Nerve no Lux Frágil: Uma noite de poesia com batida
No passado dia 16 de Junho, Nerve passou pelo Lux Frágil para apresentar o seu mais recente trabalho, o EP Auto-Sabotagem. Tiago Gonçalves presenteou a audiência com a sua poesia acutilante e rimas sem igual no panorama musical português, acompanhado por Notwan, DJ e saxofonista que replicou ao vivo as melodias que toca no EP, e que foi um excelente contributo para o concerto. O rapper deu um espectáculo que transcendeu aquela pequena sala, apoiado por instrumentais ribombantes de graves poderosos que perfuraram os ouvidos dos fãs. Testemunharam uma rara ocasião, em que se ouviu poesia no Lux aliada ao ímpeto imparável do “sacana nervoso”.
O começo do concerto foi atmosférico: Notwan abriu o espectáculo num espaço sonoro só dele, que o público absorvia em silêncio. No ecrã, o seu nome dissolvia-se em efeitos psicadélicos antes de ser substituído pelo já conhecido símbolo de Nerve, e Tiago surgir de rompante em palco, de sorriso e pronto para actuar. “São só vocês, onde é que estão os vossos amigos?”, brincou o rapper antes de entrar a todo o vapor em “Lenda”, a despejar no microfone uma abrasão e intensidade próprias do músico. Começou o espectáculo a mostrar a sua face mais bravateira e o público respondeu com vontade e barulho, mas em “Gainsbourg” ou “Nós e Laços” ouvimos silêncio por breves momentos, enquanto Tiago declamou os primeiros versos sem instrumental.
Na primeira parte do concerto, Nerve tocou alguns dos temas dos seus projectos anteriores mais recentes, Trabalho e Conhaque ou A Vida Não Presta e Ninguém Merece a tua Confiança e do EP Água do Bongo. Na faixa título do EP, agarrou-se ao microfone com pujança enquanto disparava os versos incisivos da música; e em “Subtítulo” pediu o apoio do público. “Quem souber a letra que se ponha à vontade”, convidando os fãs a deslizarem vocalmente pelo instrumental avassalador que consumia aquele lugar. No início do concerto falou em tocar temas do seu álbum de estreia Eu Não das Palavras Troco a Ordem, dizendo que era “para rebentar as expectativas”. Mas apesar de não o ter feito, houve espaço para alguns momentos de surpresa, como quando trouxe o rapper Mike El Nite para cantar “Funeral”, a faixa em que colaboram, ou quando estreou “Ingrato”, tema produzido por Stereossauro, fazendo jus à promessa de que iria estrear uma música nova nesta actuação na capital portuguesa.
Depois destes momentos para quem o acompanha há mais tempo, foi altura de brilhar o EP que veio apresentar: Auto-Sabotagem foi tocado na íntegra, com direito a saxofone de Notwan. Em “Chibo” as notas agudas sopradas de forma selvagem embeleceram o instrumental confrontante da música num misto de improvisação e melodias já escritas. Depois desse tema e “Loba” terem mostrado que Notwan não é só um produtor de calibre, Nerve exigiu apoio: “O bonitão! Barulho para o Notwan imediatamente, se faz favor!”. Mas o centro da actuação foram mesmo as palavras do rapper: “Plâncton” soou mais venenosa do que nunca e os versos de “Simone” escorregaram assustadores pelos canais auditivos dos presentes. Terminou com “Breu” e vimos Nerve tingido do vermelho que dá cor à capa do EP despedir-se sem grandes cerimónias e acenar ao público antes de sair de palco.
As virtudes do hip hop de Nerve foram visíveis neste concerto; e transpareceu a sua entrega de poeta. Aquela atitude, os gestos que dirigia ao público e as caras que mostrava enquanto declamava os seus versos em direcção a uma musa invisível. É claramente hip hop mas, mais do que isso, os temas que ali mostrou foram poemas. Nos momentos em que Tiago recitou versos sem instrumental isso ficou bem claro: no centro de tudo estão as suas palavras, frases construídas metodicamente e entoadas por uma multidão que provavelmente não se apercebeu que estava a testemunhar uma sessão alternativa de poesia. Mas isso não impediu ninguém de pôr as mãos no ar e tentar acompanhar a prestação ávida de Nerve ao vivo.