O show da eterna juventude de Marcos Valle no Ateneu Comercial do Porto

por Lucas Brandão,    30 Outubro, 2022
O show da eterna juventude de Marcos Valle no Ateneu Comercial do Porto
Marcos Valle / DR
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Prestes a chegar aos 80 anos de idade, um dos monstros sagrados da música popular brasileira (e até da bossa nova, bem lá para o início da sua carreira, nos remotos anos 1960) partiu à (re)descoberta da Europa e escolheu Portugal como lugar da derradeira passagem desta tournée. O seu nome é Marcos Valle, conhecido produtor e músico que tantos sons produziu e que com tantos do passado e do presente colaborou, compondo uma extensa discografia e até temas para telenovelas. De estrangeiros a compatriotas, a lista é extensa e o seu repertório fala por si.

Depois de passar pelo Musicbox de Lisboa e pelo Casino Estoril, foi a vez de vir ao Porto e a um palco pouco usual: o do Ateneu Comercial do Porto, situado no coração da cidade, na Rua Passos Manuel. Consigo, trouxe o baixista Jefferson Lescowich, o trompetista e percussor Jessé Sadoc, o baterista Renato Massa Calmon e a sua esposa Patrícia Alví para o acompanhar nos vocais. A seu cargo, ficaram os dois teclados e grande parte do trabalho vocal.

Nunca visitamos o recinto desta associação criada pelos comerciantes da cidade com fins culturais e educativos há mais de 150 anos para um concerto e fomos lá ter. Recebidos por uma escadaria em meia luz, chegamos ao faustoso salão para nos ajuntarmos perto do pequeno mas acolhedor palco. Foi com atraso que Marcos Valle e companhia chegaram (passavam já trinta minutos das anunciadas 22h), mas com a promessa de encher o apinhado salão, dividido em metade entre portugueses e brasileiros, de sonoridade e de energia. E assim foi, numa viagem que percorreu muita da discografia do brasileiro, para além das colaborações que fez com artistas (inter)nacionais e das menções a alguns dos que influenciou e que o samplaram, como o próprio Jay-Z, para além da nota de referência aos seus filhos, Daniel e Tiago.

Ouvimos o reconhecimento de Marcos Valle do público maravilhoso e atencioso para com ele e para com os seus companheiros, que fez sempre questão de destacar, ao dar-lhes momentos de palco. Em especial, foram aclamados os brutais solos do baterista Renato Massa e do trompetista Jessé Sadoc, com o baixo a ser a cola de todas as camadas de som que foram surgindo. Desde os mais contemporâneos “Cinzento” — gravado com Emicida e cujo vocal foi o próprio Valle a interpretar — e “Se Proteja”, não foi rara a incursão em vários outros álbuns que o fizeram despontar: de “Previsão do Tempo” (1973), gravado com a banda Azymuth (que foi saudada pelo próprio cantor), trouxe “Os Ossos do Barão” ou “Mentira”; do lançado com o seu nome em 1983, ouviu-se “Estrelar”, para além do single “Bicicleta” (1984); sem esquecer a velhinha “Samba de Verão”, que compôs em 1965; e “Parabéns”, cuja versão com Tom Misch fez questão de referir (a expectativa de o ter por cá como esteve em Londres foi breve). De igual modo, homenageou o grupo Chicago, ao trazer “The Mermaid”, desenhada com o seu membro Robert Lamm, e o seu malogrado amigo Leon Ware, com “Rock n’ You Eternally”.

A última canção do alinhamento fez jus ao espetáculo proporcionado neste Ateneu Comercial do Porto: “Vida”, gravada em estúdio este ano ao lado de Liniker e um louvor imenso do conceito de felicidade e da sua concretização. Foi um discurso musical intenso e imenso, onde só o exíguo espaço que existia impedia o público de ser mais expansivo e dar largas à expressão do seu corpo e dos seus movimentos. Isto porque nem sempre foram as letras que empurraram um público que soube receber (à boa maneira portuense), mas antes o caudal sonoro fabuloso e cintilante, que advém do funk que Valle fundiu à bossa nova para proporcionar tantos registos históricos do que conhecemos da música brasileira.

A jovialidade que, no alto dos seus 79 anos, Marcos Valle trouxe ao coração da cidade do Porto é invejável. Para além da sintonia artística e pessoal partilhada nas interpretações vocais a dois com a sua esposa, trouxe um porte descontraído e informal, uma imagem que corresponde à expectativa que temos de alguém descomprometido com a aparência mas antes com a música e com o seu poder contagiante e vibrante. Neste Valle que tão bem engana a idade, um especial talento por partilhar connosco a sua feliz e eterna agilidade.

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