, incluindo aqueles cuja proveniência era Hollywood.

A sua estreia em Hollywood seria no filme de Barry Levinson “Rain Man” (1988), protagonizado por Dustin Hoffman e Tom Cruise. Foi precisamente a esposa do realizador que o apresentou a este, a partir da banda sonora em CD do filme “A World Apart” (1988, da direção de Chris Menges). A toada que apresentou no filme de Levinson não divergiu muito do que havia usado até então, pegando em sintetizadores e misturando a sua sonoridade com a de tambores de aço, tentando expandir o próprio filme a partir das viagens que este engloba e da personagem de Raymond, que sofre de uma doença similar ao autismo. Esta composição tornar-se-ia na primeira a conceder-lhe uma nomeação exclusiva a um Óscar; e viria a despoletar o convite de Bruce Beresford para consigo colaborar em “Driving Miss Daisy” (1989). Ironicamente, este, tal como o acima exposto, viria a arrecadar o Óscar de Melhor Filme e contaria, assim, com o trabalho musical de Zimmer, que usou somente os já usuais sintetizadores e também samplers (espécie de gravador e reprodutor de sons).

Nos anos 90, tornou-se assíduo membro da equipa dos filmes de Ridley Scott, um dos mais reputados cineasta da altura. Tudo começou com “Thelma & Louise” (1991), chegando até ao galardoado “Gladiator” (2000). No primeiro, privou e trabalhou com o músico Pete Haycock, membro fundador da banda Climax Blues Band, e com quem viria a trabalhar também em “K2” (1991) e “Drop Zone” (1994). O ano de 1994 seria particularimente interessante para Zimmer, uma vez que, no rescaldo do trabalho “The Power of One” (1992, de John G. Avildsen), surgiria a oportunidade de trabalhar com os estúdios da Disney. Num filme que, tal como o de 1992, se passava também em África, o germânico usou aquilo que havia captado das suas viagens a África, em especial no que toca aos coros e à percussão do folclore desse continente, e passou para esse trabalho de animação. Este, de título “The Lion King“, nunca mais fugiria da memória daqueles que o viram em miúdos e graúdos, e valeu-lhe uma série de prémios. Desta feita, receberia um Óscar pela Melhor Banda Sonora, um Globo de Ouro e dois Grammy Awards. Em 1997, passaria para um musical em Broadway, o que valeria um Tony Award para Melhor Musical e tornando-se no musical mais rentável da história do ramo (receitas aproximadas de 854 milhões de dólares).

Na segunda metade do século, teria a oportunidade de cooperar com Tony Scott em “Crimson Tide” (1995), dando-lhe o tema principal do projeto um Grammy. Num filme histórico, que contou com a colaboração no argumento de Quentin Tarantino, o europeu teve a ousadia de substituir a tradicional música clássica por uma essencialmente eletrónica, sustentada naquilo que havia feito até então mas que transmitia os diferentes tipos de tensão com a mesma eficácia e carga dramática. Essa impressão continuou patente noutro filme histórico, cujo título é “The Thin Red Line” (1998), da realização de Terrence Malick, para quem gravou seis horas e meia de música antes das filmagens sequer terem começado. No ano do lançamento deste, também colaborou em “The Prince of Egypt“, um filme de animação da DreamWorks, e no qual teve a oportunidade de apresentar a cantora israelita Ofra Haza, que viria a partir precocemente dois anos depois.

2000 havia chegado e Zimmer continuava repleto de compromissos e de provas dadas, coroladas com o já mencionado “Gladiator“, “Black Hawk Down“, “Hannibal” (os dois de 2001 e da autoria de Ridley Scott), “The Last Samurai” (2003), “The Da Vinci Code” (2006), “Sherlock Holmes” (2009, de Guy Ritchie, usando um piano desafinado de duzentos dólares) e com os projetos de animação “Madagascar” (2005) e “The Simpsons Movie” (2007). Para além disto, atuou ao vivo em 2000 pela primeira vez, secundado por uma orquestra, na 27ª gala anual do Flanders Internation Film Festival, na Bélgica. Uma das particularidades deste período deu-se precisamente em “The Last Samurai”, onde Zimmer sentiu que conhecia pouco quanto à criação musical do Japão e se dedicou à exploração do que por lá se fazia e se ouvia. Mesmo sentindo que sabia pouco sobre isto, e após ter mostrado aos seus colaboradores aquilo que havia escrito e composto para o filme, estes mostraram-se surpresos com o quanto ele sabia da temática e com o que havia colocado dessa distinção cultural no seu trabalho. Uma premissa que desvenda, desde já, o afinco e a capacidade camaleónica do trabalho e da produção artística deste profícuo autor, confirmados nos galardões de carreira que recebeu da National Board of Review e da American Society of Composers, Authors and Publishers, para além da estrela que tem no Hollywood Walk of Fame desde 2010.

Depois de finalizar esta diferenciada composição, seria abordado pelo produtor Jerry Bruckheimer, com quem havia trabalhado tanto em “Crimson Tide” como em “Days of Thunder” (1990) ou “Pearl Harbor” (2001, em mais um filme histórico). Frustrado com o trabalho sonoro de Alan Silvestri para “Pirates of the Caribbean: The Curse of the Black Pearl” (2003), esse produtor decidiu contactar Zimmer para ficar encarregue dessas funções. Por constrangimentos de agenda, não conseguiu ficar com a sua tutela, embora tenha realizado algumas músicas que constaram no produto final. Contudo, foi o compositor responsável pelas bandas sonoras das suas sequelas, sendo elas “Dead Man’s Chest” (2006), “At World’s End” (2007) e “On Stranger Tides” (2011), aqui com o auxílio  da dupla mexicana de guitarristas Rodrigo y Gabriela. Também em 2011 esteve presente na composição do segundo filme de Sherlock Holmes, com o título “A Game of Shadows“. Aqui, e tendo em conta a itinerância do enredo e das personagens pela Europa, importou música gipsy, contando com os préstimos de cantores romenos.

No meio de tantas produções musicais da sua parte, Hans Zimmer tornou-se num dos colossos da criação musical voltada para o cinema, mas de muito valeu a sua parceria com Christopher Nolan, realizador com muito em comum com o próprio compositor. Tudo começou com “Batman Begins” (2005), mas foi em 2008, com “The Dark Knight“, que o apogeu foi atingido. Com o apoio de James Newton Howard, deu à luz uma música exclusivamente tocada no violoncelo e numa só nota para a personagem do Joker, destinando-a a reforçar os sentimentos negativos desencadeados por este papel. Todavia, a banda sonora não foi elegível para o galardão máximo do cinema porque a equipa de compositores era demasiado numerosa, medida contestada por Zimmer no sentido em que a criação moderna em cima é, acima de tudo, uma prática colaborativa e que envolve sempre várias pessoas.

Para além de ter completado a trilogia (“The Dark Knight Rises“, de 2012, onde se patenteou a filantropia do compositor ao doar parte das receitas para as vítimas de um tiroteio que decorreu durante as filmagens), o alemão criou duas das que mais se perpetuaram, não só naquilo que é a rota dos sonhos em pleno cinema, mas também nas recordações sonoras dos tempos de estudo e de harmonização. “Inception“, de 2010, trouxe mais experiências, tais como uma manipulação eletrónica da música de Édith Piaf “Non, je ne regrette rien” – parte do filme sucede-se em Paris – e eternizou a crescente badalada que se ouve nas cenas de maior suspense, em conjugação com os picos de ação. Essa, que passou a ser rotineira presença nos trailers cinematográficos, é um dos elementos mais icónicos do repertório vário e distinto de Hans Zimmer, repertório este que viria a conhecer um rumo semelhante em “Interstellar” (2013). Mais uma banda sonora que segue o percurso vanguardista e audaz que Nolan assume, arriscando dialogar a partir dos sons os desafios e as questões que a narrativa levanta, para além da fusão da semiótica associada aos sentidos. Tudo isto numa missão novamente bem sucedida de adaptação e de diálogo com aquilo que o filme transmite a partir do figurino e da palavra.

Atualmente, e para além de “Dunkirk“, onde nos contempla com uma rajada de música elétrica e veloz, acompanhando a expectativa que a narrativa consagra, Hans Zimmer tem a sua própria produtora, sendo esta a Remote Control Productions. Para além desta, dispõe de um estúdio em Santa Monica, na costa de Los Angeles, que contém um vasto leque de utensílios tecnológicos e musicais, para além de algumas demos predefinidas, e que já contou com as presenças de outros nomes da criação, como Thomas Bergensen, Nick Phoenix, James Dooley ou Steve Jablonsky. A sua presença também já se fez notar em séries – “The Contender” (2005-08), “The Bible” (2013) e “The Crown” (2016) – e até em videojogos, trabalhando com Lorne Balfe em “Call of Duty: Modern Warfare 2” (2009), com a dupla Borislav Slavov e Tilman Sillescu em “Crysis 2” (2011) e, com Vince Staples, gravou um remix do tema da Liga dos Campeões para o FIFA 19.

Isto para além de outras colaborações, como “12 Years a Slave” (2013, de Steve McQueen e galardoado com o Óscar de Melhor Filme), a composição do hino do festival Tomorrowland, do documentário da BBC “Planet Earth II” (2016), e dos filmes de superheróis “The Amazing Spider-Man 2” (2014) e “Batman v Superman: Dawn of Justice” (2016). Entre os trabalhos mais recentes, estão os filmes do canadiano Denis Villeneuve “Blade Runner 2049” (2017) e “Dune” (2021), sem esquecer o filme de James Bond “No Time to Die” (2021) e o remake do Rei Leão de 2019. Em termos familiares, o germânico está casado pela segunda vez, em que, do matrimónio vigente, teve já quatro filhos; do anterior, é pai da modelo Zoe Zimmer.

Hans Zimmer tornou-se num dos compositores musicais mais reputados e celebrizados da atualidade, em especial devido aos contributos que deu ao cinema. Autor de uma grande quantia de bandas sonoras que ajudam a reforçar o legado e a própria experiência cinematográfica proporcionada, o alemão foi um dos principais responsáveis pela transição da sonorização orquestral para a tecnológica e eletrónica. Isto permitiu com que os mais ousados realizadores, entre eles Ridley Scott e Christopher Nolan, contassem com um recurso de luxo para dar azo e credibilidade às ambições mais ou menos compreendidas e sustenidas pela comunidade cinéfila. Uma intenção de extrapolar para além dos cânones previamente estabelecidos e conhecidos sempre se viu escudada na música e na melodia itinerante e fulgurante de Hans Zimmer. Mais do que uma voz, trata-se de um autor de asas vividas e ouvidas num mundo onde haverá sempre algo mais a descobrir, mais a explorar, mais a apresentar, mais a sonhar.

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