Luis Clara Gomes (Moullinex) & João Gil: as redes sociais também promovem o diálogo cultural
Uma das principais críticas feitas às redes sociais é que estas são um espaço para o ódio, para as fake news e para a propagação de mensagens extremistas e negativas. Isto deve-se a uma grande quantidade de factores que vão desde a facilidade de se criar/publicar algo e a forma como tudo se tornou tão imediato em que as pessoas não param para pensar e ler realmente as noticias, pesquisar as fontes e terem a certeza do que está a acontecer.
No passado dia 22 de Outubro, uma publicação do artista e produtor português Luis Clara Gomes (Moullinex) na sua página pessoal deu azo a um discurso aberto, bastante elucidativo e com espaço à crítica e à verdade, algo raro nos dias que correm. O contexto? Moullinex foi convidado a actuar no MaMa (Music Festival & Convention), onde o músico João Gil e a artista Ana Mesquita estiveram presentes em representação do Portugal Maior, uma estrutura de missão recentemente criada com fundos públicos para apoiar a exportação da música Portuguesa. Luis Clara Gomes questionou o facto de João e Ana não terem estado presentes em nenhum concerto das bandas portuguesas e do facto de não haver qualquer esclarecimento quanto à estrutura ou objectivo do Portugal Maior no MaMa.
Publicação do Luis na integra:
“Caro João Gil,
Na tua qualidade de coordenador da Comissão Executiva do Portugal Maior, estrutura de missão recentemente criada com fundos públicos para apoiar a exportação da música Portuguesa, gostava de te ter encontrado no nosso concerto no MaMA Festival 2018 em Paris. No nosso, ou no de qualquer uma das outras bandas portuguesas que participaram neste festival de showcase. Bandas essas, como tantas outras, que concorrem há anos sem qualquer apoio a este tipo de festivais.
Não posso deixar de achar curioso encontrar-te na lista de delegados. A ti e à Ana Mesquita, tua esposa. Soube entretanto que estiveram em Paris. Espero que tenham aproveitado.
Nós também estávamos nessa lista de delegados. Gostávamos de ter falado convosco e trocado algumas ideias sobre como exportar a música Portuguesa.”
Ana Mesquita, que ao longo dos vários anos de carreira tem desempenhado um papel de promotora das artes, não só na indústria da moda, mas também da música e das artes gráficas, encontrava-se nesta lista sem que fosse clara a sua razão, tendo em conta que os fundos são públicos pede-se algum esclarecimento. Contudo, como podemos comprovar através do educado discurso que se criou através deste post, Ana pagou a sua própria viagem, tendo apenas sido convidada para assistir ao festival. O objectivo do Portugal Maior foi explicado pelo próprio João Gil na mesma publicação.
Resposta do João Gil:
“Olá Luis, estive na Feira e correu muito bem. Estamos a preparar com a organização do MaMa uma forte presença portuguesa no ano 2019 , visto que a Feira vai celebrar o seu 10 ano. Estamos a trabalhar ainda na sombra e em múltiplos contactos para que as coisas possam acontecer no futuro breve, seja no apoio à exportação assim como na divulgação do produto musical português entre todos os portugueses vivam onde vivam. De facto não assisti a concertos nem era esse o objectivo da minha visita, acima de tudo preparar o futuro onde tu e outros colegas teus estarão. Um Grande Abraço”
Foi a partir deste comentário que se desenrolou uma conversa inteligente, explicativa e ordenada, onde ambos os músicos dialogaram sobre as suas várias ideias e projectos, tendo no final culminado numa chamada telefónica e numa possível união e integração de diversas ideias por parte de duas gerações brilhantes de músicos.
Ao contrário da maioria das publicações do género, neste caso ganhou a verdade e promoveu-se o diálogo e a boa argumentação, isto porque João Gil e Luis Clara Gomes são dois dos maiores nomes da música portuguesa, o primeiro tendo criado uma carreira com raízes profundas em Portugal até aos dias de hoje, o segundo sendo de longe dos maiores símbolos portugueses além fronteiras, com uma carreira brilhante não só na Europa, mas também pelo mundo fora.
De facto pede-se mais esclarecimento e clareza sobre um projecto que tem fundos públicos e que luta a favor da música portuguesa. Entende-se a complexidade do projecto e o facto de ser tão recente torna também mais complicado o facto de haver uma forte presença online, mas exige-se o mínimo. A missão do projecto, que João Gil refere e bem como “apoio à exportação assim como na divulgação do produto musical português entre todos os portugueses vivam onde vivam” é de louvar, mas entende-se a questão de Luis, principalmente sendo um dois maiores agentes participativos dessa mesma exportação e de tê-lo feito tantas vezes sem qualquer apoio público. É necessário deixar claro que o percurso de Luis na música tem sido impressionante, chegando ao ponto de actuar em algumas das salas mais importantes da europa, geralmente para plateias compostas e com inúmeros fãs do seu projecto. João Gil tem também uma das carreiras mais relevantes na música nacional, portanto o diálogo entre estes dois artistas foi um importante momento da música portuguesa.
É óbvio que no meio desta publicação surgiram inúmeros comentários contra João Gil, contra Ana Mesquita, contra o Portugal Maior e até mesmo contra Luis Clara Gomes, mas até mesmo no meio deste “tiroteio teclado” surgiram momentos de clareza por parte de outras pessoas e, mais importante, outro interveniente, Fernando Ladeiro-Marques, o director do MaMa.
Resposta de Fernando Ladeiro-Marques:
“Olá ! Acabei de ler os vários comentários sobre este post.
Parece-me que esta polêmica é um pouco inútil.
Eu sou o diretor do MaMA em Paris e à única coisa que posso dizer é que o João Gil veio para descobrir o MaMA e tivemos reuniões com ele para preparar uma presença importante de Portugal no MaMA 2019 (cada ano temos um pais focus, foi o Japão este ano).
A Música Portuguesa tem muito para oferecer, artistas de alta qualidade com grande potencial internacional (Moullinex é um exemplo perfeito, aqui em França todos estão falando do seu show no MaMA). Então trabalhando todos juntos seremos mais fortes …
Um Bom dia para todos e um grande Abraço de Paris.”
E através de um diálogo coerente, paciente e esclarecedor por parte destes três agentes chegámos a um objectivo comum e possivelmente a uma maior união entre os artistas nacionais: Portugal vai ter uma presença importante no MaMa 2019, algo que vai favorecer todas as partes. A diferença entre esta publicação e a grande maioria de publicações do género é que aqui todas as pessoas envolvidas ganharam e acima de tudo, ganhou a cultura portuguesa. Existe uma clara necessidade de se criarem mais plataformas e oportunidades para estes diálogos abertos entre artistas de grande ou pequena dimensão, agentes culturais ou apenas apoiantes da cultura portuguesa. É através do diálogo que conseguimos alcançar o objectivo comum para todos nós, o de promover a cultura portuguesa fora fronteiras.
No fim da conversa ganhou a cultura, uniram-se dois artistas e visões, iniciou-se um diálogo aberto e transparente. Foi um dia positivo não só para a cultura portuguesa, mas também para as redes sociais, que conseguiram aqui unir Portugal, embora em 2018 continue a não fazer sentido que um organismo (principalmente que use fundos públicos) não tenha presença online e esclarecimento público.