Luís Campos e o puzzle do futebol

por Pedro Fernandes,    2 Novembro, 2022
Luís Campos e o puzzle do futebol
Fotografia de Abigail Keenan / Unsplash
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Um dos nomes mais proeminentes na gestão desportiva mundial é português. Falamos de Luís Campos, natural de Esposende e atual diretor desportivo do PSG e consultor externo para o Celta de Vigo. A sua vida no futebol começou como treinador, passando por todas as divisões do futebol português (Leiria, Esposende, Aves, Leça, Penafiel, Gil Vicente, Vitória de Setúbal, Varzim e Beira-Mar) entre 1992 e 2005. Só mais tarde, Campos começou a trabalhar na área da gestão do futebol. Foi analista e scout (observação e análise de jogadores e/ou equipas) no Real Madrid de José Mourinho, um dos seus grandes amigos no futebol, até que surgiu a oportunidade de desempenhar o cargo que viria a trazer o seu nome para a ribalta do futebol europeu. 

Em, 2013 torna-se diretor desportivo do AS Mónaco, um projeto ambicioso. Muito afetado pelas penalizações do fair play financeiro, Luís Campos teve que mudar um clube que comprava caro num clube que compra barato. A sua experiência como treinador e especialista em scouting ajudou o clube a encontrar jogadores que, até então, eram desconhecidos a nível europeu como Kylian Mbappé, Bernardo Silva, Anthony Martial, Thomas Lemar, Geoffrey Kondogbia, Benjamin Mendy, Fabinho, Bakayoko, entre outros. Muitos de estes foram comprados a custo zero e vendidos por uma autêntica fortuna. Mudou o treinador — do experiente Claudio Ranieri ao português Leonardo Jardim, uma decisão que Campos considerou muito difícil. Os resultados falam por si: o AS Mónaco conseguiu o que parecia impossível, ganhar um campeonato contra um Paris Saint-Germain [doravante PSG] super-poderoso e chegar, ainda, às meias finais da Champions League. Para além disso, o clube recuperou a solidez financeira, fruto dos negócios milionários de compra e venda de jogadores que geraram mais de mil milhões de euros em vendas durante os seus três anos no principado.

Depois do AS Mónaco, seguiu-se nova aventura em França, desta vez a norte, em Lille. Aí, mais uma vez, o português ajudou o clube a ganhar um campeonato contra um PSG cheio de estrelas mundiais e, mais uma vez, contratou jovens jogadores baratos que saíram muito valorizados do clube. Exemplos são Rafael Leão, Victor Osimhen, Nicolas Pepe ou Gabriel. Estes dois projetos impressionantes consolidaram o seu nome como candidato a diretor desportivo de grandes tubarões em toda a Europa. Depois de derrotar duas vezes o PSG, parece que o clube de Paris não teve dúvidas em quem confiar a sua direção desportiva que tem, como objetivo, ganhar a Champions. Luís Campos desempenha, ainda, funções de consultor externo no Celta de Vigo, um cargo que representa uma pequena parte das suas horas de trabalho. A sua principal atividade é a do PSG.

Durante a quarentena forçada pelo covid, Luís Campos aceitou vários desafios de dar entrevistas. Estas encontram-se disponíveis no YouTube, o que nos deu a conhecer melhor o seu método. Qual o segredo dos milagres desportivos de Luís Campos? A sua capacidade de conjugar o seu conhecimento do futebol com o seu conhecimento humano, em concreto, analisar aquilo que são as pessoas e como funcionam em grupo. Este último é o que ele chama de “puzzle”. O puzzle é tudo, é o lado técnico tático e pessoal dos jogadores, treinadores, staff técnico, diretores, a história do clube, o país onde se insere, os adeptos, etc. Um projeto num clube é como fato a medida: é preciso entender o que querem os adeptos, qual é o contexto do clube, a história dos treinadores e jogadores. Fazer com que tudo isto encaixe é o mistério de como montar um puzzle. Por isso, Luís não consegue recrutar ninguém sem antes conhecer a pessoa, para poder sentir o feeling e perceber se aquela personalidade entra no “puzzle” que é a equipa. Pensa sempre no todo, no grupo, é preciso encontrar pessoas que encaixem com o resto. Uma equipa é uma questão de complementaridade e riqueza de diversidade. Isto não quer dizer que todos têm de ser iguais, pelo contrário. Todos diferentes, mas partilhando os mesmos valores, ou seja, compatíveis, dentro e fora do campo. Dentro do campo por exemplo, se o extremo direito tem muita profundidade e vai muito à linha, usar um lateral direito com as mesmas características, provavelmente, não vai encaixar no puzzle, uma vez que vai desequilibrar muito a equipa nesse flanco e como tal, seria melhor um lateral que jogue melhor em espaços interiores para complementar o que o dito extremo dá à equipa.

O lado mental é chave. O futebol de alto nível exige muita concentração, por isso, gosta de ir aos centros comerciais com jogadores, porque isso é um momento de distração com tanta luz e várias atrações, um bom lugar para testar a personalidade. Luís Campos contou, em entrevista ao Quarentena da Bola, que, uma vez, decidiu não contratar um determinado jogador por quinze milhões de euros porque, durante um jantar, ele “desligava”, começando quase a dormir. Aí foi quando se deu o click na cabeça de Luís Campos. Esta tendência natural para “desligar” por parte do jogador, era algo que ele já tinha visto em alguns jogos, então, ao vê-lo no jantar, deu-se a confirmação final. Era um jogador inteligente, mas que, por personalidade, só tinha intensidade em alguns momentos. Acredita muito nos tutores dentro da equipa. Os tutores, geralmente, são jogadores mais velhos que servem quase como professores para os mais novos. Um bom exemplo é o trabalho que o João Moutinho fez para a evolução do Bernardo Silva, dentro e fora do campo. Também é conhecida a sua predileção pela disciplina. Esta é importante e afeta tudo, chegar ao centro de treinos às 8h01 não é chegar às 8h00, 9h35 não são 9h30, o jogador tem que entender que há que chegar antes, preparar a sua comida e fazer tudo o resto. Se esta disciplina não existe no dia-a-dia, depois, vai refletir-se dentro do campo. De pouco adianta ao treinador gritar muito durante o jogo se depois não exige esta disciplina no dia a dia.

Gosta de ir à frente na tecnologia e de se rodear de grandes especialistas em todas as áreas do futebol. Usa inteligência artificial para ver como um determinado jogador poderia encaixar na equipa, faz pesquisa nas redes sociais para ajudar a traçar a personalidade de um jogador e, ao longo da carreira, desenvolveu várias tecnologias para ajudar na tomada de decisão. Procura rodear-se dos melhores especialistas, viaja pelo mundo para conhecê-los independentemente da nacionalidade, seja na área da condição física, tecnológica ou de scouting, é fundamental que se invista, também, nas funções mais de “gabinete” e não só nos jogadores e treinadores. Tudo soma e ajuda a aumentar as probabilidades de sucesso. Também para recrutar especialistas, Luís Campos prefere viajar e conhecer a pessoa e precisa de ter esse contacto humano para decidir.

Agora no PSG confronta-se com um desafio bastante diferente daqueles que superou no AS Mónaco e no Lille. Apesar de ser o mesmo país, o PSG joga num patamar de exigência extrema a nível mundial — a nível competitivo dentro e fora das quatro linhas — e conta com imensas estrelas do futebol, que como sabemos, nem sempre são fáceis de encaixar. Os donos e a direção pediram-lhe que montasse um puzzle com a imagem da Champions. Com Luís Campos, podemos aprender muito daquilo que é formar uma equipa ganhadora. É preciso ver o grupo como um todo que encaixa e funciona, onde o todo é superior à soma aritmética das partes.

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