Portugal recebe exposição fotográfica de Margaret Watkins, uma das mais importantes figuras da história da fotografia
Pela primeira vez em Portugal, a exposição “Margaret Watkins – Black Light” apresenta no Centro Cultural de Cascais a obra da fotógrafa canadiana Margaret Watkins (1884 – 1969), uma das mais importantes e influentes figuras da história da fotografia. Entre 25 de setembro e 8 de janeiro de 2023, numa iniciativa da Fundação D. Luís I e da Câmara Municipal de Cascais no âmbito da programação do Bairro dos Museus.
Em 1969, perto do fim de sua vida, Margaret Watkins — que não falava sobre o seu passado como fotógrafa — entregou uma caixa lacrada contendo todas as suas fotografias e negativos a um vizinho, Joseph Mulholland, com instruções estritas para que a caixa só fosse aberta após a sua morte. A inevitável redescoberta da obra da fotógrafa canadiana que se seguiu posicioná-la-ia definitivamente entre os grandes mestres da fotografia do século XX.
Uma seleção de 136 fotografias e fotomontagens vintage realizadas entre 1914 e 1939 — além de documentos e objetos originais, uma câmara de época e um filme documentário sobre a fotógrafa — compõem a exposição “Margaret Watkins — Black Light” que agora será apresentada em Cascais, constituindo um relato cativante sobre uma mulher extraordinária que, dentro do amplo panorama social e cultural do século XX, ajudou a moldar a história da fotografia.
Natural de Hamilton, no Canadá, com uma trajetória de vida que a levaria a viver nos Estados Unidos e no Reino Unido a partir de 1908, Margaret Watkins foi uma fotógrafa de retratos e paisagens, de naturezas-mortas e cenas de rua, e também autora de trabalhos de publicidade e design. Nascida numa família privilegiada, Watkins viveu uma vida de não-conformismo, rejeitando a tradição e os papéis de género atribuídos às mulheres na época. Na juventude, desenvolveu a sua sensibilidade para as artes, dedicando-se principalmente à música, ao desenho e à poesia, disciplinas que decisivamente moldariam o estilo e a linguagem da sua produção artística.
Apesar de ter começado a fotografar ainda antes da década de 1920, é neste período que assistimos ao auge da sua carreira: a viver em Nova Iorque, ganhou prémios em exposições internacionais, abriu o seu próprio estúdio dedicado a publicidade e ensinou fotografia na prestigiada Clarence H. White School of Photography, onde teve entre os seus alunos Margaret Burke-White e Paul Outerbridge, hoje também nomes incontornáveis da fotografia. As primeiras secções da exposição, “Genesis of a work 1908 – 1915”, “Portraits” e “New York, 1915 – 1928”, apresentam fotografias representativas dessa fase.
Na mesma altura, Watkins voltou a sua atenção para os objetos mundanos em seu redor e, nos estudos fotográficos que realizou sobre o universo doméstico, produziu algumas das suas imagens mais emblemáticas. A cozinha e casa de banho da sua casa aparecem em várias fotografias agora famosas e consideradas seminais por estudiosos e críticos de arte, como por exemplo “The Kitchen Sink” (1919) e “Still life – Bathtub” (1919).
“Domestic Symphony” (1919), talvez a mais emblemática das suas fotografias, também faz parte da seleção apresentada no Centro Cultural de Cascais. O título musical que deu à fotografia sugere a intrínseca afinidade percebida por Watkins entre a imagem e música. Na imagem, a curva da porcelana remete à forma de um violino. A composição é marcante e define bem o seu uso magistral de luz, sombra e forma: a parte inferior da imagem está na escuridão, ancorando as formas e volumes na porção superior. Tamanho era o seu apreço pela música que, aquando do seu falecimento em novembro de 1969, a maior parte da sua herança foi destinada a instituições de caridade voltadas para a educação musical.
Anne Morin, curadora da mostra, observa que o estilo modernista de Watkins “sugere a sua capacidade de antecipar as grandes revoluções estéticas e conceptuais que viriam depois” e que na sua fotografia “se estabelece um diálogo incessante entre arte e vida doméstica, fundindo tema e objeto na mesma coisa, conceito que utilizaria ao longo de sua carreira, tanto no seu trabalho pessoal quanto nos seus trabalhos publicitários para agências como a Reimers, o grupo editorial Condé Nast e revistas como Ladies’ Home Journal and Country, entre outras”.
Em 1928, Watkins viajou para a Europa, passando por várias cidades em Inglaterra, França, Alemanha e Rússia, antes de estabelecer residência em Glasgow, na Escócia, onde foi incumbida da tarefa de cuidar da antiga casa da sua família e das tias idosas. Não muito tempo depois de chegar à Escócia, assoberbada pelas obrigações familiares, Watkins abandonaria a fotografia enquanto carreira. “Black Light” também inclui imagens que ilustram essa fase da sua vida e a produção artística, especialmente as fotomontagens que haveria de criar a partir de pormenores das suas próprias fotografias para construir motivos e padrões decorativos que oferecia a fabricantes de têxteis e tapetes.
Apesar do reconhecimento tardio, o nome de Margaret Watkins é citado ao lado de figuras-chave como Clarence H. White, Gertrude Käsebier, Alice Boughton, Margaret Bourke-White, Alfred Stieglitz e Georgia O’Keeffe. Atualmente, as suas obras são consideradas fundamentais para a história da fotografia por especialistas e críticos de arte. Enquanto exemplos clássicos da fotografia modernista, as suas imagens são uma valiosa contribuição para a evolução da linguagem fotográfica no início do século passado, ao encarar o ato de fotografar não como um simples substituto da pintura, mas como um verdadeiro instrumento de expressão artística.