“In My Room” propõe um mundo pós-sociedade

por Diogo Lucena e Vale,    20 Novembro, 2018
“In My Room” propõe um mundo pós-sociedade
“In My Room (2018), de Ulrich Köhler
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O LEFFEST’18, Lisbon & Sintra Film Festival 2018, começou a 16 de Novembro e vai até 25 de Novembro

Desde a sua estreia na secção Un Certain Regard no passado festival de Cannes, In My Room (2018) tem vindo a afirmar-se a cada projeção como uma das maiores surpresas do circuito de festivais deste ano. Ulrich Köhler não é um realizador propriamente prolífico, tendo, nos 16 anos entre a sua estreia Bungalow (2002) e esta sua mais recente obra, assinado apenas dois outros filmes, Montag kommen die Fenster (2006) e Schlafkrankheit (2011), o segundo dos quais lhe venceu o Urso de Prata para melhor realização, mas cada passo que dá parece certeiro e isso reflete-se na cada vez maior visibilidade do seu trabalho.

“In My Room (2018), de Ulrich Köhler

O filme insere-se na longa linhagem de narrativas de desaparecimento da humanidade, um grupo de objetos tão díspares como o romance I Am Legend ou a série The Leftovers, mas não constitui por isso uma proposta menos interessante ou única, antes testemunhando a fertilidade ideológica no seio do conceito. Neste caso, não é dada qualquer explicação para o súbito sumiço da população humana; apercebemo-nos disso ao mesmo tempo que Armin, o protagonista deixado para trás. Após o choque inicial, a sua existência, como o filme, mergulha numa calma extrema que contrasta brutalmente com os minutos iniciais da obra. In My Room principia afirmando-se como uma comédia, transitando depois para uma estrutura de drama familiar antes do momento fatídico. Após a descoberta de que Armin não é, afinal, o último humano na Terra, o filme sofre um notável processo de reconstrução dramática. Esta ativa desconstrução e jogo entre diferentes géneros, através da qual Köhler demonstra enorme controlo sobre a forma cinematográfica, lembra uma obra criminalmente pouco vista de Kiyoshi Kurosawa, Seventh Code (2013).

“In My Room (2018), de Ulrich Köhler

Surpreendentemente, o mundo sem homens do filme não constitui nenhuma distopia. Se antes Armin era retratado como irresponsável, incompetente e imaturo, após um lapso temporal que nega ao espetador o conhecimento do seu quotidiano sem sociedade, ele emerge da sua solidão um herói improvável, em perfeita harmonia com o mundo natural e responsável pela construção de uma habitação confortável e autossuficiente. Assim, podemos ver nesta situação até uma concretização de ideais utópicos. O conflito surge sob uma forma humana e dá pelo nome de Kirsi. Esta mulher perturba como um seixo lançado à superfície de um charco e faz aos poucos emergir o pior de Armin, que cada vez mais abandona o seu recém-adquirido idealismo para se aproximar do seu “eu” antigo, eventualmente sabotando o seu projeto.

A vitalidade do conceito narrativo do desaparecimento da humanidade e a razão pela qual sempre há alguém disposto a reinventar o mito reside na sua flexibilidade. A metáfora é ambígua e Köhler joga precisamente com isso, pontuando a narrativa com alguns elementos de evidente carga simbólica, sem, contudo, orientar demasiadamente a leitura do espetador. Segundo esta visão de certa forma fria das relações humanas, desde a política, a economia, a ecologia ou a espiritualidade, uma coisa é certa: o que quer que a utopia seja, parece ser incompatível com a sociedade.

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