Os mundos e fundos da cultura portuguesa
Desde há muito, é muito o que se tem discutido sobre o apoio estatal à expressão e produção cultural, nomeadamente às organizações e instituições dedicadas a esses fins. Desde a supressão da pasta ministerial da cultura, remetida a um mero secretariado, até aos dias de hoje, em que ainda se considera insuficiente a aposta orçamental, são sempre várias as causas que fazem mover as partes integrantes deste mundo em prol de melhores condições de trabalho. À imagem dos professores, dos enfermeiros, e de demais funcionários da função pública e privada, também os profissionais da cultura têm direitos a reivindicar e uma importância a salientar no palco da realidade social nacional.
Assim, não são raras as ocasiões em que os jornais são preenchidos por menções a instituições de fundação estatal, como a Direção-Geral das Artes (DGArtes), o Instituto de Cinema e Audiovisual (ICA), e a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC). São estes organismos que, frequentemente, se vêm confrontados com aqueles que trabalham com iniciativas e com projetos da sua autoria, procurando fazer vingar, por mérito próprio, o seu esforço. Os concursos, públicos e privados, burocratizam-se à boa maneira institucional, e tornam tudo mais complicado e implícito. Não basta que os fundos sejam poucos, mas a correspondência estabelecida entre aqueles que os potenciam e os que os viabilizam seja, no mínimo, distante.
Pelo meio dessas candidaturas, existem uns quantos (e que tantos) que ficam arredados dos fundos de assessoria à atividade cultural e artística. A discriminação geográfica continua a ser um amplo senão, estabelecendo fronteiras que tentam ser esbatidas por aqueles que se tentam apresentar a todo o país, de Viana a Faro, sem descurar Bragança, Beja e a totalidade das regiões autónomas. A política do mais lucrativo nem sempre corresponde à do mais inclusivo, à do mais participativo por parte do todo em tudo. No entanto, nos dias que correm, tenta-se ilustrar alguma equidade na repartição desses meios pela extensão cultural do país.
Estranhados, porém, ficam os valores associados à abertura deste ou daquele concurso, com meritocracias e experimentalismos vãos, não obstante os feitos e currículos até então efetivados. Emparelhando isto com mais um pouco de burocracia, também os atrasos e as oscilações de acompanhamento de cada projeto não são casos virgens, que afetam todo o planeamento mensal, anual e bianual daqueles que, estrategicamente, procuram estruturar os seus (parcos) meios em função da sustentabilidade ao longo do calendário.
Remetendo agora para a cerimónia da atribuição dos Prémios Sophia, os típicos apelos para um maior enfoque do Estado no suporte da representação nacional (televisão, cinema e teatro) foram feitos. Podiam ser só mais uns apelos, mas a verdade é que se tratam dos mesmos frisados pelas instituições e organizações nomeadas acima, de cariz mais ou menos local, ainda com um impacto mais sentido em relação às produções nacionais. São meios nos quais a maior parte do investimento parte dos bolsos dos próprios profissionais, em que a subsistência, em muitas das vezes, é posta em causa. Se a função pública se mantém relativamente estável e coordenada, mesmo perante as (bem fundamentadas) reivindicações, também a cultura é uma função pública, e merece um tratamento similar. É objetivo constitucionalmente definido o de prezar e de promover a atividade cultural, como identidade do próprio país, da sua sociedade e de todo o seu percurso histórico, até aos dias de hoje e de amanhã.
É importante que as vozes dos profissionais da cultura e da expressão artística deste país não se silenciem. É extremamente relevante que se tornem audíveis, e que alcancem aqueles que usufruem da mesma, também eles participantes de qualquer espetáculo, projeto ou produção. Enquanto se adquire equipamento bélico de tempos arcaicos e se efetuam opulentos investimentos público-privados para uma suposta catapultação da economia do país, a cultura vê-se a deteriorar, em risco de se fragmentar até que não a possamos colar de novo. Se já houve piores dias, em que o seu papel se tornou meramente acessório, esquecido na gaveta da austeridade? Já. Se ainda há muito a ser feito, nomeadamente na sustentabilidade daqueles que trabalham para que a cultura nacional seja uma bandeira firme, representando a identidade nacional? Sem dúvida.
Com o carinho que cuidamos (e citamos) os Pessoas e os Camões, as Florbelas e as Sophias, que recordamos os Manoéis e as Amálias, que eternizamos os Zecas e as Marias, é o mesmo que deve permanecer vivo e ativo para que os protagonistas de hoje sejam, também eles, ainda maiores do que aquilo que parecem ser. Porque o são, porque merecem, e porque fazem por isso.