‘Our Madness’, de João Viana, é um registo de deuses e demónios
O cinema é coisa do Diabo!, escuta-se a certa altura em Our Madness, o filme que o ‘menino de Huambo’ João Viana levou à Berlinale. É que, na verdade, acho que vi zombies naquela madhouse que é o Hospital Psiquiátrico Infulene, em Moçambique, onde se passa grande parte do filme e também da curta Madness, a concurso para as Berlinale Shorts.
Tudo começa com uma invocação do passado secular, pautado por séculos de abusos, escravatura e guerra civil, mas que se encontra com o presente naquela instituição. Como se os fantasmas acabassem por tomar conta das pacientes que parecem saídas do filme de Jacques Tourneur, I Walked With as Zombie, servido por uma excelente fotografia a preto e branco de Sabine Lancelin e que também nos arrepia.
Mas no meio de tudo isto está o miúdo Zacaria que procura resgatar a mãe daquela instituição, numa prestação verdadeiramente imperial de Ernania Rainha, com o porte de uma verdadeira deusa africana.
Sim, este é também um registo de deuses e demónios, num filme fortemente alegórico que combina o cinema com a representação e a encenação teatral, e onde vemos até uma imagem de Jesus Cristo lado a lado com a do Super Homem/Clark Kent.
E assim voltamos ao início. Aos demónios e às vozes que murmuram e evocam Guernica, mas também Auschwitz, Hiroshima, My Lai. Depois da menção honrosa para primeiro filme que João Viana recebeu em Berlim, onde vive, com A Batalha de Tabatô, numa co-produção entre Portugal e a Guiné-Bissau, em que a música se converteu na batalha, Viana prossegue esta redescoberta africana com este passado marcado pela dor e a incompreensão. Sim, este cinema é coisa do diabo!
https://vimeo.com/252555616
Artigo escrito por Paulo Portugal em parceria com Insider.pt