“Isadora’s Children”, de Damien Manivel: a dança como linguagem universal
O jovem realizador francês Damien Manivel foi homenageado na presente edição do Lisbon & Sintra Film Festival, com uma retrospectiva das suas 4 longas-metragens. Isadora’s Children é a sua obra mais recente, tendo participado na competição oficial do Festival de Cinema de Locarno, juntamente com Vitalina Varela, onde arrecadou o prémio de Melhor Realizador.
Isadora Duncan foi uma coreógrafa e bailarina norte-americana, considerada precursora da dança moderna. Em 1913, os seus 2 filhos, respetivamente com 4 e 6 anos, morreram afogados no rio Sena. Na sequência deste trágico momento na sua vida, que nunca conseguiu ultrapassar, Isadora criou uma peça de dança intitulada Mãe, expressando, através da arte, o seu luto pelo desaparecimento das crianças. Volvidos 100 anos, é este comovente acontecimento que serve como mote para as 3 narrativas pelas quais Damien Manivel nos guia no seu novo filme.
No primeiro capítulo, vamos conhecendo a história de Isadora juntamente com uma jovem bailarina (Agathe Bonitzer). Seguimos o seu trajeto entre casa, biblioteca e estúdio de dança, lendo, estudando e tentando colocar em prática a coreografia de Mãe. O segundo capítulo mostra-nos uma instrutora de dança (Marika Rizzi) a ensinar a coreografia de Isadora a uma jovem rapariga, em preparação para um recital público. No terceiro e último capítulo vemos o contracampo desse mesmo recital, através de um travelling que regista as reações do público, detendo-se numa senhora idosa (Elsa Wolliaston) visivelmente emocionada. Seguidamente presenciamos o seu penoso regresso a casa.
O cineasta francês cria um universo contemplativo, parco em acontecimentos dramáticos, esperando que o seu retrato banal do quotidiano garanta momentos de transcendência, através da composição dos planos e dos controlados movimentos de câmara que seguem os personagens. No início do filme, é difícil encontrar algo que nos prenda efetivamente ao ecrã, derivado também do seu carácter episódico. Mas, desde logo, impressiona a graciosidade com que o diretor filma os delicados passos de dança de cada protagonista e a minúcia na observação do seu dia-a-dia.
É a terceira parte do filme que deixa um maior impacto, na forma como, quase sem diálogo, acompanhamos a senhora idosa. As suas dificuldades de locomoção, motivadas pela idade e obesidade, são seguidas perseverantemente pelo cineasta, observando de perto cada um dos seus movimentos corporais e reveladoras expressões faciais. Quando, já em sua casa, vemos a fotografia de um jovem junto a uma vela, seguido da interpretação da dança que já tão bem conhecemos, é impossível não sentir o efeito arrebatador incitado por Damien Manivel, que, retroativamente, transmite à obra uma cativante solenidade.
O passado do realizador como bailarino poderá estar na origem da sensibilidade que demonstra enquanto cineasta. Manivel, deixa permear a história de Isadora para a sua narrativa contemporânea, ligando as vidas destas 4 mulheres com a bailarina norte-americana. Isadora’s Children, explora a forma como a arte pode permitir expressar os traumas e angústias, purgando os demónios que assombram a vida humana, a dança enquanto movimento libertador do corpo, uma interpretação individual de sentimentos universais.