Hoje à noite n’O Sótão. No piano de Amaro Freitas, a viajar pelo tempo
O pianista Amaro Freitas tem vindo a consolidar o seu estatuto como um dos mais importantes músicos de jazz contemporâneo oriundos do Brasil. Nascido num berço humilde, nas favelas do Recife, o som característico de Amaro chamou a atenção do público internacional, presente no seu disco de estreia Sangue Negro (de 2016) e em Rasif (segundo álbum, lançado em 2018), aclamado instantaneamente. Editado pela londrina Far Out Recordings, apresentamos o seu novo trabalho, Sankofa, que traduz para música uma busca espiritual pelas histórias esquecidas, filosofias antigas e figuras inspiracionais do passado afro-brasileiro. Possivelmente, este será também o seu trabalho mais sincero e mais bem conseguido até à data.
O processo de criação para o pianista e compositor de 29 anos vai bem para além da teoria, da prática e da insistência. Amaro Freitas investe o seu tempo no estudo dos seus antecessores, das suas origens e da sua história como um homem negro no Brasil, todos imperativos determinantes que estão presentes em Sankofa. Com a ajuda de instrumentistas que bem conhece, como Jean Elton no baixo e Hugo Medeiros na bateria, Freitas demonstra-nos padrões rítmicos intrincados e variações de tempo inesperadas, como se estivesse a re-imaginar texturas musicais ancestrais. É evidente neste disco que falamos de um artista que não trabalha na ‘superfície das coisas’, mas antes no significado profundo delas. Todas as faixas em Sankofa são criadas a partir de ideias que representam pessoas, lugares e estórias, extravasando a linha do tempo. O simbolismo do álbum está no pássaro mitológico com o mesmo nome. Amaro Freitas olha para trás, enquanto cria música que é fundamentalmente contemporânea.
O símbolo do pássaro místico, que voa de cabeça para trás, ensina-nos a possibilidade de voltar às raízes, para concretizarmos o nosso potencial futuro. Com este álbum quero trazer a memória de quem somos e homenagear bairros, nomes, personagens, lugares, palavras e símbolos que vêm dos nossos antepassados. Quero comemorar de onde viemos.
Amaro Freitas
Com a flexibilidade do tempo a seu lado, Sankofa demorou cerca de dois anos a ver a luz do dia, com o trio de músicos a valorizar o processo criativo. Isso reflecte-se neste excelente trabalho. Disponível em vinil, este é um álbum que agradará aos fãs da música jazz.
E ainda…
Pachakuti e young.vishnu regressam com um novo EP, um ano depois do álbum de estreia, Semilla. Em Cuentos Cortos, a dupla baseada em Hildesheim, na Alemanha, mistura batidas lo-fi, jazz, música new age e suaves toques latinos com uma facilidade estonteante. Pachakuti no saxofone, flauta, piano, clarinete e harmónica, e young.vishnu no baixo, bateria e percussão. Receita mágica para quem gosta de Kiefer, FloFilz, Alfa Mist ou Robert Glasper. Disponível nas plataformas habituais.
O Sotão é uma webmagazine focada no mais alto quilate da música lançada por artistas e editoras independentes. Junto com a Comunidade Cultura e Arte contribui semanalmente com a rubrica Hoje à noite n’O Sótão, onde apresenta um novo projecto de música independente; e mensalmente com Álbuns com Pó.