“Para que serve a filosofia? – um manifesto”, de Mary Midgley: uma manta de retalhos sob um título auspicioso

por Mário Rufino,    11 Outubro, 2019
“Para que serve a filosofia? – um manifesto”, de Mary Midgley: uma manta de retalhos sob um título auspicioso
Mary Midgley / Fotografia de Leon Harris/eyevine
PUB

Prometer e não cumprir resulta em frustração. Foi o que aconteceu com “Para que serve a filosofia? – um manifesto” (Temas e Debates). A explanação esperada com intuito de responder à pergunta não passou de um aglomerado de textos mal colados por uma introdução e uma conclusão. É uma obra pertencente a beletrística, sem cunho, nem capacidade argumentativa ao nível da ambição. Mas nem tudo é negativo.

Mary Midgley (Londres, n. 1919-2018) é muito clara nas suas explicações. O livro inicia o leitor no universo em expansão que tem sido a filosofia. Não é extenso nem denso; não tenta explicar tudo ao pormenor, nem se perde numa nebulosidade metalinguística. São características favoráveis a um leitor menos avisado. No entanto, o livro falha. Mary Midgley fica muito aquém do que se propôs. O problema talvez nem comece na resposta. A pergunta é que se demonstra inalcançável. São 250 páginas de uma brisa superficial pela face do problema.
A autora diverge por não conseguir aprofundar a ténue resposta dada no início. Para que serve a filosofia? [“What is Philosophy for?”], pergunta neste manifesto.

Capa do livro

Para muito pouco, se nos resumirmos às palavras de Mary Midgley. A resposta não é inexistente; é escassa. Mas até a pergunta é perniciosa. A interrogação levantada parte do princípio de que a filosofia tem de ter uma utilidade. A resposta não é “para nada”. É mais do que evidente, logo nas primeiras páginas, que é lhe conferida uma utilidade.

“À Procura de Referências” termina com uma “Conclusão” em que, no miolo, divaga até ser óbice da pergunta inicial. Começa por apontar direcções, promete uma clarificação, perde-se, entretanto, em assuntos que pouco acrescentam e termina voltando ao tema. Dois capítulos- primeiro e último- que balizam uma mão com pouca coisa.

Entre essa pouca coisa, algumas frases simples, claras e promissoras. Segundo a autora, “filosofar, de facto, não é uma questão de resolver um conjunto fixo de enigmas. Pelo contrário, envolve descobrir as muitas formas particulares de pensar que serão mais úteis à medida que tentamos explorar este mundo em constante mudança. (…) [os pensamentos filosóficos] Não competem com as ciências, que presentemente fornecem a maioria das nossas visões dominantes da realidade. Em vez disso, a filosofia tenta descobrir as formas de pensar que melhor ligarão estas várias visões – incluindo as científicas – umas às outras e ao resto da vida”

O livro abre com esta grande promessa de esclarecimento. O leitor espera que a declinação exista nos capítulos seguintes. Só que a autora não consegue ligar os capítulos ao objectivo do livro. Midgley palestra sobre alguns métodos filosóficos, a matéria, pesquisas quânticas, o progresso, Rousseau, tipos de liberdade, a força das imagens, etc. afastando-se cada vez mais do foco e manifesto. Retoma já na conclusão, onde afirma que “Precisaremos de pensar na forma de melhor pensar acerca destes novos e difíceis tópicos – como imaginá-los, como visualizá-los, como inseri-los numa imagem do mundo convincente. E, se não formos nós próprios a fazê-lo, é difícil ver quem o poderá fazer por nós”

Mais do que para demonstrar um objectivo, o título parecer ter sido escolhido como forma de reunir, com boa aceitação comercial, um grupo de textos filosóficos. Desta forma, não passa de uma obra aceitável. Se a lermos com boa vontade.

PUB

Gostas do trabalho da Comunidade Cultura e Arte?

Podes apoiar a partir de 1€ por mês.

Artigos Relacionados