‘Ma Loute’, a soma da excentricidade humana
Chega aos Cinema Medeia, já no próximo dia 20 de Abril , o filme “Ma Loute” uma comédia negra recheada de uma extravagância trágica. Este conta-nos a histórias de duas famílias distintas, uma composta por burgueses desconcertados, e outra por barqueiros insondáveis.
Entre os ricos dementes, os Van Peteghem – uma família do norte de França, do século XX – e os pobres esfomeados dos Bréfort – uma família do mar e do trabalho, o espectador fica confuso. Filme do realizador francês Bruno Dumont, que junta uma série de actores conhecidos, como Juliette Binoche, Valeria Bruni-Tedeschi e Fabrice Luchini, representantes da família burguesa, e outros actores não profissionais, como a família do proletariado.
Tudo se passa no Verão de 1910, quando que por coincidência surgem uma série de desaparecimentos na Slack Bay, no mesmo exacto momento em que a família Van Peteghem passa férias na sua casa de verão sobre a baía. Devido aos desaparecimentos, dois inspectores – Machin e Malfoy – encontram-se na pequena aldeia costeira, investigando possíveis suspeitas. Nesta aldeia, vive então a família Bréfort, que luta contra a pobreza e a favor da sua própria sobrevivência, fazendo diversos trabalhos relacionados com o mar, pescando. Sendo barqueiros, um dos seus trabalhos mais peculiares é atravessar pessoas pela água de um lado para o outro, não só de barco, mas também a pé.
No entanto, uma questão importante que o realizador coloca através desta trágica narrativa meio exagerada e super grotesca é quem é que carrega quem ao colo? No filme, vemos os dois lados, mas, afinal, ambas as famílias se sustentam da decadência e da degeneração.
O epicentro do filme surge com a historia de amor entre dois jovens, a estranha personagem de Billie (Ralph) e o exorbitante Ma Loute Bréfort. As duas famílias cruzam-se e estranham-se, como se alguma delas padecesse de normalidade, atípico da Belle Époque. Aqui, quase que se auto-criticam através de olhares, e de comportamentos desajustados.
Por sua vez, os Van Peteghem caminham como reis, como se fossem donos das conquistas industriais, mas não passam da degradação de uma burguesia exagerada, recheada de incestos e episódios bizarros. Não muito longe disso, os barqueiros, liderados pelo patriarca “O eterno”, o pai de um bando de miúdos – incluindo Ma Loute, o filho mais velho – tenta educá-los da melhor forma que sabe e pode. Estas personagens raramente têm diálogos, sendo um grupo silencioso que vemos constantemente as suas estranhas ações em torno do filme, e que s movem de forma secreta e misteriosa.
A parte mais surreal do filme surge quando algumas personagens levitam. É uma forma irónica de mostrar como as personagens sofrem de pressão, ricas ou pobres, trabalhadoras ou sedentárias. Esta é a pressão de continuarem a fingir serem quem não são.
Os inspectadores mal sabem onde se foram meter, entre a antropofagia dos Bréfort, e as reações excêntricas dos Van Peteghem. No fundo, tudo se fica pela imbecilidade, pelo exagero, a partir de diálogos obtusos de personagem vazias, com gesticulações excessivas, próprias do teatro. As personagens são muito bem caracterizadas, com roupas inéditas e tiques insólitos, tudo para que seja dado ao espectador a ideia de tragédia rídicula, meio caricata meio irreal.
O realizador tenta trazer de volta a ideia de uma comédia incomodativa, com contornos macabros, e sem resolução do conflito inicial entre as duas famílias. A comédia, aqui. é trazida como parente directa do drama, onde tudo é cómico e tudo é drama.
Surge também aquela questão entre a diferença entre trabalhar com actores profissionais já bastante conhecidos, ou com actores amadores. Dumont refere que “um actor profissional é cheio de botões e controlos… são extremamente complexos e sofisticados”; já “um actor não profissional é muito mais fácil de manobrar”. É uma boa comparação entre os dois, já que a direcção de actores é completamente distinta para estes dois casos. É de grande proeza do realizador conseguir lidar com diferentes formas e métodos de trabalho, extraindo aquilo que necessita para o filme.
Um filme curioso, um pouco estranho e mediático, que nos deixa com um desconforto ultrajante próprio do que é novo.