Japanese Breakfast: “Em cima do palco sou a melhor versão de mim mesma”
Final de tarde na praia fluvial do Taboão. Aproxima-se a hora de abertura do recinto do Paredes de Coura mas ninguém quer arredar pé das margens do rio. Nem os artistas que vão tocar daí a pouco mais de duas horas. Encontramos Michelle Zauner – cujo actual projecto se apresenta sob o nome de Japanese Breakfast – sentada numa toalha, próxima do local onde os festivaleiros mergulham das pranchas e da árvore. De sorriso aberto e óculos de sol, cumprimenta-nos e convida a sentarmo-nos ao lado dela.
Embora esgote salas pelos Estados Unidos, ninguém parece reconhecê-la. Na verdade, falamos de uma carreira que apenas começou a levantar voo há menos de dois anos – e que, embora do lado de lá do pacífico já tenha angariado um público fiel e entusiasta, na Europa ainda precisa de se afirmar. É a primeira vez que está em Portugal, a promover o lançamento dos seus dois álbuns – Psychopomp (2016) e Soft Sounds from Another Planet (2017), ambos bonitos e sinceros testemunhos das dificuldades e dores que têm marcado a vida pessoal da artista.
Na toalha ao lado da dela, está sentado o pai, que nos é apresentado praticamente de imediato. Sorrimos, surpreendidos. Algumas das perguntas que levamos na manga falam sobre a dor de Michelle ter perdido a mãe, acontecimento que motivou o processo de composição de Psychopomp. Vamos fazê-lo ali, na presença do pai; resgatar um eco doloroso e incontornável que se interliga com a música de Japanese Breakfast. Mas, mais do que da dor e da perda, falámos de criatividade, da importância dos arranjos, de lidar com a ansiedade, e da música que mais gosto lhe dá ouvir. Vêm à baila os nomes de Mount Eerie, Mitski e Queen.
No final, uma família que descansava ali perto veio perguntar-nos com quem tínhamos estado a falar. “A Japanese Breakfast toca logo à noite no palco Vodafone.FM”. A mãe aconselha as miúdas a irem tirar uma fotografia com Michelle. E fazem bem. A julgar pelo incrível concerto que deu naquele segundo dia do festival, não tardará muito para que também o velho continente se renda à dream pop fulgurante da americana. É uma das grandes artistas indies em ascensão neste momento – que o próximo regresso a Coura a consagre com vários tamanhos de letra acima no cartaz do festival.
Sendo esta a tua primeira visita a Portugal, não podemos deixar de questionar como está a ser a tua experiência até agora.
Chegámos precisamente ontem e tenho estado mesmo entusiasmada para viajar por aí, passear, beber vinho… a comida é fantástica. Os preços são acessíveis, o que é óptimo, é bom podermos estar numa cidade europeia sem andarmos tão preocupados com o dinheiro. Vamos passar férias por cá, no Porto, ao longo das próximas duas semanas. A viagem de carro pelo campo até chegarmos aqui foi lindíssima, as pessoas são muito amigáveis. E vim com o meu pai, ele também veio visitar. Na verdade ele tem uma grande herança portuguesa [“do lado da mãe”, acrescenta ele com um sorriso], por isso é como se estivesse na minha segunda pátria! [risos].
Gostaríamos de saber como foi o teu primeiro contacto com a música em casa, durante a infância e o teu crescimento. Quais foram as primeiras influências musicais?
Por acaso os meus pais não ouviam assim tanta música, mas o meu pai tinha CDs dos Fleetwood Mac, por isso ouvi-os muito quando era nova. Tinha também cassetes de compilações motown e dos Queen. Por isso, estas três são as principais influências musicais do meu pai ao longo da minha infância. Depois, já na adolescência, comecei a descobrir música mais por mim mesma; e, uma vez que não tenho irmãos, tudo o que fui ouvindo foi especialmente através de amigos. Fui um bocado late bloomer nesse aspecto. Cresci no Oregon, no noroeste do Pacífico, por isso comecei a ouvir muito indie rock típico dessa região, como Built to Spill, Modest Mouse, Elliot Smith, Mount Eerie… esse género de música foi uma influência importante para mim.
E quando é que começaste a compor música?
Comecei a tocar guitarra quando tinha 16 anos, e, após aprender os primeiros acordes, comecei imediatamente a compor canções. Acho que estava mais interessada em compor do que propriamente em tocar guitarra. Esse foi apenas o meio que arranjei para escrever música.
Sentias esse impulso criativo já antes disso, manifestado de outras formas?
Sim. Eu acho que sempre fui uma pessoa criativa mas não compreendia bem para onde poderia canalizar essa criatividade. Fui uma adolescente deprimida, e acho que era por estar confusa. Ou meus pais eram pessoas que não valorizavam propriamente a criatividade; por exemplo, a minha mãe, como muitas mães asiáticas, ficava preocupada comigo por ser uma pessoa criativa, e queria que eu seguisse um caminho mais sério. Esses mixed feelings fizeram com que fosse difícil no início tentar perceber que energia era aquela que eu senti, e onde a poderia alocar. Quando comecei a escrever música tudo passou a fazer sentido.
Nos teus álbuns de estúdio deste novos arranjos a algumas músicas de EP’s mais antigos. Ficámos curiosos para saber como é que o significado que atribuis a uma música pode ir evoluindo em ti ao longo do tempo; e qual a importância da produção e do rearranjo nessa expressão.
Com os Little Big League, o meu projecto anterior, já tinha lançado dois álbuns; e essa experiência contribuiu para que, na altura dos Japanese Breakfast, eu conseguisse perceber como expressar de forma mais eficaz o que queria através da produção e do arranjo. Apercebi-me realmente da importância desse processo na transmissão dos sentimentos em que queres envolver uma música.
Muitos dos temas começaram por ser demos que mudaram imenso, não só ao nível do arranjo musical, mas também do significado atribuído à letra. Por exemplo, a “Heft” inicialmente tinha metade do tamanho; na verdade, foi escrita quando descobri que a minha mãe estava doente, e a segunda metade escrevi só depois dela ter falecido. Houve tanto que aprendi entre esses dois momentos, por isso a expressão foi mudando ao longo da criação dessa música. E mesmo outras canções menos pesadas, como a “Boyish”: começou por ser uma música dos Little Big League, e eu odiava a forma como a tínhamos produzido. Perguntei à banda se a podia refazer e, quando o fiz, tornou-se uma música pela qual me apaixonei completamente – finalmente era o que era suposto ser desde o início. Revisitava frequentemente aquele refrão, para tentar perceber o que queria transmitir com ele, e como haveria de tornar a canção mais comovente. Também liricamente a canção mudou muito, uma vez que inicialmente era sobre o meu namorado da altura e sobre infidelidade emocional; e entretanto eu acabei por casar com essa pessoa. Por isso, o significado da música mudou bastante. A bridge foi retirada porque era mesmo maldosa [risos] e a música, ao invés disso, focou-se mais na insegurança sentida durante uma relação e em como te pode consumir.
Na tua música a dor encontra-se muito presente, principalmente no álbum Psychopomp. Como é transpor essa dor para a música?
Eu sempre escrevi música que é muito pessoal, sempre senti uma maior conexão com música baseada na vida real. Acho que é muito típico no indie rock no noroeste do Pacífico [Pacific Northwest] ser muito confessional e real. A música pela qual sempre me apaixonei é a que me permite conectar com o ser humano que a escreveu. Por isso acho que, naturalmente, foi o que me fez sentido fazer no meu próprio trabalho. Utilizar a música como forma de expressar a realidade do que sentia e documentar aquilo por que estava a passar na altura foi a parte mais gratificante do processo.
E é difícil interpretar essas músicas ao vivo?
Há dias mais difíceis que outros, depende também dos locais onde vou tocar. Mas existe também uma dualidade associada, porque há música que é muito optimista e mexida e consigo ficar imersa na felicidade que é poder tocar música ao vivo e ter este trabalho – consigo focar-me em transmitir simplesmente alegria pura. Não tens sempre de conectar com os significados das letras, é algo que vais aprendendo ao longo do tempo. Muitas vezes, as pessoas não estão à espera disso nos nossos concertos e ficam surpreendidas com o quão felizes parecemos estar, apesar de tocarmos músicas com significados tão tristes.
Sim, nas tuas letras encontram-se temas como sofrer-se de ansiedade e depressão. Como é que te consegues expor sucessivamente em palco nos teus concertos apesar dessas lutas internas?
É muito fácil para mim. Também já o faço há imenso tempo; mas, na verdade, em cima do palco, sou a melhor versão de mim mesma. Até é o contexto onde me sinto menos ansiosa, porque é o momento em que tenho mais para oferecer. Pelo contrário, quando estou apenas a existir e a viver a minha vida normal, é quando me sinto mais ridícula [risos].
Quais são as músicas que te dão mais gosto de tocar ao vivo?
Adoro tocar a “Diving Woman”, porque é longa, é uma boa zone out song. Tenho de cantar em praticamente todas as músicas, mas, nesta, existe menos canto por isso posso permitir-me usufruir da guitarra e mergulhar na música. Também gosto de músicas onde não tenho de tocar, como a “Road Head” e a “Woman That Loves You”, porque posso dançar e mexer-me mais.
Já agora, tenho de perguntar: já mergulhaste aqui no rio?
[risos] Não, está mesmo demasiado fria! Pensei em mergulhar, mas acho que vou limitar-me a observar.
Quais as bandas que tens ouvido com mais frequência? O que recomendas da tua playlist actual?
Tenho muitas expectativas para o novo álbum dos The 1975; mal posso esperar pelo novo da Mitski, e… ando a revisitar Queen, Billy Joel [risos]. Não ouvia Queen há imenso tempo e, recentemente, voltei a ouvi-los e a usufruir daquele pop lindíssimo e tão bem trabalhado que marca o som deles.
Entrevista de Tiago Mendes e Ana Lídia