“Jesus is King”, de Nick Knight: filme sobre Kanye West é um triunfo visual, mas falha em documentar
2018 foi um ano atarefado para o músico Kanye West. Editou um álbum a solo, lançou o álbum de estreia da sua colaboração com o músico Kid Cudi, e serviu de produtor executivo nos álbuns de Pusha T, Teyana Taylor e Nas. Um total de cinco projectos musicais, uns mais bem recebidos do que outros. Um ano tão lotado como este não estaria completo sem a habitual controvérsia. West sempre foi uma figura pública polémica, mas 2018 marcou um ponto de viragem – talvez mesmo um ponto sem retorno. Em Maio, West decidiu usar como capa de álbum uma fotografia da casa-de-banho de Whitney Houston, imagem esta repleta de drogas. A escolha foi vista como um ataque à memória da estimada cantora, que em 2012 se afogara numa banheira depois de consumir drogas. Em Outubro, West, usando o infame chapéu Make America Great Again, visitou Donald Trump na Casa Branca e proclamou o seu apoio ao Presidente dos E.U.A..
Não é por isso difícil ficar-se surpreso com a direcção que West tomou em 2019. No primeiro domingo do ano, West organizou uma sessão privada em que, acompanhado por um coro de gospel, interpretou canções suas e clássicos de artistas como Otis Redding e Stevie Wonder. Assim nascia o seu novo projecto, o “Sunday Service”, um género de missa cristã que passaria a ser conduzida por West todos os domingos. Com a excepção de quatro ou cinco sessões públicas, como a que aconteceu em Coachella em Abril de 2019, o “Sunday Service” decorre sempre à porta fechada. Foi o secretismo que rodeia estas actuações que West decidiu revelar com o filme “Jesus is King”, exibido em cinemas IMAX para comemorar o lançamento do álbum do mesmo nome.
O filme foi realizado por Nick Knight, fotógrafo de moda que filmou vários célebres videoclipes, incluindo “Born This Way” de Lady Gaga e “Bound 2” de Kanye West. De certa forma, “Jesus is King” assemelha-se a um videoclipe prolongado. Com uma duração de 35 minutos, o filme acaba por ser mais longo do que o álbum, o que é algo absurdo. Seria de esperar que um vídeo promocional fosse mais curto do que o álbum que pretende promover. Assim nos apercebemos que a intenção do filme “Jesus is King” não é tanto a de publicitar o lançamento do álbum homónimo, mas sim a de partilhar os bastidores do “Sunday Service”. Infelizmente, da mesma forma que 35 minutos é demasiado para se considerar “Jesus is King” um vídeo promocional, não é o suficiente para funcionar como um documentário. Não há qualquer vislumbre do processo criativo de West, da sua visão, do porquê desta repentina inclinação para o gospel. Assistimos apenas a uma actuação, mas nunca ao behind the scenes que tanto nos deixa curiosos. Neste aspecto, “Jesus is King” contrasta com o superior “Homecoming” de Beyoncé, um filme concerto que é também um detalhado documentário sobre a longa jornada criativa e emocional que a cantora, grande amiga de West, percorreu.
A primeira cena de “Jesus is King” é por certo das mais memoráveis. O filme abre com a tela escura, em silêncio absoluto. Gradualmente, começamos a ouvir a canção “Selah” e os seus exultantes “aleluias”. O crescendo é acompanhado por um zoom out da câmara que nos revela que afinal o que víamos não era uma tela escura, mas sim o interior de um edifício, construído num ambiente deserto. É desta forma que Knight nos apresenta o local onde decorreu a gravação do filme: o Roden Crater no estado do Arizona, uma obra arquitectónica da autoria do artista norte-americano James Turrell. A construção, de planta circular, é encimada por um óculo central, ou seja uma abertura no centro do tecto que dá para o exterior. A imagem evoca a cúpula do Panteão de Roma e sugere que a película que nos espera será tanto sobre música e cinema, como sobre arquitectura e religião.
A entrada no edifício é feita atravessando um corredor em forma de buraco de uma fechadura – mais uma alusão ao carácter secreto do “Sunday Service”, qual objecto guardado a sete chaves. Chegamos a uma sala redonda onde a sessão se desenrolará. A partir deste ponto, o filme funciona como uma missa gospel e é de facto bem sucedido a transmitir a emoção e entusiasmo tão característicos dessas missas. As canções são entoadas com constante júbilo, a energia é palpável. Knight filma os membros do coro com uma lente redonda, que espelha a forma do edifício onde se encontram. Numa cena arrebatadora Knight filma de um ângulo baixo o maestro do coro. Em primeiro plano, os seus movimentos agitados enquanto conduz o coro. Em segundo plano, o óculo central da construção que paira sobre o maestro e que revela umas nuvens ameaçadoras. É de longe a imagem mais marcante do filme.
O filme termina com uma cena que parece retirada de “The Tree of Life”, do cineasta norte-americano Terrence Malick: um grande plano de West a embalar uma criança. Um momento carinhoso que nos leva a crer que a motivação de West por detrás deste seu novo empreendimento é honesta. Mais facilmente acreditamos que este é um projeto de soul–searching, do que um projecto de vaidade. Outra prova disso é a ausência quase por completo de West ao longo do filme. O foco está na música, não no artista – o que é de louvar, especialmente vindo de alguém com um ego tão grande.
Essencialmente, “Jesus is King” é uma pequena amostra musical do “Sunday Service” de Kanye West, à qual Nick Knight alia uma estética impressionante, através do uso da arquitectura e da fotografia. Lamentavelmente, a duração do filme é curta. É como se West tivesse afastado a cortina, apenas para a fechar logo a seguir. Garantidamente a vontade ao sair da sala é de ir ouvir o álbum de imediato, mas quem procurava conhecer mais sobre Kanye West e sobre o processo de desenvolvimento do “Sunday Service” sairá desapontado.