“Man Alive!”: King Krule pode sair da cidade, mas a cidade não sai dele
Em boa hora, King Krule aterra no novo ano com Man Alive!, que vem preencher o vazio deixado desde que lançou The Ooz. Não é um “ano novo, vida nova”; contudo, o disco mostra-nos que o londrino passou por muitas mudanças desde que saiu da sua cidade natal. Trocou o sul de Londres por Cheshire e foi pai — pode-se dizer que a sua vida levou umas boas voltas. É bonito olhar para os artistas e ver que cresceram, algo que se reflete imediatamente na música. Já não é o miúdo ruivo com o cigarro pendurado na boca que quase fere os dedos na sua Fender.
Os quarenta minutos de imersão começam em “Cellular”. É fácil reconhecer a sua antiga guitarra, o estilo que nos fez apaixonar por 6 Feet Beneath the Moon e a calma antes das drum machines e da sua voz tão singular. Conseguimos cheirar a distância e a frieza que King Krule sempre impôs na sua música e percebemos que é aqui que ele expressa a sua mudança.
“Supermarché” (não Intermarché) é o verdadeiro jumpstart deste álbum. Ela mente-se a si própria e o crescendo ressoa por todas as paredes de nossa casa. É estranhamente desconfortável, dura, com todos os reverbs a assolarem os nossos ouvidos em simultâneo. Provavelmente, a melhor música que descreve a metamorfose de King Krule em Man Alive! é “Stoned Again”. Punk, suor e uma voz que agora se apresenta violenta. “Comet Face” repete a estrutura, apesar de menos melancólica, mais melódica e com menos spoken word. As influências ‘jazzísticas’ tornam a estar na ribalta e os saxofones saem à rua.
A transição para “The Dream” dá-se com uma chamada telefónica. Uma canção perfeita para respirar no meio do frenesim do disco. É nestes detalhes que a música de King Krule singra. A sua maior virtude é conseguir transformar o quotidiano ordinário numa peça em carne viva que nos grita aos ouvidos o quão solitários estamos.
Antes de o disco sair quentinho do forno, já conhecíamos algumas das suas canções. Algo que o torna tão é especial é a sua jornada, o facto de nenhum destes temas fazer sentido sozinho. É nublado, com uma atmosfera pesada e cheia de smog, onde prevalece a solidão.
“Perfecto Miserable” é o tema que abre “Hey World!”, a curta-metragem que o músico fez com a sua parceira, Charlotte Patmore. O sonho evocado por Archy Marshall torna a aparecer e a simpatizar connosco. Os sons leitosos que saem da sua guitarra voltam a colocar-nos num estado mental de paz, de calma, antes que o seu temperamento nos agite novamente. Com outra chamada telefónica, somos levados até “Alone, Omen 3”, cuja memória provém do primeiro disco do músico. “Slinky” mostra-nos rap à Archy Marshall, a riqueza dos saxofones e uma das canções mais prazerosas de todo o disco. Ou talvez isto seja a ressaca de toda a revolta suja e grumosa de King Krule.
“Airport Antenatal Airplane” faz-nos voltar ao estado de pureza e total relaxamento, agindo como porto de abrigo — que, para Archy Marshall, é a sua filha (tendo dedicado a ela este tema). “(Don’t Let the Dragon) Draag On” é a ode à solitude que assombra o músico desde sempre. É um quarto escuro, onde pouca luz atravessa as cortinas e apenas ela nos permite ver as entrelinhas — a eterna luta que é o estar só.
Conseguimos ver a luz ao fundo do túnel com os últimos temas de Man Alive!, onde o otimismo retorna a casa. Uma sensação de pertença e de serenidade atravessa-nos de uma ponta à outra e repentinamente a paranóia passou. A cidade come-nos vivos e somos lançados para “Underclass”, onde ouvimos o som do trânsito no início. Vamo-nos evaporando como as poças intermináveis de água e o disco oscila, dirigindo-se para o seu fim inevitável, já em “Energy Fleets”, e culminando em “Please Complete Thee”, quase em jeito de posfácio.
A escrita de King Krule exala cada vez mais vida. Ele tem um novo look e também uma forma arejada de olhar sobre as coisas, algo que admite ter aprendido com a perda de algumas pessoas e, acima de tudo, por ter sido pai. Ele saiu da cidade, mas a cidade não saiu dele. Continuamos a ver Londres através da sua música e a inspirar o ar saturado que Archy Marshall sempre nos deu. Man Alive! subsiste numa visão surrealista lynchiana, numa guitarra bipolar e especialmente no brilho dos olhos de King Krule, que nos abre as portadas do otimismo pela primeira vez.