O cinema nos videojogos: muito mais do que uma influência
Inicialmente, e em grande parte devido às limitações gráficas e visuais, os videojogos eram meramente uma forma de entretenimento directo, ou seja, a narrativa era simples e construída com o mero propósito de entreter o seu público. Com a evolução gráfica e aumento da indústria, principalmente a nível financeiro, os videojogos mudaram e começaram a tornar-se progressivamente mais cinematográficos. Esta nova direcção não é geral, mas é bastante frequente em diversos géneros, desde os RPGS a jogos de acção/aventura ou até mesmo desporto (exemplo: modo história do FIFA).
É arriscado dizer exactamente quando é que este processo se tornou frequente, mas podemos nomear alguns exemplos claros, como Tomb Raider (1996), Metal Gear Solid (1998) ou até alguns jogos anteriores.
Existem, obviamente, em 2017, inúmeros jogos que são apenas formas de entretenimento directo, mas a quantidade de jogos que hoje em dia é construída como se de um filme se tratasse é cada vez maior.
Produtores e criadores como Hideo Kojima, Hidetaka Miyazaki, entre outros, são, na verdade, os grandes realizadores da indústria dos videojogos, criando obras de acordo com as suas visões e experiências, definindo novas tendências, assim como o cinema o fez, e continua a fazer. A influência que a saga Metal Gear Solid teve, não só nos videojogos, mas também no cinema, é inacreditável. Embora os filmes de videojogos continuem a ser fracassos (excepto o de Mortal Kombat, vá se lá saber porquê), a influência indirecta dos mesmos no cinema é monstruosa. No caso de Metal Gear Solid, é ainda mais interessante observar a forma como um jogo que já tinha sido influenciado pelo cinema (James Bond, Escape from New York, etc.) consegue influenciar o próprio cinema de volta.
Foram as consolas de 32-bits a desenvolver especificamente estes géneros mais cinematográficos, muito graças à possibilidade de introdução de vídeo nos mesmos, algo que estava bastante limitado nas de 16-bits (Sega Mega Drive e Super Nintendo). Esta introdução do vídeo fez com que, naturalmente, os jogos ficassem mais imersivos do ponto de vista de desenvolvimento de personagens, e também de uma perspectiva mais técnica. Era, agora, exigido que os jogos tivessem um storyboard idêntico aos filmes, com planos delineados, cortes, transições, etc.
Do ponto de vista técnico, criar um videojogo tornou-se, também, criar um filme, além de uma experiência digital interactiva. Este desafio trouxe técnicos do cinema para a indústria dos videojogos e vice-versa, expandindo uma indústria que já estava a crescer bastante. Os técnicos de criativos da área do cinema têm, agora, também uma nova oportunidade no universo dos videojogos. Embora a componente de jogabilidade, estratégia e todos os aspectos técnicos relacionados com a experiência do jogador sejam ainda executados por quem é directamente da área, muitas são as equipas de cinema que agora também se dedicam ao mundo dos videojogos.
Hoje em dia, a indústria dos videojogos é a que junta mais artistas e técnicos de diversas áreas: vídeo, fotografia, audiovisuais, programação, realização, som, modelagem 3D, etc. De que forma é que o cinema pode aproveitar esta mistura tecnológica?
A verdade é que os grandes estúdios em Hollywood já o têm feito, com as gigantescas produções CGi, que são nada mais nada menos do que videojogos, mas sem a componente interactiva. O próximo passo em ambas as indústrias será uma espécie de fusão, algo que já tem acontecido com a realidade virtual cada vez mais evoluída. O espectador/jogador irá entrar dentro do videojogo/filme, e moldá-lo à sua vontade, criando uma experiência única para cada pessoa. E aí sim, a fusão entre cinema e videojogos será completa.
O caso da saga Uncharted revela exactamente que a fronteira entre cinema e videojogos já não existe. Os jogadores são agora capazes de interagir a 100% com uma estilo bastante cinematográfico, focado no visual e na jogabilidade imediata/rápida. A influência para a saga vem claramente de Indiana Jones, mas será que existiria desta forma sem a saga Tomb Raider? Provavelmente não da mesma forma. E é isso que é interessante observar. Enquanto que o cinema, como arte muito mais antiga, influenciou claramente inúmeros videojogos, alguns videojogos estão também a influenciar outros videojogos, e o próprio cinema. Vejamos, por exemplo, a diferença narrativa de vários filmes de acção, como os novos 007, onde a acção é muito mais rápida e filmada bem ao estilo de vários videojogos.
O que é que fica desta fusão? Seremos nós capazes de continuar a ir ao cinema, estarmos sentados mais de duas horas numa cadeira a ver imagens em movimento? Ou será isso algo do passado, algo que apenas uma minoria teimosa e com o sentimento de nostalgia fará? Ainda é cedo para perspectivar tamanha mudança, até porque “evoluções” como o 3D não têm estado a resultar tão bem quanto se esperava.
Num mundo cada vez mais dado ao imediato, onde até os anúncios têm agora um formato de 6 segundos, o que fica é uma sensação de que a qualidade poderá ser posta em causa em prol da inovação tecnológica, e mais financeiramente compensatória. Na verdade, não terá sido sempre assim?