“Pieces of a Woman”, de Kornél Mundruczó: Vanessa Kirby é o destaque de um filme que depressa perde gás
“Pieces of a Woman”, o novo filme do realizador húngaro Kornél Mundruczó, é uma tragédia em duas partes: a primeira estabelece nos 30 minutos iniciais o trauma; a segunda explora as suas repercussões durante 90 minutos. A ação decorre na cidade de Boston ao longo de oito meses e acompanha um casal norte-americano. Ela, Martha (interpretada por Vanessa Kirby), encontra-se nas últimas semanas de gestação. Tendo optado por um parto caseiro, Martha aguarda em casa o nascimento da filha.
A premissa é esta e mais não nos alongaremos. Apenas acrescentaremos que a um trabalho de parto angustiante – completo de enjoos, ansiedade e dor – se seguirão vários dramas familiares. O nascimento da criança acaba por ser o clímax de “Pieces of a Woman”, um clímax extremamente precoce dado que o filme ainda vai no minuto trinta. Efectivamente, Mundruczó constrói um prólogo marcante, mas o resto não tanto.
A eficácia do prólogo deve-se essencialmente a uma harmonia entre representação, fotografia e encenação. Mundruczó filma o trabalho de parto em (aparentemente) um longo plano-sequência. De forma ininterrupta e em tempo real, assistimos às provações que Martha enfrenta, auxiliada do parceiro e da parteira. É uma abertura notável que exige da câmara e dos actores uma coreografia elaborada e precisa. No centro da ação temos Vanessa Kirby, e que fantástica que ela é. A actriz – mais conhecida pelo seu papel de Princesa Margaret nas duas primeiras temporadas da série “The Crown” – exibe um extenso leque de emoções. Vemo-la serena, preocupada, risonha, desesperada, a chorar de alegria, a chorar de dores. Esta panóplia mais impressionante se torna quando a comparamos com o estado apático de Martha no resto do filme. Kirby possui aquela presença rara em que, mesmo quando as suas falas são escassas ou quando as suas emoções estão reprimidas, é sempre cativante. A atriz foi honrada com a Volpi Cup para Melhor Atriz na última edição do Festival de Veneza e duvidamos que as honras fiquem por aí.
“Pieces of a Woman” abre em grande, mas envereda por enredos secundários supérfluos: o passado pobre da mãe de Martha, a compra de um carro, as disparidades de classe entre Martha e o parceiro, a mudança do filme para um courtroom drama na meia hora final, o clichê “a minha sogra não gosta de mim”. O que se propunha ser um retrato de sofrimento ramifica para temas que o realizador falha em conciliar. Por vezes, menos é mais.
Outro exemplo desta máxima prende-se com a interpretação de Ellen Burstyn. No papel de mãe de Martha, Burstyn representa com R maiúsculo. É uma interpretação exagerada e artificial que contrasta com a de Kirby, crua e de um naturalismo louvável. Burstyn mostra como representar mais não equivale a representar melhor. Em sua defesa, parte da interpretação desmedida deve-se às falas que o argumento de Kata Wéber lhe dita. Meras conversas entre personagens evoluem para grandes discursos, longos monólogos sentimentais e deixas reles como “nunca gostei de ti, e não é por seres pobre.”
Formalmente, Mundruczó teima em manter os planos-sequência ao longo do filme, o que apenas realça como o seu uso era justificado no prólogo mas não posteriormente. A sua insistência não passa de uma estética que em pouco serve a narrativa.
No final, “Pieces of a Woman” vale pelo seu tema central (raramente abordado em filme), vale por uma meia hora inicial memorável, e vale por Vanessa Kirby – o filme é dela do início ao fim. Só é pena que Mundruczó tenha sido incapaz de formar um puzzle com os pedaços do seu filme.