No Age podiam ser os teus professores de noise rock
Nardwuar entrevistou os No Age em 2009, e deu por terminada a conversa com a sua clássica pergunta: “por que é que as pessoas se deviam interessar por vocês?”. É sempre difícil responder a algo desse género, mas a verdade é que a lista de motivos que ajudam a gostar da banda californiana é bastante grande. O baterista/vocalista Dean Spunt e o guitarrista Randy Randall desde logo impressionam quem interage de forma informal com eles, devido à sua acessibilidade e simpatia desarmantes. E o bom humor que revelam quando apreciam a paisagem da Invicta a partir das escadas principais do Hard Club também está presente na hora de se atirarem aos palcos. Isto sem falar da música propriamente dita e do seu compromisso impressionante com a arte: estamos a falar de um grupo que sempre reclamou para si aquele charme da ética DIY e uma vontade enorme de lutar por liberdade total no processo criativo.
Foi no The Smell – uma espécie de mini-CBGB para os rockers experimentais da Gen. Y – que aprenderam a ser uma banda e tiveram o incentivo necessário para desenvolver a sua sonoridade. Nouns (o disco de estreia que celebrou 10 anos em Maio) permanece até hoje um fiel retrato sonoro dos seus tempos formativos, e permite ver como Dean e Randy se inspiraram na música alternativa: o amor professo pelas melodias pop mergulhadas em puro noise lembrava os Sonic Youth ou os Superchunk, da mesma forma que as guitarras cheias de textura e volume aludiam aos My Bloody Valentine. Talvez o facto de ter sido a Sub Pop – essa editora indie que de vez em quando sopra uns pós mágicos e coloca algumas das suas bandas nas bocas do mundo – a apostar neles ajudou a que se tornassem “Pitchfork darlings” na altura… mas o que é certo é que os No Age viveram uma das histórias de sucesso underground mais inesperadas dos anos 2000.
Discos subsequentes tiveram os seus méritos mas ao mesmo tempo parecia faltar-lhes a espontaneidade que fez de Nouns um projecto especial… Avancemos para 2018 e somos confrontados com um cenário diferente. Snares Like a Haircut mostra o grupo no seu modo mais convencional sem se distanciar das suas raízes: as bases foram polidas e trabalhadas para resultarem naquele que definitivamente merece estar entre os melhores trabalhos do duo. A tour de Snares teve direito a duas passagens por Portugal: no passado dia 11 todos os caminhos levaram à Galeria Zé dos Bois e ao Super Ballet – uma festa que se realizou com os Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs e os Sun Blossoms – e dia 12 foi a vez de o Hard Club os receber.
O ambiente era compreensivelmente pouco movimentado quando ainda faltava uma hora para a abertura de portas, mas o facto é que seria essa a realidade vivida durante toda a noite. O relógio marcava as 22:10 quando os fafenses El Señor subiram ao palco da Sala 2 e tocaram para pouco menos de 20 pessoas. Os No Age sempre trouxeram mais gente mas ainda assim deve ter ficado por ultrapassar a barreira da meia centena. Números que fazem pouca justiça à sua qualidade.
Mas esse nem é um cenário que o grupo encare com particular desconforto: desde os dias do The Smell que sabem o que é tocar apenas para o rapaz do soundcheck. E o público mostrou-se em sintonia com a banda durante a maior parte do concerto. Houve tempo para regressos ao passado – ainda sabe muito bem ouvir faixas como “Sleeper Hold” e “Miner” ou ainda “Fever Dreaming” – e esses regressos foram recebidos com tantos aplausos como os temas novos (dentre os quais se destacaram as sempre fortes “Cruise Control” e “Send Me”). E é sempre interessante observar o modo como o duo comunica: entendem-se perfeitamente sem precisarem de falar uma única palavra. É tudo sorrisos e “thumbs up”. A sua alegria contagia.
Se calhar o facto de poucos terem estado presentes ajudou a conferir ao concerto um cariz intimista: Dean dialogou como se todos ali estivessem a celebrar um reencontro de amigos. Na verdade foi mesmo isso que aconteceu. Dean e Randy ainda se encontram na casa dos 30 mas actuam juntos há quase 15 anos – já se pode dizer que são quase-veteranos. E, se assim é, eles deram uma verdadeira aula de noise rock na sala secundária do Hard Club. A turma era pequena mas esteve atenta aos ensinamentos e tomou notas.