“House of Gucci”, de Ridley Scott: um aglomerado de inconsistências
Ao nome de Gucci estão associadas imagens de glamour, grandes estrelas e estilo. Seria de esperar que um filme sobre a família que deu origem a este nome e esta empresa conhecida em todo o mundo e o seu drama refletisse um estilo deslumbrante. No entanto, tal não acontece com House of Gucci, ou em português Casa Gucci.
Poder-se-ia fazer uma série de perguntas, mas a que mais se destaca é a seguinte: onde está a realização neste filme? A forma como o filme é construído quase como se a câmara de filmar tivesse sido colocada aleatoriamente à frente dos atores sem qualquer sentido estilístico — de facto, com um vácuo completo de visão por parte da realização. É quase como se Ridley Scott tivesse estado ausente durante a rodagem do filme, apresentando uma qualidade surpreendentemente dececionante para um realizador do calibre deste realizador. É quase como um mau filme televisivo de reconstrução histórica, mas com um orçamento alto. Infestado com escolhas estéticas questionáveis e uma banda sonora que mais parece um shuffle de uma playlist de Spotify de músicas de topo dos anos 80 e 90, a maior chaga no filme é a palete de cores. Esta apresenta uma dominância de cores frias que em grande parte do filme parece desconexa do seu conteúdo e torna a imagem completamente desinteressante e sem vida. Será esta escolha uma forma de intensificar o drama retratado? Este que, por sua vez, está tão mal construído que mal se liga a esta escolha? O que torna esta escolha estética pior é a sua junção com uma banda sonora que parece ter sido escolhida mais pelos biggest hits do que pelo que faz sentido para uma dada cena, criando momentos em que há uma desconexão total entre a imagem e a banda sonora.
O enredo, por sua vez, também está infestado por inconsistências. O filme salta de cena em cena quase sem um sentido de transição, com elipses temporais que saltam momentos importantes e que tornam o seguimento do enredo algo confuso. De uma certa forma, é como se eventos simplesmente acontecessem e fossem capturados de uma forma aleatória. O desenvolvimento da trama e dos personagens é apresentada de uma forma pouco orgânica e que não nos faz entender as suas intenções por trás das suas ações, e, para um filme de uma duração de quase três horas, o final é feito de forma apressada, com lacunas no enredo preenchidas de forma descuidada. Ao longo do filme, perde-se tempo com cenas que não adicionam muito ao desenvolvimento da trama e outras cenas que parecem ter mais importância são completamente subdesenvolvidas, tornando a estrutura do filme bizarra e assimétrica.
Apenas uma pessoa parece trazer alguma coisa para o filme, e essa pessoa é Lady Gaga, que interpreta Patriza Reggiani. As outras interpretações, à parte de Al Pacino, que interpreta Aldo Gucci e também tem uma boa prestação e é a única pessoa que não faz um mau sotaque italiano, são quase ausentes e até mesmo ridículas. A interpretação de Jared Leto, que interpreta Paolo Gucci, mais parece uma má performance de drag de uma personagem de Super Mario. Adam Driver, interpretando Maurizio Gucci, apresenta-se completamente apático, como se não quisesse estar no set do filme. Apenas Lady Gaga se mostra investida em contar esta história e isso é comunicado através da sua interpretação que, mesmo roçando no ridículo e exagerado em diversos momentos, apresenta algo que nos consegue contagiar e comunicar algo.
De um modo geral, Casa Gucci parece mais um rough cut de um filme que deveria ter sido diferente, a abarrotar de inconsistências e assimetrias na forma como apresenta a sua história. Apenas as interpretações de Lady Gaga e Al Pacino salvam alguma coisa neste filme insosso com uma ausência completa de visão diretorial.