Madrugada provaram-nos que o tempo, por vezes, pára
O improvável acontece. Felizmente acontece. Na noite de 11 de Maio, assistimos a isso. Passados vinte anos desde o lançamento do álbum Industrial Silence, os Madrugada voltaram aos palcos para comemorar essa data emblemática. A At The Rollercoaster foi a promotora deste evento e o Hard Club encontrava-se esgotado para os receber. Durante mais de duas horas de concerto, conseguiram convencer-nos que o tempo parou em 1999.
Por volta das 21 horas, começaram a atuar os A Jigsaw, banda conimbricense constituída por dois multi-instrumentistas e “contadores de histórias”: Jorri e João Rui. Vieram acompanhados da violinista Maria Côrte e da cantora Tracy Vandal. Quando os ouvimos, sentimos que entramos no universo de Tom Waits, Nick Cave e Leonard Cohen. O dramatismo, o tom literário, a voz grave e cheia do João Rui sussurram-nos histórias de assombro. À medida que iam tocando, a sala ia enchendo e ia-se rendendo ao que ouvia. Deram um ótimo concerto de abertura para o que vinha de seguida. Mais precisamente às 22 em ponto, a confirmar a pontualidade norueguesa.
Em 1999, os músicos Frode Jacobsen (baixo), Sivert Høyem (voz) e Robert Burås (guitarra) formaram a banda Madrugada. Em 2007, morreu o guitarrista. A banda ainda lançou um álbum homónimo, em 2008, e parou. Com o passar do tempo, pensámos que a banda, tal como o guitarrista, tivesse morrido prematuramente. Tal não aconteceu. A Høyem e Jacobsen, juntaram-se o baterista Jon Lauvland Pettersen — que chegou a fazer parte da banda — e os guitarristas Cato Thomassen e Christer Knutsen, partindo todos em digressão para comemorar duas décadas do lançamento do primeiro álbum.
Industrial Silence foi tocado na integra. Começaram, em grande, com “Vocal”, “Belladona” e “Higher”. Instalou-se o êxtase, o saudosismo. Instalou-se o rock. Alternaram, ao longo da noite, momentos de puro rock com momentos mais calmos, como o belíssimo tema “Shine” que nos inebria “I’m here tonight / Oh, now I fall like a star / Oh, in time you and I will shine” ou o melancólico “This Old House”. O vocalista avisou que o álbum iria ser tocado na totalidade e que depois viajariam para outros temas. Uma vez que este era o último concerto da tour, alertou-nos que o iriam prolongar um pouco. Ainda bem, porque os minutos voavam e nós queríamos absorver tudo, queríamos que o tempo estagnasse.
“Strange Colour Blue” foi interpretada de forma fenomenal. A meio da música apagaram-se as luzes e Høyem surgiu com uma lanterna, que apontou ao público. Expôs a nossa admiração, a nossa comoção. Outro momento visualmente tocante aconteceu com “Norwegian Hammerworks Corp.”. O vocalista apresentou-se em palco com um casaco de lantejoulas, refletindo luz ao som da música. As lantejoulas projetaram-se no espaço, salpicaram as paredes, o teto e as pessoas de brilho. Com “Quite Emotional”, “Terraplane” e “Electric” encerraram a primeira parte. Relativamente à última música, Høyem descreveu-a como “a nossa primeira composição realmente decente” e contou-nos onde a compuseram: um prédio numa zona industrial, escuridão total. As únicas luzes que os iluminavam eram as da rua, dos carros que transitavam. Que vista. Que silêncio. Só eles e a música que tocavam. Ouvindo-o, conseguimos imaginar o cenário e sentir o vazio cheio de melodia.
Sem tempo a perder, começou o encore que demorou cerca de uma hora. Num entusiasmo e alegria crescentes e contagiantes, deram a volta por todos os seus álbuns. Desde “Black Mambo”, “Hands Up – I Love You” e “Only When You’re Gone” (soberba), do álbum The Nightly Disease, ao último projeto, com “Honey Bee” e “What’s on Your Mind?”, passaram ainda por Grit, do qual tocaram a fenomenal “Majesty”. Terminaram com “The Kids Are on High Street”, do álbum The Deep End, e com a magistral “Valley of Deception”.
O vocalista mencionou que era um enorme prazer estar ali e sentir aquela energia, passado tanto tempo. Prometeu, em tom cómico, que iriam tentar compor um novo álbum até, quem sabe, 2036. Pelo que vi, vale a pena esperar esse tempo. Naquela noite, provaram-nos que ainda têm um lugar seguro, singular no paradigma musical mundial. Por isso até breve. Seja esse o tempo que for.
Texto de Ana Moreira