Não sejas Bipolar!
Uma das doenças psiquiátricas que mais está presente no nosso dia-a-dia como uma constante referência pejorativa e estigmatizante é a Doença Bipolar. Desde crianças a usar o termo para classificar outras na escola, adultos a utilizá-la como insulto, ou mesmo comentadores e políticos a incluir o termo “bipolar” no seu discurso em tempo de antena televisivo, já todos nos cruzámos com a utilização deste diagnóstico como forma de diminuição do outro. Acontece que, aquilo que é o entendimento de “bipolaridade” para a opinião pública não respeita os critérios de diagnóstico da doença e a utilização desse termo prejudica de forma marcada a sua compreensão por parte da sociedade.
A Doença Bipolar inclui várias perturbações das emoções, energia e pensamento, que são caracterizadas por episódios bifásicos do humor. A forma mais fácil de entender esta doença é pensar que as pessoas passam por períodos depressivos e por períodos maníacos. Um período depressivo é caracterizado por humor deprimido, diminuição da vontade, perda de prazer em actividades que anteriormente o davam, eventual desesperança e diminuição dos níveis de energia, com lentificação do pensamento. As fases maníacas são caracterizadas por humor “elevado”, normalmente acompanhadas por aumento da auto-estima, diminuição da necessidade de dormir, aumento da velocidade do discurso, distractibilidade aumentada e envolvimento excessivo em actividades. Existem também estados mistos, nos quais a apresentação tem características de ambos os quadros.
Há várias formas de subdividir esta doença de acordo com a sua evolução, sendo uma forma clássica de o fazer a de Doença Bipolar de tipo I e de tipo II (classificação DSM) – na de tipo I, o quadro clínico caracteriza-se por episódios maníacos, alternados com episódios depressivos. No tipo II, é dominado por episódios depressivos, alternados com episódios de hipomania (um grau de aumento de energia mais suave e que prejudica menos a funcionalidade do que a mania). Um período de mania dura sensivelmente três meses, sendo que um período depressivo dura sensivelmente o dobro. Nos seus casos mais graves, a doença pode causar sintomas psicóticos – quebra de contacto com a realidade, em muitos casos associada ao polo do humor do episódio; ideias de ruína num polo depressivo e ideias megalómanas/grandiosidade num polo maniforme. Estima-se que mais de 1% da população mundial sofra de Doença Bipolar, com mais pessoas a sofrer da doença do tipo I do que do tipo II. Considera-se que cerca de 2,5% da população preencha critérios alargados para ser incluída num espectro bipolar. O aparecimento desta doença é independente de etnia, nacionalidade e estrato socioeconómico. Tem uma idade média de aparecimento aos 20 anos e quanto mais precoce o aparecimento, pior o prognóstico. O tempo médio entre a primeira manifestação da doença e o diagnóstico é de 5 anos – apesar de várias justificações poderem ser dadas, uma delas é o facto de o primeiro episódio, em cerca de metade dos casos, ser um episódio depressivo, sendo necessário um período de mania/hipomania para confirmar o diagnóstico.
Como principais factores de risco para o desenvolvimento da doença, temos a história familiar – o mais relevante destes, uma vez que a doença é associada a factores genéticos e ambientais, atribuindo-se cerca de 85% dos casos de doença à hereditariedade – o período pós-parto na mulher, condição socioeconómica desfavorável (como factor de stress), estado civil solteiro, eventos traumáticos na infância, lesões do sistema nervoso central ou traumatismos cranioencefálicos. Para a agudização da doença temos novamente o período pós-parto, o final da primavera e o início do verão – sobretudo como factores de risco para o aparecimento de fases maníacas – a disrupção dos ritmos circadianos ou eventos adversos de vida. A Doença Bipolar é mais uma das perturbações psiquiátricas que vem sendo associada à inflamação cerebral, o que é demonstrativo da base neuroquímica destas doenças. Outro factor a ter em conta nesta doença é o peso do suicídio; as taxas de suicídio são cerca de 20 vezes superiores às da população geral – um terço a metade dos doentes tenta o suicídio pelo menos uma vez na vida, com 15-20% destas tentativas a serem letais. Nos principais factores de risco para avaliar o risco de consumação de suicídio encontram-se: familiar de primeiro grau com história de suicídio e ser do sexo masculino, sendo que este é mais comum em doentes não tratados.
Este facto leva-nos para a importância do tratamento na Doença Bipolar – ele existe e é eficaz – sendo comum que as pessoas tenham relutância em querer fazê-lo de forma continuada. Classicamente através de estabilizadores de humor, mas também através de antipsicóticos (outras combinações permitem antidepressivos, mas tendencialmente não são usados) é necessário que o tratamento seja feito de forma contínua e permanente. À semelhança da Esquizofrenia, a Doença Bipolar não tem cura. A mesma semelhança existe com a Diabetes ou a Hipertensão, mas o infeliz estigma que a Psiquiatria carrega, faz com que o abandono terapêutico seja demasiado frequente e os doentes acabem por sofrer agudizações evitáveis – a cada crise, o regresso ao grau de funcionamento (nível cognitivo) anterior fica mais difícil e a probabilidade de novos episódios torna-se mais alta. A informação acerca deste tema é essencial não só para os doentes e para as suas famílias, mas também para todos aqueles que queiram integrar uma sociedade que compreende e protege o próximo.