J. Robert Oppenheimer: o pai da bomba atómica
J. Robert Oppenheimer ficou conhecido como um dos mais ilustres físicos do século XX, por ter liderado o Projecto Manhattan que conduziu ao fabrico da bomba atómica. O trabalho de investigação que liderou resultou no bombardeamento das cidades de Hiroshima e Nagasaki no Japão, em Agosto de 1945. Estima-se que tenham morrido cerca de 200.000 pessoas no conjunto das duas cidades, e que várias tenham sofrido graves mazelas provocadas pela radiação resultante após o bombardeamento. Oppenheimer ficaria, assim, conotado com o lado mais sombrio da ciência, ao ser o pai da arma que viria a lançar o horror no mundo. Em Julho, chegará às salas de cinema o filme homónimo, realizado por Christopher Nolan, sendo este um dos filmes mais aguardados de 2023, e que conta com o actor Cillian Murphy como J. Robert Oppenheimer. Valerá a pena recordar a história do homem que arriscou destruir o mundo para o salvar, e que acabou por ser protagonista e ao mesmo tempo vítima de todo um jogo que envolveu ciência, política e guerra.
Julian Robert Oppenheimer nasceu em Nova Iorque a 22 de Abril de 1904. O seu pai, oriundo da Alemanha, emigrou com apenas 17 anos e tornou-se num homem de negócios de sucesso enquanto que a sua mãe, oriunda de Baltimore, era pintora. Oito anos mais tarde, nasceria o seu irmão Frank, que viria também a ter um enorme apreço pela descoberta, seguindo-lhe as pisadas. Os interesses de Oppenheimer pela ciência terão começado quando o seu avô lhe ofereceu minerais que juntou numa colecção. Em 1922, ingressa na Universidade de Harvard como estudante de Química, onde é fortemente influenciado por Percy Bridgman, um físico experimental que viria a ganhar o prémio Nobel pelas suas contribuições na área das altas pressões. No ano de 1926, acaba por viajar para a Europa e passar pelo Christ College e no laboratório Cavendish onde é orientado por outro vencedor do prémio Nobel: J. J. Thompson. Em Setembro desse mesmo ano, parte para Göttingen na Alemanha, tendo sido orientado por Max Born, também ele laureado com o prémio Nobel anos mais tarde. Obteve então o grau de doutor em Física em 1927, com um vasto currículo nos mais bem reputados laboratórios de investigação em Física do mundo.
Após o seu doutoramento, Oppenheimer passa por vários centros de investigação, passando pela ETH (Eidgenössische Technische Hochschule) de Zurique, a escola onde Albert Einstein se doutorou, e regressando novamente a Harvard. Teve um longo relacionamento com Jean Tatlock, uma física e militante do partido comunista americano que faz com que o próprio ganhe interesse por assuntos políticos e económicos. Porém, acabou por casar-se em 1940 com Katherine (Kitty) Puening Harrison. Já com o filho Peter nascido, e em plena Segunda Guerra Mundial, em 1941 é nomeado coordenador do Projecto S-1 Fast Neutron, que tinha, como principal objectivo, o desenvolvimento de possíveis armas nucleares. No ano seguinte, parte com a mulher e o filho para o Novo México onde viria a dirigir o Laboratório de Los Alamos.
Foi aqui que trabalhou com um grupo de cientistas de renome e reconhecimento mundial, como Enrico Fermi, Hans Bethe, Robert Bacher, Robert Serber, Stanislaw Ulam, Richard Feynman, Ernest Lawrence, Edward Teller e também com o seu irmão Frank e a sua mulher Kitty, bióloga de formação, dirigindo o projecto que tinha como fim o desenvolvimento da bomba atómica: o Projecto Manhattan. Fundado em 1940, este projecto contou com os mais reputados físicos de vários países na construção daquela que viria a ser a arma mais letal alguma vez conseguida. O ataque do Japão a Pearl Harbor, a 7 de Dezembro de 1941, levou a que os Estados Unidos entrassem também na grande guerra e acelerassem o desenvolvimento desta arma. Para estes homens, o fascínio e dedicação pela ciência era de tal forma que alguns não esperariam que a sua investigação pudesse atingir proporções de destruição gigantescas. É, também, durante este período que nasce também a filha de Oppenheimer Katherine, em 1944, no mesmo ano em que Jean Tatlock se suicidou.
Os primeiros testes à bomba de implosão de plutónio, baptizada com o nome de código Trinity, aconteceram a 16 de Julho de 1945 no deserto Jornada del Muerto, no Novo México. O sucesso do ensaio viria a espantar toda a comunidade científica e política de que afinal o que se julgava quase inatingível seria possível: a bomba atómica poderia ser eventualmente lançada sendo, à data, a arma mais letal alguma vez descrita na história da humanidade. Uma célebre frase da escritura hindu “Bhagavad Gita” terá vindo à memória de Oppenheimer, após o sucesso do ensaio: “Now I am become Death, the destroyer of worlds”, evidenciando a ideia de que o próprio se tinha tornado no líder de um projecto cujo produto final conseguiria arrasar qualquer cidade, provocando vários milhares de vítimas mortais.
Numa altura em que físicos de grande renome, como Albert Einstein, defendiam, também, o fabrico da bomba atómica, para ser apenas e só usada como defesa e em extremo último recurso, pois havia o risco da Alemanha estar também a desenvolver tal arma, as entidades políticas quiseram ser maiores do que os valores e a ética na ciência que nos dias de hoje são fundamentais no nosso mundo. Para além de ter escrito uma carta ao presidente Franklin D. Roosevelt a apelar ao seu desenvolvimento, pouco tempo antes do início da guerra, em Agosto de 1939 (a carta, na realidade, foi escrita pelo físico Leó Szilárd e assinada em conjunto com Einstein), deu também o seu contributo (indirectamente, como é óbvio) graças à sua célebre equação que correlacciona massa e energia: E=mc2.
Uma bomba atómica tem, como base, uma reacção de fissão, que ocorre quando um núcleo instável como o de urânio ou plutónio é bombardeado com neutrões originando dois núcleos menores (elementos diferentes). O seu impacto consegue libertar uma quantidade de energia superior a 10 mil toneladas de TNT (trinitrotolueno). Para além disso, o Projecto Manhattan também trabalhou para o desenvolvimento da bomba de hidrogénio (também conhecida como bomba termonuclear) que tem, como base, a fusão nuclear de hidrogénio e hélio, semelhantes às que ocorrem nos núcleos das estrelas, originando elementos mais pesados; e consegue ser mil vezes mais potente do que uma bomba atómica (libertando uma quantidade de energia superior a um milhão de toneladas de TNT!). Obviamente que estes valores dependem do tamanho da bomba e das quantidades nelas envolvidas, podendo variar de caso para caso, mas mantendo-se dentro desta ordem de grandeza. No caso da bomba de hidrogénio, que teve, como pioneiro, Edward Teller juntamente com o seu colega Stanislaw Ulam, apenas foi testada anos mais tarde, em 1952, abrindo espaço para o horror e o perigo que as armas nucleares podem ter no nosso mundo se assim quisermos. Esta arma nunca foi usada em qualquer guerra até hoje, e consegue ter um impacto devastador nunca antes testemunhado.
Numa altura em que a Segunda Guerra estava prestes a terminar, em Fevereiro de 1945, dava-se a Conferência de Ialta, onde as forças dos Aliados representadas por Franklin D. Roosevelt (Estados Unidos), Winston Churchill (Reino Unido) e Estaline (União Soviética) começavam a equacionar como seria o pós-guerra. No final de Julho, deu-se a conferência de Potsdam que contaria, então, com Harry Truman a representar os Estados Unidos, que substituiu Roosevelt após a sua morte repentina, Clement Attlee, eleito, recentemente, primeiro-ministro do Reino Unido, que participou alternadamente com Churchill, e Estaline novamente a representar União Soviética. Com a guerra praticamente terminada na Europa e com a rendição da Alemanha e da Itália, apenas faltava a rendição oficial do outro país pertencente ao Eixo: o Japão.
À semelhança da Conferência de Ialta, na Conferência de Potsdam, discutiu-se o estabelecimento da ordem do pós-guerra e de medidas que promovessem a paz, a divisão e a desnazificação da Alemanha, e ainda os termos de rendição do Japão num documento que ficaria conhecido como a Declaração de Potsdam. Consta-se que Truman terá confidenciado a Estaline sobre o uso de “uma arma potente” caso o Japão recusasse tais termos, sendo que o próprio Estaline já teria uma ideia de que arma pudesse ser. De facto, o Japão não cedeu e manteve-se firme na sua posição. É discutível que a rendição do Japão fosse apenas uma questão de tempo, tendo em conta que já teriam perdido os seus dois maiores aliados e que já se encontravam praticamente isolados. Contudo, e com o mais recente sucesso da Trinity, para os Estados Unidos, não havia mais tempo a perder.
Poucos dias depois da Conferência de Potsdam e três semanas após o sucesso da Trinity, viria a acontecer um dos acontecimentos mais avassaladores da história da humanidade. Os Estados Unidos atacavam o Japão ao lançarem duas bombas atómicas. Uma sobre Hiroshima, a 6 de Agosto, com Little Boy e outra sobre Nagasaki em 9 de Agosto, com Fat Man, sendo estes os nomes de código dados às duas bombas. O resultado foi absolutamente devastador sendo que ambas as cidades ficaram praticamente destruídas. Consta-se que tenham morrido entre 70.000 a 135.000 pessoas em Hiroshima e 60.000 a 80.000 em Nagasaki. Isto, sem contar com a radiação que causou várias doenças e malformações congénitas às populações. Depois da execução das duas bombas, e do seu (suposto) sucesso, no dia 2 de Setembro o general Douglas McArthur aceitou o pedido final de rendição apresentado pelo Japão, dando-se o desfecho oficial da Segunda Guerra Mundial. Oppenheimer abandonou o projecto que liderara e de qual fora o grande mentor em Outubro desse mesmo ano, ficando, assim, para sempre associado como o grande responsável pelo armamento nuclear. Little Boy e Fat Man viriam assim a encerrar um capítulo negro da nossa História, numa era que colocou a humanidade a olhar para o mundo e para si mesma de um modo diferente.
Até 1952, Oppenheimer presidiu a Comissão de Aconselhamento Geral para a Energia Atómica nos Estados Unidos. Após deste período, foi uma das vítimas do Macartismo, que também ficou conhecido como uma espécie de caça às bruxas que imperou nos Estados Unidos na década de 50. Este foi o nome dado à perseguição promovida pelo senador Joseph McCarthy aos simpatizantes de ideais de esquerda e aos suspeitos de cedência de informações confidenciais à União Soviética em plena Guerra Fria. Oppenheimer esteve sempre próximo do Partido Comunista dos Estados Unidos, tal como o seu irmão Frank. Os Estados Unidos encaravam o avanço do comunismo como o maior perigo logo a seguir à Grande Guerra, e foram vários os casos em que várias pessoas foram perseguidas, condenadas e até executadas.
O caso mais conhecido remonta para o casal Rosenberg (Julius e Ethel), acusados de crimes de espionagem e de cedência de informações sobre armas nucleares à União Soviética, que acabaram por ser condenados a pena de morte. No caso de Oppenheimer, foram-lhe suspendidas todas as suas funções, estando algum tempo proibido de exercer quaisquer cargos desempenhados para o governo norte-americano, ficando, também, interdito de ter acesso a informações confidenciais. Pouco tempo depois, foi reinstalada a confiança em Oppenheimer, embora com enormes reservas, pois foi considerado um agente de risco para a segurança nacional, mas a sua lealdade ao país não foi posta em causa.
Oppenheimer continuou a sua vida após aquele que foi o maior susto que a ciência nos conferiu até hoje: o ser humano ter capacidade de se destruir a si mesmo bem como o mundo que o rodeia. Tentou sempre seguir um caminho próximo da redenção, embora o cunho tenha sempre ficado para sempre associado ao seu nome. Correu mundo ao participar em conferências e palestras, deu aulas, venceu ainda o Prémio Fermi e outros prémios de elevado renome. Em 1966, pediu a demissão do cargo de presidente de Estudos Avançados, terminando definitivamente a sua carreira como cientista. A 18 de Fevereiro de 1967, J. Robert Oppenheimer faleceria na sua casa em Princeton, na sequência de complicações causadas por um cancro na garganta provocado pelo tabagismo. Durante os Encontros Internacionais de Genebra em 1964, três anos antes da sua morte, disse uma passagem sonante durante o seu discurso:
“Penso que quando alguém começa a falar do amanhã sente que se fechou o livro do passado e que tem uma nova página a escrever. Mas não é realmente assim. A nossa moral, a nossa política, a nossa arte e mesmo a nossa ciência revolucionária estão enraizadas no passado e no presente. Não determinam, mas condicionam o que pode acontecer. Na verdade, as páginas que temos de ler e escrever não estão em branco.”
J. Robert Oppenheimer
J. Robert Oppenheimer ficou para sempre conotado ao perigo da ciência e ao modo como pode ser altamente destrutiva, se assim quisermos que esta o seja. Acabou por ser também uma vítima de todo um jogo que misturou ciência com política e guerra tornando esta numa conjunção perigosa. Oppenheimer foi protagonista e tornou-se numa carta fora do baralho no decorrer de todo um processo que mudou completamente a forma de olharmos para o mundo. As páginas escritas na história não estão em branco e aqueles que temos de ler e escrever também não estão. Por mais que Oppenheimer tentasse reescrever a história, envergando por uma via mais humanística da ciência, ficará para sempre como o rosto de que a ciência pode ser conduzida para um lado mais sinistro e avassalador.
Hiroshima e Nagasaki reergueram-se rapidamente, assim como o Japão se reergueu economicamente após a Segunda Guerra, tornando-se numa potência mundial naquele que foi designado como o “Milagre Japonês”. Passadas mais de sete décadas depois do acontecimento, a radiação nestas duas cidades é praticamente residual e é possível viver e visitá-las sem qualquer perigo. Hiroshima tem, hoje, cerca de um milhão de habitantes, enquanto que Nagasaki tem perto de meio milhão, mais pessoas do que tinham em 1945 antes das duas bombas. A história permanece inerente nestas duas cidades que ficaram conhecidas em todo o mundo por serem os dois grandes alvos de uma arma absolutamente massiva. Hiroshima e Nagasaki têm agora novas páginas já escritas para além das páginas negras da sua destruição que deixaram para sempre a sua marca.
Numa altura em que o perigo de uma guerra nuclear pode surgir a qualquer momento, a história do Projecto Manhattan e também a história de vida de J. Robert Oppenheimer devem ser cada vez mais recordadas. Numa altura em que o mundo se encontra dependente do progresso científico, nunca nos devemos esquecer de que este não deve prevalecer sobre os valores humanos. As páginas do passado estão escritas e têm que continuar a ser lidas e interpretadas de forma a que os erros do passado não sejam repetidos. A ciência progrediu e conseguiu atingir patamares quase inimagináveis, tanto para o bem como para o mal. Cabe-nos a nós continuar a ler, a escrever e ao mesmo tempo a interpretar as páginas que se seguem, deste livro já bem volumoso que contempla toda a história da humanidade e que certamente terá capítulos mais belos se estivermos do lado certo da ciência.