2021, o ano que nos levou a repensar o futebol

por Pedro Fernandes,    13 Janeiro, 2022
2021, o ano que nos levou a repensar o futebol
Fotografia de Abigail Keenan / Unsplash
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O momento alto no futebol de 2021 foi, com certeza, o regresso dos adeptos ao estádio! Começámos o ano com estádios vazios, uma situação que foi sendo resolvida progressivamente. Primeiro, foi permitido aos clubes vender uma proporção dos bilhetes, por exemplo 30% da lotação total, até que foi subindo de volta à ocupação completa das bancadas, conforme os avanços coletivos sanitários da pandemia. Confesso que, assim que as coisas acalmaram, não perdi a oportunidade de voltar ao estádio do meu clube… e que sensação! Celebrar no estádio o primeiro golo depois desta longa paragem foi, sem dúvida, especial. O futebol não faz sentido sem adeptos. São eles que fazem tudo ter sentido e se o futebol move milhões de euros é por ser o desporto com mais adeptos no mundo. Repito: adeptos! Não somos “clientes”, mas sim “adeptos”. 

O Qatar 2022 está a ser um dos Mundiais mais polémicos da história. De acordo com um noticia avançada em Fevereiro pelo The Guardian, desde Dezembro de 2010 (aquando do anúncio) já tinham morrido mais de 6,5 mil migrantes em construções relacionadas com a competição. O relato avança que estes números correspondem a trabalhadores estrangeiros contratados da Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka. Estes números significavam que 12 pessoas destas nacionalidades morriam a cada semana de trabalho. O jornal avança que o número total de mortes será claramente superior já que esta estatística não inclui trabalhadores provenientes de outros países como, por exemplo, o Quénia ou as Filipinas. No entanto, o The Guardian alerta que muitas destas classificações são atribuídas sem a realização de uma autópsia. Uma das grandes causas destas mortes está relacionada com o calor intenso no verão, que dura uns 4 meses e que provoca enorme stress aos trabalhadores, obrigando-os a começar de trabalhar muito cedo antes do pôr do sol. Ditas condições levam também a mortes por paragem cardíaca. Outras causas reportadas são o suicídio e os acidentes de trabalho. Várias caras conhecidas do Futebol como Toni Kroos, médio centro alemão que joga no Real Madrid, já mostraram o seu desagrado quanto às notícias. Houve inclusive seleções como a Noruega que ameaçaram boicotar o Mundial.

O projeto da Superliga foi finalmente anunciado (já haviam rumores desde 2018) e destruída em apenas 48h! Liderado por Florentino Pérez, presidente do Real Madrid e empresário, este projeto visava trazer uma solução para os problemas económicos no futebol através da criação de uma nova competição rival da Champions e um novo modelo de negócios. Os grandes clubes europeus têm dividas altas e os sues custos têm vindo a crescer ano após ano. Em paralelo, regista-se um menor interesse em ver futebol por parte dos jovens, preferindo ocupar o seu tempo com conteúdo como o da Netflix, redes sociais ou videojogos. E sem adeptos no estádio pelo Covid, todos os clubes perderam milhões em bilheteira. Outra motivação para avançar com o projeto era o de eliminar o intermediário na maior competição europeia, neste caso a UEFA, ou seja, estes clubes queriam ser eles mesmos a gerir as receitas da competição e não um terceiro. Os fundadores argumentam que os pequenos clubes fora da competição iriam beneficiar de os ricos serem mais ricos e poderem pagar mais pela transferência de jogadores. O maior atrativo e ponto-chave da Superliga seria o de permitir aos adeptos usufruírem de grandes jogos todas as semanas entres os melhores clubes do mundo. Segundo os fundadores do projeto, a Champions tem vários jogos desinteressantes. Por exemplo, vários jogos do nível de um Barcelona vs Manchester United têm muito mais visualizações do que um Inter de Milão vs Zenit por exemplo. Por esta razão, acreditam que este modelo gerará muito mais dinheiro. A título de comparação, o vencedor da competição iria ganhar 400 milhões de euros, muito mais do que os 120 para o vencedor da Champions. A Superliga seria fundada por 12 clubes: AC Milan, Arsenal, Atlético Madrid, Chelsea, Barcelona, Inter, Juventus, Liverpool, Manchester City, Manchester United, Real Madrid e Tottenham. Aparentemente, Bayern, Dortmund e PSG recusaram.

Um parceiro financeiro muito importante seria o JPMorgan Chase, que iria avançar com um financiamento de mais de 4 mil milhões de euros (podendo ascender aos 6). A maioria deste dinheiro iria diretamente para os 12 clubes fundadores. A competição contaria com 20 clubes, dos quais 12 são os fundadores salvaguardados de qualquer despromoção independentemente do resultado, ou seja, só os outros 8 lugares iam variando via qualificação. Os clubes continuariam a disputar as competições nacionais, mas não as tradicionais competições europeias. A UEFA e a FIFA não perderam tempo a opor-se rotundamente ao projeto e ameaçou, tanto os clubes, como os jogadores, com importantes sanções e toda a parte feia de declarações começou entre as duas partes. Apesar de todo este ruído deprimente de egos, quem deitou abaixo o projeto foram os adeptos. A reação nas redes sociais foi muito negativa e isso levou vários clubes a abandonar até fazer efeito casata. Só Real, Barça e Juve ficaram até ao fim. Os adeptos sentiram que se estava a matar o futebol do povo, onde se joga de igual para igual. Este modelo de competição visava perpetuar no comando do futebol estes clubes fundadores. Mas, no desporto-rei, o domínio é verdadeiramente merecido no campo e não fora dele. Ficou a sensação de que os clubes menores não poderiam aspirar aos grandes prémios. Por outro lado, a Superliga iria aumentar ainda mais as desigualdades económicas nos campeonatos nacionais. A título de exemplo, com tanto dinheiro a fluir para os 6 maiores clubes ingleses de forma recorrente, poderia ser possível repetir o feito que o Leicester alcançou recentemente vencendo a Premier League? Matematicamente sim, mas seria “ainda mais impossível”. O que torna o futebol bonito e atraente é que o pequeno pode derrotar o grande. As regras são as mesmas e tudo pode acontecer. Quanto mais o futebol for parecido à essência do futebol que joga na rua, mais êxito terá porque é isso que os adeptos amam. Este é outro especto chave: somos adeptos, não clientes. Os fundadores seguem em contacto e é de esperar uma nova tentativa no futuro.

Assistimos a um mercado de transferências de loucos. Todos os anos lemos milhares de notícias nos diferentes meios de comunicação sobre estes rumores. Clube A quer jogador B e, de aqui, saem pelo menos 10 noticias em cada órgão: o anúncio do interesse, o possível preço, a concorrência de outros clubes, uma dificuldade qualquer de chegar a um acordo, o clube A tem 3 alternativas, caso não consiga o jogador B, o jogador B já está quase a assinar, o agente foi visto a jantar com dirigente C, etc.. Ao fim e ao cabo, as janelas de transferências são sempre imprevisíveis. Há situações que mudam rapidamente, como na vida. Este ano foi incrível: vimos Lionel Messi deixar o Barcelona depois de uma vida, Ronaldo volta ao Manchester United, Mourinho regressa à Serie A para treinar a AS Roma, depois de ser despedido de um Tottenham a poucos dias de uma final, saindo sem títulos e sem completar uma temporada completa, Romelu Lukaku pouco jogou na sua primeira experiência no Chelsea e, em 2021, volta aos londrinos por 115 milhões de euros. De igual modo, Sergio Ramos deixou o Real Madrid, por não chegar a um acordo de renovação de contrato com o clube do coração, onde chegou a dizer que jogaria grátis, Xavi regressa a Barcelona como treinador e o clube acaba o ano fora de lugares de Champions, a jogar a Europa League. Ainda com os milhões, o Manchester City desembolsou cerca de 117,5 milhões de euros por Jack Grealish e não esquecer que o PSG recusou uma proposta de mais de 200 milhões de euros do Real Madrid por Kylian Mbappé, que ficará sem contrato no verão!

Outra vez imprevisível, o Chelsea volta a ganhar a Champions League, depois de despedir o treinador que começou a época (já tinha acontecido no ano do Di Matteo). Uma final que, contra o que estava planeado desde o início, acabou por acontecer em Portugal devido às condicionantes relacionadas com o Covid que, naquele momento, fizeram do nosso país o destino ideal… e que grande final! Assistimos a um jogo muito bem disputado contra o Manchester City. Para mim, foi das finais mais interessantes dos últimos anos. Às vezes, estes jogos são muito fechados, porque ninguém quer perder, mas este teve pura emoção típica do futebol inglês numa bela tarde de sol no Porto. Apenas nos podemos lamentar dos desacatos na cidade entre adeptos.

Um momento marcante do Europeu que transcende o desporto foi o desmaio em pleno jogo de Christian Eriksen, médio da Dinamarca. Ao mesmo tempo, o seu capitão de equipa Simon Kjaer deu um grande exemplo de liderança: chamou imediatamente a equipa médica, rodeou Eriksen para que as câmaras não o filmassem naquele estado e foi confortar a companheira do Eriksen, que estava no estádio. Um gesto que lhe valeu o UEFA President’s Award de 2021, um prémio que distingue feitos notáveis reveladores de excelência profissional e qualidades pessoais exemplares. Uma lembrança de quão frágil é a nossa condição.

Em 2021, houve, ainda, a estreia de uma nova competição europeia: UEFA Europe Conference League, uma liga para os clubes que ficam exatamente abaixo dos lugares que dão acesso à Liga Europa e para os terceiros classificados da fase de grupos da Liga Europa. Quem sairá vencedor da primeira edição? Será, com certeza, uma competição interessante entre equipas de vários campeonatos da Europa (infelizmente, já sem equipas portuguesas), como a AS Roma, Marselha, PSV, Celtic, Gent, Leicester, Basileia, Fenerbahçe, Copenhaga entre outros. Esta competição ofereceu outro episódio insólito para acrescentar à lista: o Tottenham, um dos principais candidatos, foi afastado da competição, porque não pode realizar o último jogo do seu grupo, contra o Rennes, devido a um surto de Covid no plantel e, como tal, perdeu 3-0 na secretaria, ficando matematicamente fora da competição (acabou o grupo em terceiro atrás de Rennes e Vitesse). A competição tem gerado sentimentos mistos, se, por um lado, é bonito dar oportunidades europeias a mais equipas e ver duelos entre equipas, que, em condições normais, nunca se enfrentariam, por outro lado, há quem diga que a competição não acrescenta nada e que só vem sobrelotar ainda mais a carga de jogo que os clubes enfrentam. O que pensa o leitor desta nova competição? Como adepto disfruto de ter mais opções, gostei de ver alguns jogos e acho que vamos ter embates bastante interessantes nas próximas rondas, mas percebo as opiniões negativas por parte de alguns profissionais e devemos sempre proteger os atletas.

Por tudo isto aprendemos, uma vez mais, que o futebol é emoção, é imprevisibilidade… é um espelho da vida. Um jogo ou uma competição de futebol não se trata de conteúdo da Netflix que se pode consumir a qualquer momento, é um desporto ao vivo e, como tal, só se pode usufruir ao máximo assistindo ao vivo. É feito de adeptos e não clientes. No entanto, cada vez penso mais no que, em 2017 e em entrevista para a Página12, Pablo Aimar disse: somos a última geração a ver jogos completos. Segundo ele as novas gerações estão habituadas ao efémero, a videojogos de 5 ou 7 minutos de duração, aos pequenos estímulos constantes. O que terá de mudar para que o futebol continue a ser tão atrativo para as futuras gerações? Para mim, é fundamental manter a essência do futebol de rua e de que o pequeno pode derrotar o grande. Sem isso deixa de ser desporto, passa a ser uma daquelas séries de TV que “é sempre a mesma coisa”. Por isso, devemos pensar em aumentar a competitividade e não em diminuí-la, o que significa colocar o adepto no centro de tudo.

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