‘Misfit’: o rock ‘n’ roll ousado de The Legendary Tigerman
Quatro anos após o lançamento de «True», The Legendary Tigerman volta aos originais com «Misfit», gravado no estúdio Rancho de la Luna, em Joshua’s Tree, na Califórnia. No seu novo trabalho, o artista aprofunda a raiz das artes – a fotografia, o cinema, a escrita e, acima de tudo, o rock ‘n’ roll. Elaborado no decorrer das filmagens de «Fade Into Nothing», Misfit marca o fim de The Legendary Tigerman no formato de one-man-band, fazendo-se agora acompanhar em palco por Paulo Segadães na bateria, João Cabrita no saxofone e Filipe Rocha no baixo. Embora estes músicos já marcassem presença nos espetáculos há algum tempo, neste álbum contribuem para uma mais afirmada mudança de soronidade, nomeadamente com o baixo e o saxofone a tornarem-se mais proeminentes. Estes destaques contrastam com as distorções de guitarra, que constituíam a imagem de marca do projecto – e que continuam a figurar – mas que agora se complementam com os restantes elementos.
O álbum arranca com “Motorcycle Boy“, com uma pujança de fazer tremer a sala, uma batida arrojada e um refrão que nos fica de imediato no ouvido. Segue-se “Fix of Rock ‘n’ Roll“, aquele que foi o primeiro avanço do álbum, sob o formato de miscelânea ousada, cujo riff se destaca. O tema que Paulo Furtado tem vindo a tocar ao vivo, aquando do Rumble in the Jungle com Linda Martini, “The Saddest Girl On Earth“, apresenta-se como uma quase-serenata, visitada por uma avalanche de riffs e batidas. A alternância, bem sucedida, faz do tema um destaque, que ao vivo ganha ainda mais poderio.
“Red Sun“, a composição mais longa de Misfit, acaba por desiludir. Embora no início pareça que todos os elementos se estejam a interligar para uma consumação final grandiosa, esse êxtase acaba por nunca chegar, sendo talvez a canção que menos acrescenta ao álbum. “Sleeping Alone“, para além da pujança explícita, traz na sua letra um lado mais pessoal do artista, dos seus dias no deserto de Joshua Tree. Também “Black Hole“ se apresenta com uma composição brilhante.
Este é um trabalho que nos presenteia com a dose certa de puro rock ‘n’ roll. “Child of Lust“, um dos temas também já tocados ao vivo aquando do Rumble in the Jungle, conta com a particularidade de o saxofone assumir uma participação mais proeminente, imprimindo-lhe um carácter intemporal, capaz de se inserir em qualquer época do rock. No convite ao passo de dança, “About Alice” surge com um refrão pronto a ser cantado a pulmões cheios. O álbum encerra com “To All My (Few) Brothers”, e em pouco mais de um minuto Paulo Furtado cria uma obra prima musical, em forma de despedida, como só ele sabe fazer.
Mas não é só de distorções pesadas e de ousadia que se faz som de Misfit. The Legendary Tigerman mostra o seu lado mais doce num conjunto de baladas e apelos ao coração, apresentadas como Misfit Ballads. “A Girl Called Home” faz ecoar uma guitarra enquanto a voz nos encanta numa combinação perfeita. “Far as Stars” o saxofone inicia uma viagem de saudade e de amor, e “Lonesome Sweetheart” traz-nos uma melodia capaz de embalar até o mais frio dos corações. The Legendary Tigerman combina de forma inspirada a composição musical com uma voz doce e letras sentidas. Na despedida, “Tango Till They’re Sore” encerra este pequeno mimo que nos aquece o coração, num crescente de emoção vocal e no solo brilhante de saxofone. A combinação deste com a guitarra de Paulo Furtado, e a voz quase sussurrada, faz do final um dos grandes momentos deste trabalho.
The Legendary Tigerman volta aos originais e não desilude. Misfit é uma vénia ao rock ‘n’ roll, do início ao fim, sem esquecer o lado mais doce nas suas baladas, brilhantemente compostas. O artista encontra-se em digressão pelo país, numa tour que teve arranque a 22 de Fevereiro em Lisboa, e que decorrerá até ao final deste mês de Março.