Milhões de Música e uma edição de Milhões de Festa a provocar Milhões de Danças

por Samuel Pinho,    22 Julho, 2017
Milhões de Música e uma edição de Milhões de Festa a provocar Milhões de Danças

Depois de medir o pulso ao arranque do Milhões de Festa’17 – ocorrido no dia 0 do festival – era de esperar um fim-de-semana prolongado com proporções épicas. Ainda que as expectativas não tenham saído muito ao lado, erraram por defeito. Até nos apropriamos do velho slogan do célebre Tiririca – o palhaço feito político brasileiro – quando afirmava que “pior do que está não fica”. Pois não, só melhorou.
Do Palco Piscina chegavam os primeiros sinais de desbunda: molhar um pé aqui, refrescar a perna acolá. Em suma, o calor que fazia torrar em Barcelos tornava a piscina num óasis e os mergulhos numa inevitabilidade. Nota especial para a malta das Semanas da Moda, de Pequim a Milão: dediquem uma edição ao ecossistema próprio do MdF, com especial enfoque no tanque de água. Os outfits são mais variados que o desfile Primavera/Verão da Marc Jacobs.
Há camisas curtas com padrões tropicais, t-shirts sólidas com detalhes gráficos impagáveis; há todo um mundo de bonés, um planeta de sandálias, um mar de calções para todos os gostos e bikinis para todas as formas de corpo.


Acima de tudo, e por norma dentro de toda a roupa acima descrita, estão as pessoas. Estas gentes de diferentes cantos do palneta, esta mistura de influências, gostos, moves, risos e gestos.
É o técnico de som que ostenta uma alegria contagiante, o trio que compete pelo título de melhor mergulho – o que seria d’um festival sem as crianças? – e a mulher do bar, que se recusa a servir bebidas sem que saiam acompanhadas por um sorriso gigante.
No meio de tudo isto, o ambiente sónico esculpido pelos GPU Panic + Shake it Maschine é tido como mero detalhe. Nele, dançantes e de copo em riste, se iam exibindo as Gentes do Milhões, esta espécie rara que tanto merece ser caso de estudo.
Os produtores português e suíço – ambos alumni da Red Bull Music Academy – são velhos sábios na hora de incendiar o solo: tanto é que praticamente ninguém os ouvia quieto, num misto de movimentos extravagantes que ia variando entre os dançarinos mais experimentados e os pés-de-chumbo mais empenhados.
Porém, a surpresa da tarde estava reservada para mais tarde e personificou-se com os Orchestre of Spheres. Vestidos a rigor, por meio de vestes longas e cores garridas. Torna-se difícil identificar-lhes influências, de tão vasto reportório que exibem: há psicadelismo e música da Terra, entre uma electrónica rebumbante e cântigos de guerra facilmente entoáveis. E mesmo com um género que não é facilmente definível, o calor pelo grupo transmitido mereceu os aplausos mais sentidos.
Afinal, era a isto que a organização do festival aludia quando dizia querer “derreter fronteiras”. Tarefa cumprida, ainda o dia não ia a meio.

A noite ia caindo em Barcelos e chegava a vez de abrir as honras do palco junto ao Cávado. Quatro bandas em palco, onze músicos e um bailarico entre instrumentos: é o Conjunto Cuca Monga, em todo o seu esplendor. Em português e no compasso certo, deram o pontapé de saída no Palco Milhões, ainda o público pautava por tímido. Lá em cima, vibrava-se tanto como na plateia, enquanto os diferentes membros assumiam cargos distinto numa viagem preenchida.
Num misto de acordes frenéticos, sintetizadores a convidar à dança e o trompete a encantar o público, adivinhava-se uma noite épica no Palco Milhões, assinada pela dupla criada apenas para a ocasião: faUSt & GNODA promessa estava feita e assim foi cumprida. Um concerto explosivo, a experimentar o mais rudimentar dos instrumentos encontrado nas construções locais ou num armazém próximo, em contraste com os clássicos, ante um público já composto e ao rubro. Houve ainda tempo para a senhora da limpeza brilhar, que acabou por não escapar à loucura da banda, entrando-se em palco munida de vassoura, numa performance que certamente não será esquecida tão cedo.
No Palco Lovers duas senhoras tomavam de assalto a plateia que dançava e vibrava ao som de Sacred Paws. Uma no baixo, outra na guitarra elétrica e nos vocals. A banda rendia-se ao público e o sentimento era recípocro: felicidade. O palco parecia pequeno para a energia destas britânicas e a música trazia à memória a tarde de piscina com uma sonoridade quente. A guitarrista fez questão de preencher cada espaço sempre com acordes altos e cativantes, chegando a tocar em cima de uma das colunas, em vénia para o público.

A entrada em palco foi temporizada, como se nos avaliasse: a nós e ao terreno. Contudo, a cada beat e a cada coreografia tão dele, The Gaslamp Killer ia conquistando o público, que já estava ao rubro. Mosh, saltos e gritos faziam o kit essencial para a plateia que via o seu set e delirava com remixes de Nirvana e Kendrick Lamar entrelaçados em sonororidades do Médio Oriente. Durante mais de uma hora e meia a sinergia entre o palco e plateia foi notável. Num formato mais virado para DJ do que para live performance, Gaslamp Killer cativou o público com o seu groove e coreografias em palco, imitadas no relvado e com uns passos de dança mais originais, também a ter em conta.
O quarteto belga Cocaine Piss foi direto ao assunto e entrou a rasgar no Palco Lovers. Durante cerca de 30 minutos, o set explosivo e munido de esquizofrenia punk não deixou quem quer que fosse descansar. A performance mais irrequieta da noite passou pelos dois álbuns da banda: “The Dancer” e “Piñacolalove”. Depois de invadir o público durante grande parte do concerto, Aurélie Poppins, abandonou o concerto pelo meio da multidão.

Sexta-feira foi dia de confirmar a vastidão de géneros do festival, camuflar o cansaço do dia de arranque e abrir o apetite para o que resta. Está tudo bem, desde que não nos obriguem amanhã a colher os cartuchos que se rebentaram hoje.

Fotografias de: João Horta e Joana de Sousa / CCA

 

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