O sucesso dos Linda Martini e a importância de acreditarmos em nós próprios

por João Miguel Fernandes,    28 Março, 2020
O sucesso dos Linda Martini e a importância de acreditarmos em nós próprios
Fotografia de Ângelo Lourenço / Linda Martini
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Até 2006, nunca tive uma banda portuguesa de eleição; aquela banda que não me fizesse perder um concerto, uma notícia, um novo álbum. Cresci a ouvir Petrus Castrus, Lena d’Água, Delfins, GNR, Quarteto 1111, entre outros, mas nunca segui estes artistas como verdadeiro fã. Como grande parte da minha geração, fui fortemente influenciado pela música americana. Era a música que dominava a TV, as revistas, a rádio e até mesmo a Internet da altura. Foi por volta de 2003 ou 2004 que me comecei a libertar dos géneros musicais mais mainstream e a descobrir algumas bandas mais “alternativas”, sempre dentro do metal ou rock progressivo. Mas só em 2006 é que comecei seriamente a olhar para a cultura underground portuguesa no que toca à música. Sendo de Setúbal e fã de metal, era inevitável tornar-me fã de bandas como More Than a Thousand, Ella Palmer, Hills Have Eyes ou One Hundred Steps. A partir daí, a porta abriu-se e vieram outras bandas de outros pontos do país.

Lembro-me como se tivesse sido há 10 anos, mas na verdade já foi há 14. Um dos meus amigos de Internet mostra-me uma banda portuguesa no Last.fm, uns tais de Linda Martini que tinham lançado um EP com quatro músicas e que deu origem ao Olhos de Mongol, primeiro álbum da banda. Foi fácil ficar imediatamente agarrado à sua sonoridade. Nessa altura ouvia muito Sonic Youth, At The Drive-In, The Mars Volta e Explosions in The Sky. Por isso, descobrir uma banda portuguesa que misturasse um pouco de cada uma destas, mas que criasse uma identidade muito própria, foi incrível e mudou a minha percepção de música portuguesa. A partir daí, comecei a seguir a banda nos seus concertos, nas notícias que saíam e comecei a descobrir mais e mais bandas que tocavam com eles. De forma bastante natural — e também muito graças à corrente underground setubalense — cresceu em mim uma grande vontade de fazer parte deste mundo. A forma que arranjei de o fazer foi começar a organizar concertos com bandas underground: primeiro em Setúbal, depois em Lisboa.

Um dos pontos mais fortes da banda sempre foram os concertos, aquele ambiente único que são capazes de criar, envolvendo todos os espectadores e “dando o litro”. Seja na ZDB, num festival ou no Coliseu, a entrega da banda é exactamente a mesma. Para qualquer fã é impossível esquecer a intensidade de uma “As Putas Dançam Slows” ao vivo, o deleite emocional de “Dá-me a tua Melhor Faca”, a explosão de “Estuque”, e por aí adiante.

Linda Martini no Coliseu do Porto. Fotografia de Inês Moura Pinto / CCA

As razões para os concertos serem únicos e os álbuns incríveis, assim como para todo o crescimento da banda, devem-se a diversos factores. Um deles a sorte, esse factor aleatório que conduz os seres humanos para o bem e para o mal. Mas sem dúvida que a sorte pode ser manipulada, e, quando se tem Hélio Morais na bateria, Cláudia Guerreiro no baixo, Pedro Geraldes na guitarra e André Henriques na voz e guitarra, tudo fica mais fácil. Além de serem todos músicos de excelência, amigos há vários anos e grandes conhecedores de música, são pessoas que sempre encararam o seu público de forma muito humilde e que sempre reconheceram que o seu sucesso vem daí. Não vem de nenhuma editora, não vem de dinheiro fantasma de investimentos, não vem de seguirem modas; os Linda Martini continuam até hoje a tocar de forma dura e crua, porque é isso que gostam de fazer. Sim, algumas coisas mudaram — as músicas têm letras mais compostas, são mais curtas — mas a identidade da banda continua presente.

Estamos em 2020 e a banda atingiu o seu apogeu. Coliseus cheios, álbuns em primeiro lugar no top de vendas, reconhecimento nacional total. Um a um, cada um dos membros inicia um novo projecto. Hélio Morais sempre teve outros projectos, mas agora lança-se a solo, assim como André Henriques. Qual é o futuro da banda? Não tem que haver próximo passo, uma banda pode chegar ao topo e continuar por lá, mas a vontade humana por vezes é estranha. Além do factor motivacional, há o factor físico. Tocar como os Linda Martini tocam ao vivo é cansativo e exigente, algo que se sentirá sempre com a idade. Não há dúvidas de que é uma banda capaz de se reinventar durante os próximos 20 ou 40 anos, mas ao longo dos tempos assistimos ao fim de projectos que julgávamos durar para sempre, como os Dead Combo.

Os Linda Martini abriram-me não só as portas para toda a música portuguesa underground do momento, mas também para a que tinha sido feita anteriormente, impulsionando em mim a vontade de fazer parte de algo tão único e natural.

Quando me perguntam de que forma a música ou algum artista mudaram a minha vida? Fizeram-me acreditar em mim mesmo e dar valor a todos os que começam sem nada e se esforçam bastante. É isto que os Linda Martini simbolizam para mim e, possivelmente, para muito mais gente.

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